Acórdão nº 119/09.2GBAND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução05 de Maio de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo comum singular n.º 119/09.2GBAND do Juízo de Instância Criminal de Anadia (Comarca do Baixo Vouga), a arguida R…, devidamente identificada nos autos, por sentença datada de 16/12/2009, foi CONDENADA: · pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 10, num total de € 600 (seiscentos euros), a que correspondem 40 dias de prisão subsidiária.

Foi ainda tal arguida condenada a pagar, em termos de pedido de indemnização civil, a quantia de € 250, ao queixoso A…, acrescida de juros à taxa legal desde a condenação até integral pagamento.

Tal arguida, enquanto demandante civil, viu o co-arguido A… condenado a pagar-lhe, a título de pedido de indemnização civil e em sede de danos não patrimoniais, a quantia de € 200, acrescida de juros legais desde a data da condenação e até integral pagamento.

  1. Tal arguida/demandante recorreu da sentença, TENDO SIDO A ÚNICA RECORRENTE DOS AUTOS.

    Finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): ENQUANTO ARGUIDA «1. Da análise de toda a prova produzida em Audiência, impunha-se decisão diversa da ora recorrida.

  2. Da fundamentação de facto constante da sentença recorrida, resulta que o Tribunal a quo deu como provados, nomeadamente os pontos 8. e 9. da Fundamentação, que imputam à arguida R... a respectiva conduta a título de dolo, o que nos termos da al. a) do n° 3 do art. 412° do CPP se impugna por se considerar tais factos incorrectamente julgados, atenta a insuficiência da prova produzida.

  3. De facto, em momento algum de toda a prova produzida, o Tribunal a quo obteve a certeza destes factos (ponto 8. e 9.dos dados como factos provados) no que diz respeito à actuação da arguida R....

  4. Pelo que, na dúvida, e em obediência ao princípio basilar do nosso Direito Penal, que aqui se invoca, a arguida ora Recorrente deveria ter sido absolvida da prática do crime pelo qual vinha acusada.

  5. Ao não ter entendido assim, violou o Tribunal a quo o disposto nos art.s 13° e 14 do C. Penal e o Princípio in dubio pro reo, consagrado no Direito Penal.

  6. Entende ainda a ora recorrente que a prova produzida foi incorrectamente valorada e apreciada.

  7. O Tribunal a quo deu como provado, entre outros factos, que “No decurso dessa discussão e da contenda física em que a mesma desembocou, a arguida desferiu vários murros na parte de trás da cabeça do arguido A.... (ponto 6. dos factos provados).

  8. O Meritíssimo Juiz a quo, na motivação da matéria de facto quanto ao crime na pessoa do ofendido A..., valorou as declarações do ofendido A... e o depoimento da testemunha M..., 9. Mais referindo que “é legítimo ponderar se a arguida R… terá actuado sobre o ofendido em defesa do seu marido“.

  9. Concluindo o Meritíssimo Juiz a quo que “não resulta da prova produzida que a arguida tenha actuado no preciso momento em que se verificava uma agressão por parte do arguido A... ao seu marido e, por outro lado, é também manifesto que não presidiu à actuação da arguida (...) qualquer intenção de defesa própria ou de terceiro”.

  10. Na verdade, a arguida, ora Recorrente refere expressamente nas suas Declarações (Volta do CD: início àslO:54,19 e termo às 11:29,27 de 19/11/09) que “Ele ia desenfreado contra o meu marido (...) Eu quando o vi desenfreado conta o meu marido eu fui atrás dele (...) Eu puxei-o pelo ombro (...) Ele tem uma estrutura mais alta do que eu (...) Não, só o puxei para ele não ir contra o meu marido (...).“ 12. A primeira testemunha, M..., que se encontrava no Estabelecimento Comercial Minimercado na hora e data dos factos, disse expressamente, (Volta do CD: início às 11:48,58 e termo às 12:05,55 de 19/11/09), que “Ele empurrou-o para trás e a D. R... começa aos murros ao irmão... quando viu o Sr. H... agarrado pelo irmão, a D. R... dava-lhe por trás da cabeça. O irmão estava agarrado ao casaco do Sr. H...; (...) Quando eu vi os três juntos”.

  11. Por outro lado, o ofendido A…, refere nas suas declarações, (Volta do CD: início às 10:33,02 e termo às 10:52,40 de 24/11/09), que “Eu empurrei o meu cunhado e nessa altura também fui agredido pela minha irmã (...) Eu dirigi-me para ele e empurrei-o e naquela altura fui agredido pela minha irmã.

  12. Ora, perante as declarações e os depoimentos que o Tribunal a quo valorou, e de acordo com os factos dados como provados (ponto 6.) resulta, sem margem para dúvidas, que a arguida agiu a coberto de uma causa de justificação — legítima defesa —, pelo que a sua conduta não podia ter sido considerada ilícita.

  13. A legítima defesa tem por requisitos, como decorre do art. 32° do C.

    Penal: - a ocorrência de uma agressão, que deve ser actual, i.é, estar a realizar-se, em desenvolvimento ou iminente, ilícita, cuja defesa obedeça a um meio considerado necessário.

  14. Da prova produzida, resultam inequivocamente verificados todos os pressupostos da legítima defesa.

  15. A actuação da arguida ocorreu no preciso momento em que se verificava uma agressão por parte do arguido A... ao marido. (Isto mesmo refere a Testemunha M…e o próprio A..., no depoimento e declarações acima referenciados).

  16. A actuação da arguida foi actual, pois ocorreu depois de ter começado e antes de ter terminado a agressão do arguido A... ao marido da mesma. (facto dado como provado no ponto 6. dos factos provados na Sentença recorrida).

  17. Na verdade, a actualidade da agressão afere-se, pela ocorrência da situação perigosa, a qual se caracteriza pela prática de actos que, segundo a experiência comum, forem de natureza a fazer esperar que se lhes siga o acto agressivo — a agressão.

  18. Das declarações da arguida extrai-se ainda que na sua perspectiva, foi a actuação necessária, no momento e segundo as circunstâncias concretas, para defender o marido.

  19. Contrariamente ao entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, à actuação da arguida presidiu a intenção de defender o marido, que estava a ser agredido.

  20. Mas, quanto a este elemento subjectivo, importa referir que a doutrina mais recente (Taipa de Carvalho, 375/387, Cavaleiro de Ferreira Direito Penal (1982), 189/191, Fernanda Palma, Justificação por Legítima Defesa como Problema de Delimitação de Direitos(1990), 6 11-58 e 693) entende que o elemento subjectivo da acção de legítima defesa se restringe à consciência da situação de legítima defesa, isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objectivos daquela concreta situação.

  21. A exigência do animus defendendi, revela-se, desprovida de sentido, uma vez que a actual lei apenas exige como requisito da legítima defesa a consciência da agressão e a necessidade de defesa — nesse sentido Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra Proc.202 1/03 de 17- 09-2003.

  22. Mais acresce referir que, na Sentença ora recorrida, não foram levadas em consideração as circunstâncias concretas, no momento da prática dos factos que são imputados à ora Recorrente.

  23. Da análise de toda a prova produzida, resulta ainda que, os factos praticados pela arguida, foram produzidos num quadro e conjunto de circunstâncias que deveriam ter presidido à apreciação feita pelo Julgador, atendendo nomeadamente: · ao facto de a arguida, no momento imediatamente anterior ter sido agredida pelo irmão; · à compleição e capacidade física do irmão (que e mais forte e mais alto que a arguida); · ao estado de nervosismo apresentado pelo irmão.

  24. Apesar de todas estas circunstâncias, se encontrarem verificadas na prova produzida em audiência, as mesmas foram obliteradas pelo Tribunal a quo, ao não lhes dar relevância.

  25. Somos pois, levados a concluir que o Tribunal a quo julgou e condenou a ora Recorrente pela prática do crime, isoladamente considerada, verificando-se pois, que houve erro notório na apreciação da prova.

  26. Assim, a actuação da arguida encontra justificação na legítima defesa, cujos pressupostos estão integralmente preenchidos, com a consequente exclusão da ilicitude da sua conduta.

  27. Pelo que preenchidos os pressupostos da legítima defesa, a conduta da arguida não deveria ter sido considerada ilícita.

  28. Deveria pois, ter sido absolvida da prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143° do C. Penal, e consequentemente deveria ter sido absolvida do pedido de indemnização civil.

  29. Ao não ter entendido assim, violou o Tribunal a quo o disposto nos art.s 13°, 31°, 32° e 143° do Código Penal e os art.s 70º, 337°, n° 1 do Código Civil».

    ENQUANTO DEMANDANTE CIVIL «32. A indemnização arbitrada à Demandante ora Recorrente peca por diminuta, devendo ser fixada, no valor peticionado pelos demandantes.

  30. Perante os factos provados nos pontos 16., 17., 18., 19. e 22. da Sentença recorrida, a indemnização arbitrada é manifestamente insuficiente, senão miserabilista.

  31. Tendo pois, sido violadas por erro de aplicação e interpretação, as normas dos arts 494º e 496° do CC.

    Termos em que, e nos melhores de direito, e sempre com o Douto suprimento de Vossas Excelências se pede, se dignem dar provimento ao presente recurso, absolvendo a ora Recorrente, e condenando-se o Demandado no pedido de indemnização peticionado».

  32. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o acórdão recorrido deve ser mantido na íntegra, assente que o mesmo fez uma criteriosa fundamentação e aplicação da lei ao caso concreto.

    Começa, contudo, por levantar a questão prévia do incumprimento pela recorrente do ónus previsto no artigo 412º/1 do CPP, Conclui assim: «1. A sentença recorrida fez adequado julgamento da matéria de facto, através de um exame crítico, objectivo e imparcial das provas produzidas e examinadas em audiência de julgamento, à luz do princípio da livre apreciação da prova e da reserva do julgador, a que alude o art. 127° do CPP, tendo este motivado devidamente a sua decisão, que não enferma de quaisquer vícios; 2. O tribunal não se convenceu - e explicou porquê — que a arguida agira exclusivamente em defesa de terceiro (o marido e...

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