Acórdão nº 64/03.5TBTBU.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Maio de 2010
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 25 de Maio de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.
Em Janeiro de 2003[1], A...
, de nacionalidade holandesa (A., Reconvindo e neste recurso Apelado), demandou B...
, também ela nacional holandesa (R., Reconvinte e Apelante no presente recurso), formulando, relativamente a esta, os seguintes pedidos, agrupando-os em principais e subsidiários: “[…] 1.
Pedido Principal: a) Se reconheça o A. como dono e exclusivo proprietário do prédio descrito sob o nº 61/0880785 da Conservatória do Registo Predial de ... – freguesia de ..., melhor descrito no artigo 8º, bem como o seu direito de propriedade sobre as melhorias e as benfeitorias aí implantadas por si e melhor descritas nos artigos 11º a 20º, todos desta p.i. e b) [Se] condene a R. a se abster de todo e qualquer acto jurídico ou material que perturbe o direito de propriedade do A. sobre o prédio melhor identificado no referido artigo 8º e respectivas melhorias ou benfeitorias melhor identificadas nos artigos 11º a 20º, todos desta p.i.
2.
Caso […] assim não entenda, desde já requer […] que, a título de pedido subsidiário: a) Sejam reconhecidas as benfeitorias úteis ou necessárias ou voluptuárias, não passíveis de levantamento, implantadas e pagas exclusivamente pelo A., melhor identificadas no teor dos artigos 11º a 20º da p.i. […] e que valorizam a propriedade […] no valor total de 11.500.000$00 ou €57.361,76 e b) A dívida da R.
no valor de metade do preço da propriedade e [de] metade das despesas de aquisição da propriedade, todas melhor identificadas nos artigos 8º a 10º desta p.i., no valor de 1.750.000$00 ou €8.728,96 e 500.000$00 ou €2.493,99, respectivamente e c) O direito de crédito do A.
relativo às despesas de conservação ordinária da aludida propriedade, no valor metade de 500.000$00 – 250.000$00 ou €1.247,00 – sem prejuízo de liquidação posterior em execução de sentença das despesas ocasionadas e pagas pelo A. desde a data da citação até sentença condenatória.
3.
Requer, tanto para o pedido principal [como] para o pedido subsidiário: a) que se ordene o cancelamento de todo e qualquer registo provisório e/ou definitivo a favor da R. sobre o prédio melhor descrito sob o artigo 61 da Conservatória do Registo Predial de ..., da freguesia de ... […] […]” [transcrição de fls. 11/12, sublinhado e ênfase acrescentados[2]] Fundando estes pedidos, em especial quanto ao primeiro grupo deles, invocou o A. ter adquirido – ele e só ele – um terreno em ..., o qual, por erro em que teria sido induzido pela R., acabou por ficar, na escritura de compra respectiva e no registo, em nome dos dois (A. e R.), isto no sentido de ter sido formalmente adquirido em compropriedade pelos dois, sendo que foi ele (A.) quem custeou, em exclusivo, o preço dessa aquisição e todas as despesas respeitantes à construção de uma casa nesse terreno e ao melhoramento das condições da propriedade, e foi ele, igualmente, quem suportou e vem suportando todos os encargos de conservação inerentes ao prédio[3].
As pretensões subsidiárias – aquelas que, em função da decisão da primeira instância e do objecto do presente recurso, nos cumprirá apreciar – ligam-se à possível fixação do regime dominial do prédio em causa como compropriedade do A. e R. (ou seja à improcedência do pedido principal), pretendendo o A., neste caso, a condenação da R. no reconhecimento[4] de um crédito correspondente a metade do valor de aquisição do prédio (metade do preço, chamemos-lhe assim) e a metade das demais despesas respeitantes a essa aquisição (escritura, registo e Sisa) e, sempre quantificado pela metade (enquanto quota ideal de cada um na compropriedade), de um crédito correspondente às despesas vencidas e vincendas, relativas à conservação do prédio, peticionando ainda o reconhecimento – sempre o reconhecimento[5] – da existência, quantitativo e características de determinadas despesas de beneficiação (rectius, benfeitorias) do mesmo prédio[6].
1.1.
A R. contestou e, concomitantemente, deduziu reconvenção (fls. 47/51). Impugnando directamente a versão preponderante do A. (a negação da união de facto[7]), refere ter vivido em união de facto com este, entre Julho de 1994 e Setembro de 2000, sendo nesse quadro que adquiriram (os dois, e não apenas ele) o terreno em causa e reconstruíram a casa[8], acrescentando a R. que o fim da relação entre ambos conduziu a que o A. a venha impedindo de aceder e de utilizar a casa, da qual se vê, assim, totalmente privada.
Em função desta factualidade pugna a R. pela improcedência do pedido do A., formulando o seguinte pedido reconvencional: “[…] 1.
A reconhecer que a R. é legítima proprietária de 1/2 indiviso do prédio urbano descrito sob o nº 61 na Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito na matriz sob o artigo 791 – ..., composto de terreno de cultura, com oliveiras, videiras em cordão, fruteiras e vinha, e uma casa de arrecadações, de rés-do-chão e primeiro andar com 40 m2 e eira, com a área de 6.720 m2, bem como de todos os bens móveis que se encontram no interior do mesmo.
2.
A abster-se de todo e qualquer acto que perturbe o exercício do direito de propriedade ou a posse sobre o prédio indicado em 1.
3.
Proceder ao pagamento da quantia mensal de €400,00 desde 1 de Setembro de 2000 até à restituição da posse à [R./Reconvinte[9]] do prédio indicado em 1., contando-se vencida à presente data a quantia de €12.400,00, a que acrescem juros de mora desde a notificação da reconvenção ao A. até efectivo e integral pagamento.
4.
Como litigante de má-fé em multa e indemnização de valor não inferior a €2.000,00.
[…]” [transcrição de fls. 51] 1.2.
Findo o julgamento[10] documentado a fls. 635/637 (1º sessão) e fls. 704/705 (2ª sessão)[11], no qual foram fixados, por referência à base instrutória, os factos provados (despacho de fls. 710/719 vº), foi proferida a Sentença de fls. 724/734 vº – esta constitui a decisão objecto do presente recurso – cujo pronunciamento decisório foi o seguinte: “[…] [J]ulgo a acção e a reconvenção da seguinte forma: 1 – Improcede o pedido principal da acção, pelo que absolvo a R. desse pedido.
2 – Declaro que foi o A. quem custeou as despesas com as benfeitorias descritas nos factos provados; que as mesmas não podem ser levantadas e que o A. despendeu nelas a quantia de 11.500.000$00, relegando-se para execução de sentença a determinação do montante da valorização, até ao limite da mencionada despesa.
3 – Condeno a R. a pagar ao A. a quantia de €9.601,06, relativos às despesas feitas pelo A., nos termos mencionados supra, sob a al. d) do ponto IV desta sentença[[12]], acrescidas de juros legais de mora, desde a citação, à taxa de 4% ao ano, sem prejuízo de outra taxa que venha a ser estabelecida por lei.
4 – Condeno a R. a pagar ao A. a quantia €159,31, relativamente a metade da despesa de limpeza e manutenção das partes rústica, logradouro despendida em Novembro de 2001, e restantes despesas concretamente identificadas na alínea e) do ponto IV desta sentença[[13]], acrescida de juros legais de mora, desde a citação, à taxa de 4% ao ano, sem prejuízo de outra taxa que venha a ser estabelecida por lei.
Condeno a R. a pagar ao A.
metade das quantias que se liquidarem em execução de sentença, relativamente às despesas feitas desde Abril de 1997 até à instauração da acção, relativas à manutenção dos contratos de fornecimento de água, telefone e electricidade, com exclusão dos pagamentos relativos a consumos concretos atinentes a esses contratos de fornecimento, bem como as feitas a título de contribuição autárquica e seguros relativos ao prédio, até ao limite de €1.247,00 euros (metade de €2.493,99 ou 500 000$00), mas levando em conta as que ficam já liquidadas no anterior parágrafo.
Condeno a R. a pagar ao A. metade das quantias que se liquidarem em execução de sentença, relativamente às mesmas causas, vencidas e pagas pelo A. após a instauração da acção, cujo quantitativo se relega para execução de sentença.
5 – Julgo a reconvenção procedente e declaro que a R. é comproprietária, na proporção de metade do prédio identificado nos factos provados acima descritos e condeno o A. a reconhecer isto mesmo e a abster-se de qualquer acto que obste à fruição do prédio por parte da R.
6 – Julgo a reconvenção improcedente quanto ao pedido de indemnização dirigido pela R. ao A. sob a alegação de que este a tem privado do uso do imóvel e absolvo o A. desse pedido (corresponde ao n.º 3 do pedido reconvencional).
7 – Condeno o A. como litigante de má fé em multa, que fixo em cinco unidades de conta.
Como não há elementos para fixar a indemnização, será fixada mais tarde, se a Ré o requerer, nos termos do artigo 457.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, devendo, querendo, indicar os elementos em falta no prazo de 15 dias após a notificação desta decisão, podendo o Autor responder em igual prazo[[14]].
8 – Absolvo a R. do restante pedido.
[…]” [transcrição de fls. 734 e vº, sendo o sublinhado aqui acrescentado para frisar a exacta expressão decisória presente na condenação] 1.3.
Inconformada, interpôs a R. a presente apelação, motivando-a a fls. 760/773, formulando a culminar tal peça processual – e assim delimitando o recurso – as conclusões que aqui se transcrevem: […] 1.3.1.
O A. Apelado respondeu ao recurso (fls. 779/792), pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
II – Fundamentação 2.
Relatada a marcha do processo na primeira instância, importa sublinhar, preambularmente à apreciação do recurso, que a delimitação temática da presente apelação se obtém, como dissemos, através do teor das conclusões formuladas por quem recorre (a Apelante) a rematar a motivação [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)]. Assim, por referência às questões plasmadas nessas conclusões, o recurso apenas poderá prescindir de as apreciar quando a sua decisão esteja logicamente prejudicada pela solução dada a outras questões, e apenas poderá ir além delas na medida em que a lei lhe permita, ou imponha, o...
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