Acórdão nº 1638/07.0TBMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução21 de Dezembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 24 de Setembro de 2007[1], A...

( A. e no contexto deste recurso Apelada), demandou B...– Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A.

(R. e Apelada na presente apelação) invocando ser mãe e herdeira – presentemente a única – do seu filho C...

, falecido em 10 de Janeiro de 2007, vítima de peritonite bacteriana devida a cirrose hepática.

Ora, havia este último contraído, em Dezembro de 2003, um empréstimo no valor de €23.000,00 junto da entidade bancária Banco D...

(não interveniente nesta acção), operação bancária à qual foi associado, como reforço de garantia exigida pelo Banco, uma apólice (a nº …) de “Seguro de Vida Associado a Crédito” tomada pelo indicado Banco, da qual foi beneficiário/segurado o referido de cuius da A.

, sendo a entidade seguradora a R.

[2] [3].

Assim, tendo ocorrido, nos termos indicados, a morte do beneficiário do seguro (do filho da A.), correspondendo tal circunstância ao evento desencadeador da cobertura, e recusando-se a R. (a seguradora) a assumir o pagamento das prestações do empréstimo em dívida à data do decesso desse beneficiário, formula a A. o seguinte pedido: “[…] [D]eve esta acção ser julgada procedente e provada, condenando-se a R. a pagar ao Banco D... o valor do empréstimo ainda em dívida ou a entregar à A. tal valor e a reembolsá-la do pagamento de todas as prestações que ela pagou a partir de 10/01/2007, a liquidar em execução de sentença […].

[…]” [transcrição de fls. 4] 1.1.

Contestou a R. a fls. 30/40, pugnando pela improcedência da acção, pedindo que o contrato de seguro em causa seja considerado nulo, em virtude de o beneficiário C... ter omitido, ao tempo da subscrição do respectivo contrato (em 10/12/2003), nas informações médicas prestadas à seguradora, a pré-existência de doença (hepatite B), evidenciada pela seropositividade ao vírus H-B (o vírus da hepatite B) desde 1996 e pela, igualmente pré-existente, adição a drogas – esta dependência, por si, consubstancia uma doença.

1.1.1.

Findos os articulados foi o processo saneado, fixados os factos desde logo assentes e elaborada a base instrutória, tudo como consta de fls. 80/82 vº.

1.2.

Realizou-se o julgamento documentado a fls. 223/227, tendo o Tribunal fixado, por referência à referida base instrutória, os factos provados (despacho de fls. 228/232). Seguidamente, foi proferida, consubstanciando o julgamento do processo na primeira instância, a Sentença de fls. 234/250 – corresponde esta à decisão objecto do presente recurso –, julgando a “[…] acção totalmente procedente [condenando] a R. a pagar ao Banco D... o valor do empréstimo ainda em dívida, e a reembolsar a A. das prestações pagas àquele Banco desde 10/01/2007, valores estes a apurar em incidente de liquidação de sentença” (transcrição de fls. 250). 1.3.

Inconformada, interpôs a R. a presente apelação, adequadamente recebida pelo Tribunal a quo a fls. 258, tendo-a motivado a fls. 262/292, rematando tal peça processual com as seguintes conclusões: “[…................................................................................]” A A./Apelada respondeu ao recurso a fls. 298/300, concluindo nos seguintes termos: “[………………………………………………………….]” II – Fundamentação 2.

Encetando a apreciação da apelação, importa ter presente que as conclusões formuladas pela Apelante a rematar a respectiva motivação operaram a delimitação temática do objecto do recurso [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)].

Começando pelos factos, sublinha-se que a Apelante os não discute – rectius, não suscita a reapreciação destes por referência aos poderes de controlo desta instância previstos no artigo 712º, nºs 1 e 2 do CPC –, devendo o elenco fáctico fixado no Tribunal a quo ter-se por definitivamente estabelecido, nos exactos termos em que a Sentença recorrida, conjugando o teor dos despachos de fls. 81 e 82 e vº, indicou no seu texto o que chamou de “fundamentação de facto”. É esse elenco que aqui reproduzimos visando propiciar uma compreensão autónoma da situação através da simples leitura do texto do presente Acórdão: “[……………………………………………………………..]” 2.1.

Relatado o iter da acção até à presente instância de recurso, e transcritos os factos a considerar, importa apreciar a crítica dirigida pela Apelante à Sentença recorrida, quanto à não consideração da anulabilidade do contrato de seguro aqui em causa, nos termos que a Seguradora/Apelante entende resultarem do preenchimento da facti species do artigo 429º do Código Comercial (CCom)[4].

Sublinha-se que esta Relação, num Acórdão recente (no Acórdão de 21/09/2010, elaborado pelo ora relator, proferido no processo nº 337/08.0TBALB.C1[5]), tratou de uma questão substancialmente idêntica à que aqui se coloca, confirmando uma decisão de primeira instância antagónica da em causa no presente recurso. A ratio decidendi desse Acórdão, transponível, como se disse, para a presente situação, capta-se através do teor do respectivo sumário, nos trechos que, por pertinência aqui se transcrevem: “[…] II – Um contrato de seguro cuja concreta incidência (o particular risco assumido pela seguradora) se traduz na garantia de satisfação ao Banco (tomador do seguro e beneficiário) do valor subsistente de um crédito à habitação por este Banco concedido, corresponde, fundamentalmente, a um “segura de vida” do mutuário visando a satisfação da respectiva dívida (é usualmente designado por apólice “Vida Risco – Crédito à Habitação); III – O mutuário do crédito à habitação concedido pelo Banco tomador corresponde a um interessado segurado, participante no contrato que subscreve e para cujo processo de formação concorre.

IV – A questão do risco assumido pela seguradora, no quadro de um contrato deste tipo, tem na sua base um processo preliminar de recolha de informação pela seguradora, através do preenchimento de questionários pelo mutuário/segurado, destinando-se estes à aferição dos elementos relevantes para a decisão de contratar e para a repercussão probabilística do risco assumido pela seguradora na contrapartida representada pelo prémio; V – A consequência, relativamente ao contrato, da existência de desvalores não atribuíveis à seguradora no processo de recolha de informação conducente à celebração do contrato, enquanto elemento induzido pelo próprio beneficiário ou por quem faz o seguro através da prestação activa ou omissiva de informações não conformes à realidade, conduz a que o negócio assente, face à seguradora, numa base falseada; VI – Este desvalor acarreta a anulabilidade do contrato, no regime do Código Comercial, por aplicação, terminologicamente actualizada, do artigo 429º deste Diploma.

[…]” É este sentido decisório que aqui iremos reafirmar, com o consequente atendimento do recurso da Apelante, sublinhando-se apenas os traços característicos da presente situação que nos conduzem à conclusão de que os argumentos desenvolvidos nesse Acórdão de 21/09/2010 aqui valem por identidade de razão.

2.1.1.

Aí (no Acórdão de 21/09/2010) estava em causa, tal como aqui sucede, nos termos já explicitados na nota 5, o regime do contrato de seguro disciplinado no Código Comercial, nas disposições respeitantes a este contrato, entretanto revogadas pelo Decreto-Lei nº 72/2008 [a nova – e aqui inaplicável – Lei do Contrato de Seguro (LCS)]. Trata-se aqui, portanto, de interpretar e aplicar o corpo do artigo 429º do CCom: “[t]oda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.

Correspondendo esta “nulidade”, verdadeiramente, como correctamente se indica na Sentença (seguindo, aliás, um entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudência, resultando de uma leitura actualizada do Código Comercial, coevo do Código de Seabra, onde a distinção nulidade anulabilidade não era feita[6]), tratando-se esta “nulidade”, dizíamos, de uma anulabilidade, aqui feita actuar pela Apelante na contestação, e reconhecendo-se que a omissão pelo beneficiário, de cuius da A./Apelada, da referência à pré-existente (pré-existente à data da celebração do contrato de seguro) toxicodependência e seropositividade para H-B (vírus da hepatite B), configura uma declaração reticente[7], no mínimo, reportada a circunstâncias relevantes para o contrato de seguro, assente isto[8], dizíamos, importará situar esse comportamento do beneficiário face aos concretos deveres de informação e esclarecimento da seguradora que, em função da subscrição do contrato de seguro, lhe foram assinalados com base no texto do contrato e no princípio geral de actuação, nos preliminares do contrato e no processo de formação deste, segundo os ditames da boa fé [artigo 227º, nº 1 do Código Civil (CC)].

Do texto do contrato, considerando como tal o seu suporte documental integral, correspondente, por um lado, à “proposta de adesão” de fls. 21/22, subscrita pelo beneficiário C..., que integra o chamado “questionário médico” e a “declaração” final, datada e...

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