Acórdão nº 53/05.5TBLRA.C3 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução09 de Dezembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. Sob pronúncia do M.mo Juiz de Instrução que recebeu a acusação do Ministério Público, e concordância da assistente A, a arguida D tal como aquela já mais identificada nos autos, foi submetida a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, porquanto alegada e indiciariamente agente de factos consubstanciadoras da autoria consumada de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punível através das disposições conjugadas dos artigos 148.º, n.º 3 e 144.º, alínea d), ambos do Código Penal.

O Hospital de S. André, S.A.

formulou tempestivo pedido de indemnização civil contra a dita arguida, requerendo a respectiva condenação a solver-lhe € 2.943,50 acrescida de juros moratórios até efectivo reembolso.

Findo o contraditório, foi proferida sentença eximindo a arguida/demandada de ambas as responsabilidades assim reclamadas.

1.2. Desavinda, a assistente interpôs recurso extraindo da pertinente motivação a formulação das conclusões seguintes: 1.2.1.

Anterior Acórdão do Tribunal da Relação, ordenou o reenvio do processo para novo julgamento. E isto porque, 1.2.2.

Entendeu também que era necessário e extremamente importante para aferir do elemento subjectivo do crime no novo julgamento, apurar da existência de “vários ramais de ligação á conduta de retorno comum”, conforme preceitua a alínea c) do n.º 2 do Decreto-Regulamentar n.º 5/97, de 31 de Março. É que, 1.2.3.

Verificando-se que a arguida violou norma expressa reguladora da actividade nas piscinas, (sendo esta violação causal do acidente) existiu uma violação do dever objectivo de cuidado exigível naquelas circunstâncias, fortemente indicador da existência de negligência.

1.2.4.

A existência de normas jurídicas que regulamentavam a actividade exercida pela arguida, impunha que o Sr. Juiz a quo tivesse reanalisado a questão do elemento subjectivo do crime, tendo também em consideração a resposta que viesse a ser dada à nova questão submetida a julgamento. Só que, 1.2.5.

Resulta da matéria de facto provada que a arguida violou norma expressa reguladora da actividade exercida e destinada a garantir a segurança na piscina (cfr. artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Regulamentar n.º 5/97, de 31 de Março).

1.2.6.

Houve assim, como se referiu em tal aresto, violação do seu dever objectivo de cuidado, razão pela qual a recorrida devia ter sido condenada.

1.2.7.

Aliás, a sentença recorrida estava vinculada à decisão do Tribunal da Relação.

1.2.8.

Tendo sido provada a inexistência dos ramais de ligação, sempre o Tribunal sindicado teria de decidir pela condenação da arguida pela prática do crime de que vinha acusada.

Sem conceder, 1.2.9.

A arguida vinha pronunciada pela prática de factos que integram a prática de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência previsto e punível através das disposições conjugadas dos citados artigos 148.º, n.º 3 e 144.º, alínea d).

1.2.10.

Para se aferir se a arguida praticara (ou não) tal crime importava em tese geral, saber:

  1. Se o sistema de funcionamento da piscina, tal como se encontrava a funcionar no momento do acidente, fora causa do acidente sofrido pelo F.

  2. Se a arguida, responsável e proprietária do estabelecimento onde ocorreu o acidente, estava (ou não) obrigada a assegurar que da utilização de tais instalações não adviria qualquer perigo para a vida e integridade física dos utentes.

1.2.11.

E, em caso afirmativo, se a arguida cumpriu esse dever.

1.2.12.

Da matéria de facto elencada na decisão recorrida como provada, resulta à exaustão que foi o sistema da piscina, tal como se encontrava a trabalhar, que deu causa ao acidente sofrido pelo F 1.2.13.

Aliás, esse foi também o entendimento sufragado na mesma decisão, e daí que, no que concerne, nenhuma censura caiba apontar-se-lhe. Apesar disso, 1.2.14.

Ademais sustentou absolver a arguida considerando que esta não conhecia “a fonte de perigo adequada à produção do resultado lesão física” (sic), tendo concluído que ela não praticou algo que pudesse criar esse risco, concluindo, então, não haver agido a recorrida por forma negligente.

1.2.15.

O conceito de negligência consta no artigo 15.º, do Código Penal, que destrinça entre a negligência consciente e a negligência inconsciente.

1.2.16.

Enquanto na primeira forma o agente previu a realização do crime e confiou em que ele não teria lugar ou mostrou-se indiferente a essa produção [alínea a) do dito normativo], na segunda delas o agente não previu – como podia e devia – aquela realização do crime [subsequente alínea b)].

1.2.17.

Isto é, na negligência cumpre indagar se ocorreu violação de um dever objectivo de cuidado e, ainda, determinar se era exigível ao agente a adopção de um outro comportamento que evitaria a produção do resultado.

1.2.18.

Ora, no caso sub judice houve efectivamente, por parte da arguida, a violação de um dever objectivo de cuidado, tendo sido essa sua conduta que deu causa ao acidente que lesionou o F, sendo que 1.2.19.

A violação de normas de conduta assume especial relevo em domínios altamente especializados que importam riscos para a vida de outra pessoa.

1.2.20.

Esta problemática tem a ver com a denominada negligência na aceitação ou na assunção.

1.2.21.

Trata-se da assunção de tarefas e aceitação de responsabilidades “para as quais o agente não está preparado, nomeadamente porque lhe faltam as condições pessoais, o conhecimento, ou mesmo o treino necessário para a aceitação de uma actividade perigosa” (cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense, Tomo I, pág. 108).

1.2.22.

No caso vertente, a arguida era sócia gerente da sociedade que explorava o espaço onde se integrava a piscina no qual ocorreu o acidente.

1.2.23.

Era, pois, responsável pelo bom funcionamento da piscina, em termos de higiene e segurança para os utentes, como, aliás, foi dado por provado (facto 2.1.11.) 1.2.24.

Competia-lhe assegurar, na qualidade de responsável da utilização daquelas instalações que não adviria perigo para a vida e integridade física dos utentes (facto provado 2.1.12.), obrigação que não cumpriu.

1.2.25. Nunca mandou fazer qualquer análise de risco ao funcionamento da piscina.

1.2.26.

À data dos factos encontrava-se em vigor o Decreto-Regulamentar n.º 5/97, de 31 de Março, sendo este diploma que contém o conjunto de normas que regulamenta as condições técnicas e de segurança das diversões aquáticas.

1.2.27.

No seu artigo 10.º, mostram-se elencadas aquelas a que deve obedecer o sistema de sucção das piscinas, sendo que, in casu, elas foram violadas.

1.2.28.

Mas, já o Decreto-Regulamentar n.º 34/95, de 16 de Dezembro, e a Directiva CNQ de 23/93 (que estabelece normas de cuidado a observar para o sector de construção/exploração das piscinas com tanques), estatuíam as regras constantes do aludido artigo 10.º.

1.2.28.

Não pode colher a pretensão da arguida quando invoca o desconhecimento do Decreto-Regulamentar n.º 5/97, quando é certo que desconhecia toda e qualquer legislação sobre o assunto.

1.2.29.

E isto quando a arguida, que explorava uma piscina com fins lucrativos, tinha obrigação de saber qual a legislação aplicável. E teria bastado ler os diplomas legais aplicáveis para saber que o sistema montado na piscina provocaria risco de vida para os utentes da mesma.

1.2.30.

Só que não se preocupou minimamente com este facto, preferindo lançar para terceiros uma responsabilidade que, em primeira-mão, a ela competia.

1.2.31.

Sublinhe-se que este acidente ocorreu depois dos acidentes do “Aquaparque” pelo que a arguida tinha obrigação de estar alertada para a perigosidade do sistema de circulação de água de uma piscina e, nomeadamente, o perigo de sucção que existe junto dos elementos de esvaziamento da piscina.

1.2.32.

Quem assume a responsabilidade de explorar uma piscina tem se de assegurar que ela obedece a todas as regras de segurança. E se tal não acontecer tem de a encerrar, sejam qual forem as consequências económicas que daí resultarem.

1.2.33.

Se a arguida não tinha conhecimentos técnicos sobre os equipamentos da piscina, nomeadamente sobre bombas de sucção, teria de encarregar pessoa com formação académica, nomeadamente em física, que lhe pudesse assegurar o funcionamento do sistema.

1.2.34.

Por não o ter feito, o acidente ocorreu em consequência dessa omissão do dever de cuidado, existindo assim um ilícito negligente.

1.2.35.

Trata-se de negligência na assunção ou na aceitação, ou seja, a aceitação de responsabilidade para as quais a arguida não estava preparada por falta de conhecimentos e treino no desempenho daquela tarefa.

1.2.36.

A arguida tinha perfeito conhecimento que a piscina em causa fora inicialmente desenhada para os condóminos, que não estava preparada para uso público – aceitou tal facto.

1.2.37.

Mas mais: a exploração de uma piscina tem inerente a utilização dos seus mecanismos próprios e questões relacionadas com a circulação da água, com a electricidade, implicando um conjunto de conhecimentos que a arguida não tinha, mas devia ter ou devia ter-se rodeado de pessoas que tivessem tal conhecimento.

1.2.38.

A arguida só deveria manter aberto ao público tal ginásio após ter solicitado, e obtido, uma vistoria que lhe garantisse que estava a cumprir as normas de cuidado, quer legais, quer regulamentares, profissionais e de experiência.

Mas mais: 1.2.39.

Resulta da carta referida no ponto 2.1.15 dos factos assentes (fls. 551 dos autos), dirigida pela arguida à Mar…, que a arguida não teve qualquer preocupação com a segurança dos utentes da piscina.

1.2.40.

A delegação de Saúde sugeriu-lhe um “levantamento seguido por um relatório elaborado por um técnico especializado e conhecedor das infra-estruturas exigidas para o funcionamento da piscina”, sendo que, 1.2.41.

A arguida não efectuou qualquer levantamento nem contactou qualquer técnico, desculpando-se com o facto de a Delegação de Saúde não ter técnico especializado para o efeito.

1.2.42.

Só que era ela própria, à sua custa, que deveria ter...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT