Acórdão nº 185/08.8GAFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Dezembro de 2010

Data09 Dezembro 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

A - Relatório: 1.

Nos Autos de Instrução n.º 185/08.8GAFIG, do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, 1.º Juízo, foi proferida, em 26/3/2010, decisão instrutória de não pronúncia quanto ao arguido J....

2.

Inconformado com essa decisão, em 27/4/2010, recorreu o Assistente P..., defendendo a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra no sentido da pronúncia do arguido, pela prática do crime p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do C. Penal, com o consequente envio do processo para julgamento.

Apresentou as seguintes conclusões: 1. Conforme consta dos autos, após a apresentação de denúncia feita pelo Assistente P..., onde foram denunciados factos que teriam sido praticados por J... e que o M. P. entendeu poderem ser susceptíveis de integrar em abstracto a prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, foi proferido despacho de arquivamento; 2. Não se conformando com o arquivamento dos presentes autos, requereu o Recorrente/Assistente abertura de instrução, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 287.º, do C.P.P., alegando para o efeito o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação; 3. Na decisão recorrida, foi decidido não pronunciar o Arguido pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal.

4. Em primeiro lugar, não podemos aceitar como a mais correcta a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida; 5. De facto, atendendo à prova produzida em sede de inquérito, e posteriormente em sede de instrução, nunca se poderia ter decidido da forma como se decidiu; 6. Embora o despacho recorrido tenha começado por fazer o saneamento do processo, considerando não haver nulidades ou questões prévias e, seguidamente, passando a conhecer sobre o mérito do requerimento instrutório, tendo concluído pela não pronúncia do arguido, omite, no entanto, completamente, a decisão fáctica, isto é, não descreve nem especifica quais os factos do requerimento instrutório que considera suficientemente indiciados e os que não considera suficientemente indiciados; 7. Só após essa enumeração é que se poderia seguir a tarefa de decidir se os factos indiciados eram ou não suficientes para a sujeição do arguido a julgamento pelo crime imputado; 8. O cumprimento dessa exigência é essencial para a fixação dos efeitos do caso julgado da decisão de não pronúncia, ficando o valor deste despacho, consequentemente, afectado por via de tal omissão; 9. A decisão recorrida padece de irregularidade que pode ser conhecida oficiosamente, por aplicação ao caso do disposto no artigo 123.º, n.º 2, do C.P.P.; 10. A decisão contida no despacho objecto do presente recurso enferma de nulidade; 11. De facto, o tribunal a quo remete a fundamentação da decisão recorrida exclusivamente para o despacho de arquivamento, fazendo constar do despacho sob recurso, de forma, aliás, tabelar, vaga, genérica e não especificada, a conclusão pela insuficiência dos indícios da prática do crime denunciado pelo recorrente; 12. Quando é certo que a norma contida no artigo 307.º, n,º 1, in fine do CPP, limita expressamente a possibilidade de remissão da fundamentação para o despacho de acusação ou para o requerimento de abertura de instrução; 13. Para peças que, contrariamente aos despachos para os quais remeteu, põem termo ao processo judicial e, portanto, exigem um completo esclarecimento a prestar aos interessados sobre os concretos fundamentos de facto e de direito que o motivam; 14. De onde resulta tratar-se de uma decisão que, no que respeita à fundamentação, se encontra irremediavelmente eivada de nulidade, porque se baseou numa interpretação extensiva do artigo 307.º, n.º 1, in fine do CPP, que, para além de não se encontrar abrangida pela respectiva ratio, contraria lei expressa; 15. De facto, a referida norma, em conjugação com o disposto no artigo 308.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, não permite outra interpretação que não seja a de que a fundamentação do despacho de não pronúncia tem de conter, expressa e especificadamente, os elementos constantes das als. b) e c), do n.º 3, do artigo 283.º, do CPP; 16. Exigência legal que, no caso vertente, não foi, de todo, observada, de onde decorre a nulidade do despacho sob recurso, nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 3, do CPP; 17. Mas, além disso, o despacho recorrido tem a natureza de uma verdadeira sentença, como a define o n.º 1 do artigo 97.º, do CPP, porque conhece do objecto do processo, decidindo que o arguido não deve ser responsabilizado criminalmente e põe termo aos autos; 18. Deve entender-se que lhe é aplicável o disposto nos artigos 374.º e 379.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do CPP, que exigem que a decisão manifeste a respectiva fundamentação, especificando os motivos de facto e de direito que a determinam, e o conhecimento do raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal; 19. Na medida em que a decisão não contém essa fundamentação, este eivada de nulidade, também por violação do disposto nos artigos 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2, do CPP, o que se requer seja reconhecido e declarado por V. Exas., mandando-se corrigir o vício de que a decisão enferma; 20. Circunstância que conduz, inevitavelmente, a que o despacho de não pronúncia de que ora se recorre enferme de contradição, na medida em que a prova produzida no inquérito e na instrução impunha decisão diversa da constante da decisão recorrida.

21. De facto, de acordo com o disposto no artigo 308.º, n.º 1, do CPP, a fase de instrução termina com a prolação do despacho de pronúncia sempre que, da prova recolhida no inquérito e nas diligências instrutórias, resultarem indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança; 22. Critério que é concretizado no artigo 283.º, n.º 2, do CPP, aplicável ex vi do n.º 2 do artigo 308.º, do mesmo diploma legal, no sentido de que os indícios devem ser considerados suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança; 23. Juízo de probabilidade sobre a verificação dos elementos objectivos dos tipos de crime (únicos que importam considerar para efeito da decisão instrutória) que, no presente caso, face aos elementos de prova recolhidos em inquérito e na instrução, deve considerar-se completamente assegurado, relativamente ao crime denunciado pelo recorrente e a que respeita este recurso; 24. Desde logo, verifica-se que a prova testemunhal e documental constante dos autos não deixa persistir quaisquer dúvidas sobre o preenchimento dos elementos objectivos deste crime; 25. Com efeito, ficou cabalmente demonstrado que o arguido mandou cortar madeira de um eucaliptal sito no Lugar … – Figueira da Foz, que sabia que não lhe pertencia; 26. Fazendo o arguido, aqui recorrido, sua a madeira que sabia que não lhe pertencia; 27. Esta infracção foi praticada pelo arguido, como resulta, aliás, de forma inequívoca, do depoimento prestado pelas testemunhas do Recorrente/Assistente, que sabiam e conheciam que o arguido havia vendido ao assistente um prédio rústico e metade indivisa do prédio rústico, conforme resulta das escrituras já juntas aos autos; 28. Vejam-se os depoimentos das testemunhas arroladas pelo assistente, aqui recorrente: A..., E…, J..., M…, R..., H…; 29. Daí que, e como o depoimento das testemunhas foi gravado, se requeria a renovação da prova, nos termos do artigo 430.º, do CPP; 30. De forma clara e inequívoca, estas testemunhas revelaram demonstrar saber que o arguido vendeu ao assistente/recorrente os prédios descritos no requerimento de instrução, pese embora algumas das testemunhas não saibam em que circunstâncias o negócio se efectivou, nomeadamente preço, condições de pagamento, etc; 31. Todavia, todas estas testemunhas, embora não sabendo, algumas delas, precisar os termos do negócio, o que é certo é que todas elas sabiam que o assistente, aqui recorrente, é dono e proprietário registado dos prédios a que alude o artigo 5.º do requerimento de abertura de instrução, de onde foi cortada, retirada e vendida a madeira dos eucaliptos e que nunca o arguido negou; 32. Pelo que se impõe concluir pela suficiência dos indícios da sua prática, uma vez que ficou demonstrado ter o arguido furtado madeira que sabia não lhe pertencer; 33. Veja-se o referido na decisão recorrida: “…fazendo apelo à prova produzida em sede de inquérito e de instrução, (…), quanto ao elemento objectivo parece que sim, pois desde logo afigura-se-nos pacifico e ademais mostra-se documentalmente comprovado nos autos que o assistente é proprietário registado dos prédios a que alude o artigo 5.º do RAI e de onde terá sido cortada, retirada e vendida a madeira dos eucaliptos, o que de resto não foi negado pelo arguido em momento algum…”; 34. Perante o que acima se transcreveu, dúvidas não existem que deve a decisão recorrida ser revogada, com todas as consequências legais daí resultantes; 35. Refere a decisão recorrida que a prova não é suficiente para poder concluir que o arguido, ao vender a madeira das árvores, sabia que estas não lhe pertenciam e que actuou com o objectivo ilegítimo de se apropriar de algo que não era seu e que sabia não o ser; 36. Não se entende a decisão recorrida também nesta parte, visto que é o próprio arguido que reconhece que cortou, retirou e vendeu a madeira dos eucaliptos, de terreno que sabe não lhe pertencer; 37. Por outro lado, todos os documentos juntos aos autos provam a venda, o preço do negócio celebrado entre o arguido e o assistente; 38. Como foi referido, quer pelo assistente quer pelo recorrido, quer pelas testemunhas por si arroladas, foram entregues, por parte do assistente, várias quantias em dinheiro ao arguido; 39. Nunca poderia o assistente apresentar qualquer documento comprovativo do pagamento do preço que diz ter efectuado, quer em sede de inquérito, quer em sede de...

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