Acórdão nº 269/08.2TBSAT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Data da Resolução07 de Setembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I A A...

, instaurou, na comarca de Sátão, a presente providência cautelar não especificada contra B...

, pedindo que seja decretada a entrega imediata do imóvel que identifica.

Alegou, em síntese, que celebrou com a requerida, a 14 de Maio de 2004, um contrato de locação financeira imobiliária, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra C, correspondente ao rés-do-chão posterior direito, destinada ao comércio, sito na ..., ..., inscrita na matriz sob o artigo ....º, e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .... Nos termos deste contrato a requerente obrigou-se a proporcionar à requerida o gozo, pelo prazo de 180 meses, do imóvel, mediante o pagamento de uma renda mensal. Findo e cumprido o contrato, a requerente venderia à requerida essa fracção, se esta o desejasse, por um valor residual determinado.

Face ao não pagamento, a partir de 10-1-07, das rendas acordadas, a requerente comunicou à requerida a intenção de resolver o contrato, se esta não cumprisse, dentro do prazo de 30 dias, essa sua obrigação. Decorrido esse prazo, a requerida não só não pagou à requerente as rendas então vencidas, como não restituiu a posse do locado, pelo que a requerente resolveu o contrato.

A requerida contestou dizendo, em síntese, que as cartas enviadas pela requerente não foram compreendidas pelos requeridos e por isso não podem desempenhar a função admonitória e consequente conversão da mora em incumprimento definitivo e que, atenta a natureza e duração do contrato o número de prestações já liquidadas e as que se encontram em mora, a fixação de um prazo admonitório de 30 dias afigura-se temporalmente inadequado, sendo irrazoavelmente curto, pelo que o referido efeito admonitório não se pode ter como verificado. Mais disse que os requeridos não foram informados do conteúdo das suas cláusulas do contrato. Afirmou ainda que não se verifica o periculum in mora e que o prejuízo com o decretamento da providência é maior do que o dano que se pretende evitar.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Foi proferida sentença em que se decidiu: Pelo exposto, julgo procedente o presente procedimento cautelar e por via do mesmo, ordeno a entrega imediata, pela requerida B...., do imóvel identificado em 3), à requerente A.....

Inconformada com tal decisão, a requerida interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com efeito suspensivo condicionado à prestação de caução por hipoteca voluntária sobre os bens identificados na folha 63, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: A. A douta sentença recorrida, proferida nos autos de providência cautelar não especificada que correram os seus termos sob o n.º 269/0S.2TBSAT - A na Secção Única do Tribunal Judicial I da Comarca de Sátão, não pode manter-se, devendo ser revogada, pois não consubstancia a I solução que consagra a mais justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso "sub judice" das normas legais e dos princípios jurídicos competentes.

  1. Afigura-se à ora recorrente que a douta sentença encontra-se viciada, verificando-se nulidade, por se encontrar em oposição com a fundamentação (de facto); e, ainda, de erro, quer de direito, quer de julgamento sobre a matéria de facto, impugnando a mesma, pretendendo que seja reapreciada a prova produzida.

  2. As questões objecto dos autos em causa consistiam em saber se se verificava o direito no qual se estribava o pedido formulado, quer em virtude (i) da fixação do prazo admonitório ser deficientemente expressa e ser temporalmente inadequado, quer pelo facto de (ii) os réus, ora recorrentes não terem sido informados do conteúdo do contrato celebrado, suas cláusulas e seu significado, bem como não terem, assim, podido negociar os seus termos em momento anterior à data da assinatura do mesmo, pelo que se encontram excluídas do contrato invocado as clausulas invocadas para resolução do contrato, nos termos do disposto em sede de cláusulas contratuais gerais, (iii) se ocorria periculum in mora, e, (iv) a entender-se indiciariamente verificado o direito e a ocorrer este periculum in mora, o mesmo ser significativamente menor aos prejuízos que do decretar da providência decorrerão para a requerida, e, (vi) por fim, dever ser deferida a prestação de caução em substituição do decretar da providência.

  3. A estas questões respondeu o Tribunal a quo no sentido de considerar, sinteticamente, que, a requerente provou indiciariamente o seu direito, na medida em, que provou a que a resolução do contrato era legítima; E. Entendeu, ainda, que o argumento da recorrida de que o efeito admonitório não resultava da carta a si enviada, em 5/09/2007 improcedente, bem como que a resolução do contrato operava pela carta datada de 14/01/2008; entendendo ainda que o prazo admonitório de 30 dias se afigura adequado; F. Por outro lado entendeu que não resultou provado que a recorrida tenha violado o dever de comunicação e informação que sobre a mesma recaia em virtude do estabelecido no regime jurídico das clausulas contratuais gerais instituído pelo Decreto-lei n.º 446/85, de 5/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 220/95, de 31/08 e Decreto-lei n.º 249/99, de 07/07; G. Por fim, quanto à não verificação do periculum in mora e quanto ao argumento de que o prejuízo resultante do decretamento da providência supera o dano que se pretende evitar, considerou que os requisitos para o decretamento da providência encontram-se preenchidos desde que tenha havido resolução do contrato, não sendo necessária a invocação e prova do periculum in mora.

  4. Entendendo serem subsidiariamente aplicáveis a esta providência as disposições gerais sobre providências cautelares, previstas no CPC, em tudo o que não estiver especialmente regulado no diploma respectivo, entende que, aí se diz que não há que lançar mão da aplicação subsidiária das disposições gerais sobre providências cautelares previstas no CPC, designadamente, da constante do art. 381°, n01 - por tal ser dispensado pela transcrita disposição especial.

    I. Igualmente, perfilhando o mesmo entendimento em relação ao periculum in mora, também terá de entender-se que não será necessário o Tribunal verificar também o requisito previsto no artigo 387.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

  5. Contudo, salvo o devido respeito, entende a recorrente que a decisão recorrida merece censura na medida em que: a) padece de NULIDADE, por se encontrar em oposição com a fundamentação (de facto), nos termos da al.ª c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC; b) padece de NULIDADE, por não especificar os fundamentos da decisão da matéria de facto, quanto aos factos dados por não provados, nos termos da al.ª b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC; c) padece de erro de julgamento quanto à fixação da matéria de facto, quer quanto aos factos que dá como provados, quer quanto aos que não dá como provados e que impunham diversa solução de direito; d)padece de uma errada aplicação do direito, designadamente dos art.ºs 436.º, n.º 1, 804.º, n.º 1, e 808.º, n.º 1, ambos do Código Civil, art.ºs 1.º, 2.º, 5.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, art.ºs 381.º e 387.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi n.º 7 do art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95.

  6. O Tribunal a quo decidiu no sentido da procedência da pretensão da requerente baseando-se, para o efeito, numa fundamentação de facto que se encontra em clara oposição com este resultado, apoiando-se numa fundamentação de facto, que depois ignora na construção da sua decisão: L. Entende a ora recorrente que a fundamentação de facto que invoca não é convenientemente transposta para o direito e não é tida em conta para a definição do resultado, o qual se vem a verificar injusto, descontextualizado e inequivocamente oposto àquele exigido pela realidade de facto reconhecida e provada nos presentes autos.

  7. Ora a sentença recorrida identifica, no ponto II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO, como factos provados, e no que à nulidade invocada diz respeito a) Ponto 10. do probatório - que enuncia, sinteticamente, que:(i) "A requerida foi informada do conteúdo do escrito mencionado em 3). das suas cláusulas e do seu significado.".

  8. Para o Tribunal a quo inexistem, no presente caso, factos não provados, com relevância para a decisão da causa, o que é, desde logo, revelado pela circunstância de este Tribunal não ter realizado ou ordenado oficiosamente a realização das diligências que se lhe afigurassem úteis para o conhecimento da verdade relativamente aos factos alegados pelas partes, podendo e devendo tê-lo feito, e ignorando a carta da requerente para a requerida datada de 31 de Maio.

  9. Tendo por base o exposto, não se percebe como pode o Tribunal a quo concluir que a requerida foi informada do conteúdo do escrito mencionado em 3). das suas cláusulas e do seu significado, no que não se concede, como infra se alegará.

  10. Porquanto, o Tribunal, em face dos mesmos, e até recorrendo a juízos de experiência comum, apenas poderia ter concluído no sentido inverso daquele que decidiu, na medida em que em sede de fundamentação de facto enuncia que :"No tocante à prova do facto 10), diga-se que, segundo o artigo 3.º, n.º 5 do Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, cabia à requerente a prova da comunicação e informação das cláusulas do contrato referido em 3) à requerida, o que, indiciariamente logrou fazer, através do depoimento da testemunha C...

    , o qual depôs com segurança, credibilidade e certeza. De facto, tal testemunha explicou pormenorizadamente ao Tribunal toda a actividade de elaboração do contrato, afirmando que tem a certeza que em reunião com a requerida lhe informou das cláusulas do contrato, as quais lhe foram explicadas de forma geral, nomeadamente a cláusula relativa à resolução, referindo expressamente tal testemunha que chamou a atenção à requerida que o não cumprimento do dito contrato poderia levar a que a mesma perdesse o locado".

  11. Ora, entende a ora recorrente que os...

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