Acórdão nº 337/08.0TBALB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução21 de Setembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 7 de Abril de 2008[1], G…, por si e representando a sua filha menor, J…, em conjunto com M… e A… (AA. e neste recurso Apelantes)[2] demandaram a Companhia de Seguros …, S.A.

(R. e aqui Apelada), invocando serem elas as únicas e universais herdeiras (viúva e filhas) de B…, falecido em 13/04/2005, sendo que este contraiu dois empréstimos (um deles, directamente, para aquisição de habitação) junto da Interveniente C… aos quais foi associada, como reforço de garantia, uma apólice de “seguro de vida grupo” tomado pela C… (trata-se da apólice nº…), da qual foi beneficiário/segurado o referido de cuius das AA., sendo seguradora a R.

[3].

Em função da existência do seguro e da verificação do evento morte do responsável pelas prestações dos empréstimos, formularam as AA., enquanto interessadas no desencadear da cobertura do seguro[4], os seguintes pedidos, ancorados na circunstância da Seguradora persistir, após a morte do de cuius, em não satisfazer ao Banco Interveniente, o valor subsistente em dívida dos empréstimos: “[…] [Condenação da R. – a seguradora – a] A) Reconhecer a validade e eficácia do contrato de seguro celebrado, no âmbito da apólice nº… e certificado de seguro nº …; B) Pagar à C… o valor de €94.992,01, relativo ao saldo em dívida, à data do falecimento da pessoa segura; C) Pagar às AA. a diferença entre o valor de tal saldo e o capital seguro, o que perfaz o montante de €600,52, acrescido de juros de mora à taxa legal desde 13/04/2005 até efectivo e integral pagamento; D) Pagar às AA., pelos prejuízos por estas sofridos, o valor das prestações mensais que estas têm suportado junto da C…, e teria deixado de suportar se a R. tivesse cumprido a obrigação para si adveniente do contrato de seguro, valor esse que até à propositura da acção era de €15.840,00: E) O que a tal título a A. se vir obrigada a pagar desde a data da propositura da acção até integral pagamento pela R. das duas obrigações. […]” 1.1.

A R. contestou, sendo que, no que interessa ao âmbito temático deste recurso, excepcionou a “nulidade” (o uso das aspas expressa um uso juridicamente discutível da expressão, questão esta que será abordada adiante), excepcionou a “nulidade”, dizíamos, do contrato de seguro em causa, nos termos do artigo 429º do Código Comercial (CCom)[5], por prestação de informações incorrectas, incompletas e omissas do interessado B…, aquando da preparação da subscrição do contrato: o referido B… teria ocultado então, quando lhe foi submetido o questionário respeitante ao seguro, informações relevantes para a aferição e determinação do risco a suportar pela seguradora, como seja a pré-existência de hábitos alcoólicos por banda do beneficiário e de patologia associada a tal situação (a morte deste decorreu de esteoatohepatite severa e frequentava ele, regularmente desde Julho de 2000, consultas de alcoologia)[6].

1.1.1.

As AA. replicaram a fls. 104/106 – artigo 502º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) – impugnando a factualidade atinente à matéria identificada pela R. como excepção, pugnando pela validade do contrato de seguro invocado no articulado inicial.

1.2.

O entendimento da R. quanto à (in)validade do contrato de seguro viria a ser acolhido na Sentença de fls. 181/193 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido, considerando, enquanto fundamento de tal asserção decisória, “[…] procedente a excepção peremptória invocada pela R., denominada embora – e como veremos correctamente – anulabilidade, assim se declarando a anulação dos contratos de seguro a que se reportam os certificados nºs … e … [emergem estes da sobredita apólice nº …], que tiveram por objecto de risco seguro, entre o mais, a vida de B…, associados aos empréstimos de €80.800,00 e €19.200,00, concedidos pela interveniente” (transcrição da Sentença a fls. 193).

1.3.

Inconformadas com o decidido, reagiram as AA. interpondo o presente recurso, adequadamente recebido pelo Tribunal a quo a fls. 223, tendo-o motivado logo a fls. 196/210, incluindo em tal peça as seguintes conclusões: […] [transcrição de fls. 206/209] A R. respondeu ao recurso pugnando pela confirmação integral da Sentença recorrida.

II – Fundamentação 2.

Relatado que está o desenvolvimento sequencial do processo até à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo presente que as conclusões formuladas pelas Apelantes, a cuja transcrição procedemos no item anterior (no ponto 1.3.), operaram a delimitação temática do objecto do recurso, como decorre da conjugação dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC.

2.1.

Ainda num quadro de considerações preliminares referidas à definição do objecto do recurso (respeitantes, portanto, aos elementos argumentativos gerais que vão possibilitar a fixação desse objecto), importa deixar nota de um outro aspecto que, neste caso concreto, apresentará relevância relativamente a essa definição.

Tenha-se presente que o nosso sistema de recursos se caracteriza por uma lógica de reponderação e de reexame de decisões proferidas por uma instância precedente, pressupondo, portanto, a existência de decisões sobre a matéria cuja apreciação é pretendida no recurso[7]. Assim, descontada a apreciação de questões que se prefigurem como de conhecimento oficioso (pois vale aqui, na fase de recurso, também, o disposto no trecho final do nº 2 do artigo 660º do CPC), não constituem objecto legítimo de um recurso questões que, tendo sido introduzidas por quem recorre apenas na respectiva motivação recursória, poderiam ter sido abordadas na instância precedente por suscitação das partes, só não o tendo sido, pela circunstância da parte interessada nessa questão, ter omitido, na conformação dada à lide e na condução desta, essa suscitação, isto não obstante ter (essa parte) disposto de oportunidade para esse efeito e de se tratar de uma questão “latente” – chamemos-lhe assim – em função do objecto temático da acção.

Nestes casos (em que a motivação recursória pretende introduzir uma questão nova, na acepção aqui indicada), o recurso reduz-se no seu objecto temático às questões efectivamente suscitadas perante o Tribunal a quo e por este resolvidas e, paralelamente, a não apreciação dessas questões (novas) na decisão impugnada, não consubstancia o desvalor previsto no artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPC, não traduzindo – como aqui não traduz, desde já se adianta – qualquer nulidade correspondente a algo aparentado a uma omissão de pronúncia.

2.1.1.

Estas considerações apresentam relevância relativamente a uma das questões pretendidas introduzir pelas Apelantes no objecto do recurso. Referimo-nos ao argumento, subsidiariamente apresentado na motivação (expressa-se ele nas conclusões XVII e XVIII dessa motivação), quanto à não consideração na Sentença da devolução dos prémios de seguro satisfeitos por B… e, subsequentemente ao decesso deste, pelas Apelantes, isto no quadro decisório da anulação desse seguro nos termos do artigo 429º do CCom. Esta incidência do julgamento efectuado no Tribunal a quo é configurada pelas Apelantes, como se observa nas conclusões indicadas e supra transcritas, enquanto nulidade da Sentença. Porém, como flui das antecedentes considerações e como veremos já de seguida, não lhes assiste qualquer razão na invocação desse suposto desvalor decisório.

Trata-se, com efeito, a situação referida pelas Apelantes, de uma “omissão” decisória da Sentença só decorrente dessa outra omissão das mesmas Apelantes em introduzir essa questão no âmbito temático da acção perante a instância precedente. Tenha-se presente que o problema da invalidade do seguro – configurasse-se ela como nulidade ou como anulabilidade – foi expressamente invocada pela R., na sua contestação, como excepção [v., pressupondo a configuração como anulabilidade, o artigo 287º, nº 2 do Código Civil (CC)], sendo que esta linha de defesa da R. abriu às AA. ora Apelantes a via de um articulado de réplica (artigo 502º, nº 1 do CPC), articulado que estas apresentaram a fls. 104/106, deixando aí intocado, na sua essência e estrutura determinantes, o pedido inicialmente formulado, sendo que poderiam – rectius, deveriam – as AA. ter operado nessa peça processual (na réplica) uma modificação (subsidiária) do pedido, nos termos consentidos pelo artigo 273º, nº 2, trecho inicial, do CPC, pedindo, subsidiariamente, para a hipótese de atendimento da pretensão da R. introduzida a título de excepção (é esta a lógica dos pedidos subsidiários na dinâmica de um processo), a condenação desta na devolução dos prémios satisfeitos, por verificação dos pressupostos dessa devolução (ou, por outras palavras, por inverificação das condições que possibilitariam à Seguradora, não obstante a anulação do contrato, arrecadar o valor desses prémios).

Note-se, a este respeito, que a introdução da questão da invalidade do seguro, através da afirmação pela Seguradora de estar integrada a facti species do artigo 429º do CCom, poderia dar lugar, acolhido que fosse, como aqui o foi, o ponto de vista básico da Seguradora R. (o ponto de vista básico corresponde, tão-só, à anulação do contrato), à obrigação desta restituir os prémios prestados (nos termos do artigo 289º, nº 1 do CC – projecção retroactiva da invalidação do negócio) ou não (desta feita nos termos do artigo 429º, § único do CCom), tudo dependendo do aprofundamento significativo dos elementos atinentes à afirmação dessa anulabilidade do seguro por omissões ou inexactidões[8]. Essa questão careceria, todavia, de suscitação e de discussão na primeira instância, sendo que só assim se poderia configurar como questão submetida à apreciação do Tribunal e, como tal, abrangida pela obrigação de pronúncia decorrente do trecho inicial do nº 2 do artigo 660º do CPC. Então – mas só então, diga-se –, das duas uma: existiria uma decisão sobre essa questão, e poderíamos aqui controlá-la, na...

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