Acórdão nº 68/08.1TALSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelEDUARDO MARTINS
Data da Resolução22 de Setembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 68/08.1TALSA que corre termos no Tribunal Judicial da Lousã, Secção Única, por Sentença de 16/12/2009, o arguido A... foi absolvido da prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, ambos do C. Penal, e a arguida C... foi condenada, pela prática do citado crime, com referência ao artigo 202.º, al. a), do mesmo diploma, na pena de seis meses de prisão.

Mais foi decidido “suspender por um ano a pena de prisão aplicada, com a condição de a arguida cumprir as prescrições atinentes ao plano de reinserção a elaborar pela DGRS, no âmbito de regime de prova, o que deverá incluir, entre o mais, a integração em posto de trabalho ou inscrição em Centro de Emprego; a sujeição a consulta de psicologia e psiquiatria e cumprimento de tratamento que eventualmente lhe vier a ser prescrito, actividades de voluntariado como frequência, pelo menos, semanal, em instituições a indicar pela DGRS, e visitas a condenados presos pela prática do mesmo tipo de crime, com frequência, pelo menos, mensal”.

Foi, ainda, julgado parcialmente procedente o pedido cível e, consequentemente, foi a demandada condenada a pagar à demandante P... as quantias de nove mil cento e oitenta e cinco euros, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento, e de mil e quinhentos euros, a cada uma das demandantes, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a presente sentença até efectivo e integral pagamento.

**** B) Inconformada com a decisão recorrida, dela recorreu, em 26/1/2010, a arguida C...

, pedindo a revogação da sentença, e sua substituição por outra que decrete a sua absolvição, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. A Arguida põe em crise a Sentença proferida, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito. 2. A Arguida entende que houve insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição entre os factos provados e os factos não provados e erro na apreciação da prova produzida (artigo 410.º, n.º 2, als. a), b) e c), CPP).

  1. A Arguida não pode deixar de considerar que o Tribunal a quo, atenta a diversa prova produzida, andou mal ao dar como provados os factos constantes de 2. A 41., já que, e desde logo, impõem decisão diversa os depoimentos das próprias Queixosas, constantes do suporte digital (16:19.30 a 17:19:36 e 10:08:51 a 11.06:43 e 11.06:53 a 11.30:12 e 11.30.14 a 11:47:35, respectivamente), pois revelam incongruências e contradições que afastam a sua credibilidade.

  2. Tais depoimentos revelam incongruências que afastam a sua credibilidade e até a postura apresentada pelas Queixosas, em sede de Julgamento, contraria o que alegam, pois pretendendo revelar ingenuidade, um não saber, ao prestarem os seus depoimentos, revelam esperteza, inteligência, instrução, experiência de vida, o que contraria o que as mesmas alegam. Em sentido contrário, apresenta-se a arguida que é praticamente analfabeta.

  3. Muitas das respostas dadas pelas Queixosas são fruto de perguntas que já continham em si a resposta, limitando-se estas a confirmar ou a infirmar a mesma, pelo que a Arguida põe, com o devido respeito, o modo de inquirição utilizado pelo Tribunal a quo, mormente da Queixosa Patrício Francisco, já que não foram de molde a conhecerem-se os factos ocorridos, sobretudo porque ocorreram e como ocorreram, de forma a obter uma resposta espontânea.

  4. Salvo melhor juízo e com o devido respeito por opinião diversa, recorreu-se à formulação de perguntas insidiosas e sugestivas, o que a lei impede.

  5. A Arguida entende que fica mal ao Tribunal fazer uso das expressões, como o fez, no que concerne ao próprio crime de que vinha acusada, sendo que, nessa altura e ainda, a Arguida se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.

  6. As testemunhas que, em parte, corroboram os depoimentos das Queixosas: S... (12:39:44 a 12:57:34, de 11:27 a 14:19), taróloga e terapeuta de Reiki, refere que as Queixosas terão sido apresentadas em finais de 2006 e que as mesmas já eram suas clientes, antes dos factos alegados por estas, o que contraria as versões das Queixosas; I... e de T..., marido/pai e sobrinha/prima (12:58:14 a 13:13:03 e 12:31:04 a 12:39:04, respectivamente), esta refere que nunca soube de nada, que nunca comentaram e que apenas tomou conhecimento dos factos quando a chamaram para depor e que nunca viu troca de objectos, envelopes ou outros (1:18, 3:27, 4:16 a 4:36), tal contraria as regras da experiência comum.

  7. As Queixosas e as testemunhas indicadas por aquelas não merecem a credibilidade que lhes foi dada pelo Tribunal a quo.

  8. Existe contradição entre factos provados e não provados.

  9. Os factos merecem indagação e são necessários para a formulação de um juízo decisório que, no caso, é de absolvição, merecendo análise e avaliação os elementos probatórios supra alegados, devendo proceder-se, nos termos dos artigos 412.º, n.ºs 3 e 4, e 430.º, CPP, à sua renovação, o que se requer.

  10. A omissão de diligências de prova requeridas pela Arguida (consultas ao Banco de Portugal, encargos financeiros e taxa de esforço e ao serviço de Finanças, para apuramento do rendimento das Queixosas) constitui uma nulidade, conforme previsto no CPP, já que aquelas revelavam-se pertinentes para a boa descoberta da verdade, sendo que não foram praticadas pelo Tribunal a quo que apenas veio dizer, na própria Sentença, não serem relevantes para a mesma.

  11. A Arguida exerceu o seu direito de defesa, tendo indagado, investigado, particularmente, o que não é proibido, antes sugerido e defendido por Mestres do Direito Penal.

    Os depoimentos das testemunhas arroladas pela Arguida abalam a versão apresentada pelas Queixosas: a testemunha M... (10:46:40 a 11.04:30) referiu que tem uma loja de artigos religiosos/esotéricos e que a Queixosa F... era sua cliente há já muito tempo, tendo apresentado recibos (documentos 4 e 5, juntos pela Arguida em sede de Julgamento) nesse sentido; já em 22 de Março e 4 de Abril de 2007, a Queixosa F... adquirira produtos, nomeadamente fluidos para defumar o café, no estabelecimento daquela (7:03 a 7:48, 8:20, 9:52), os produtos foram entregues pela filha da testemunha M... às Queixosas que lhes explicou o seu funcionamento (9:23, 10:10), a testemunha M... manifestou ainda que, ainda durante o julgamento, a Queixosa F... adquirira uma novena no seu estabelecimento (10:40, 12:52 a 13:20); a testemunha L... (10:35:11 a 10:45:55) referiu que, em momento anterior aos factos alegados pekas Queixosas (em Março/Abril de 2007, antes da Páscoa), procurou daber do trespasse, do valor do mesmo, do valor da renda, tendo justificado o seu interesse (1.12), manifestou ainda o contacto das Queixosas para falar no sentido de que a arguida tinha oferecido serviços de “bruxaria” (1:12 a 3:11), tendo tido conhecimento da história, contactou a arguida no sentido de lhe expor o sucedido (3.35), atendendo a que se trata de um meio pequeno e à proximidade de vizinhança; quanto ao depoimento da testemunha MM... (11:53.15 a 12:05:00), percute-se o supra alegado, nomeadamente que as queixosas já conheciam e recorriam a pessoas habilitadas na área do oculto/bruxaria (1:52, de 7:38 a 8:23 e documentos 1, 2 e 3 (recibos), juntos em sede de Audiência de Julgamento, tendo a mesma prestado serviços às Queixosas, inclusive deslocando-se ao café, em Miranda do Corvo, pelo que deveria o douto Tribunal a quo ter dado como provados tais factos.

  12. O Tribunal a quo deu como provados factos contra as regras da experiência comum, pelo que existe erro notório na apreciação da prova. O erro notório na apreciação da prova, como vício a apreciar em sede processual penal, é, quer para a doutrina quer para a jurisprudência mais generalizadas, o que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da sentença conjugado com as regras da experiência comum.

  13. A recorrente não concorda com a apreciação que o tribunal a quo fez das declarações das Queixosas e de três das testemunhas ouvidas (S..., I... e T...) e as razões por si aduzidas são, salvo melhor entendimento, suficientes para pôr em causa a convicção do Tribunal a quo, pelo que se pode afirmar a existência de erro notório na apreciação da prova.

  14. O artigo 217.º, CP, dispõe, no seu n.º 1, que “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, é punido com prisão até três anos ou com pena de multa”. O n.º 1 do artigo seguinte dispõe que “Quem praticar o facto previsto no n.º1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até seiscentos dias”.

  15. “São os seguintes os elementos do tipo objectivo da burla: a) o emprego de astúcia pelo agente; b) a verificação de erro ou engano da vítima devido ao emprego da astúcia; c) a comprovação da prática de actos pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida; d) a existência de prejuízo patrimonial da vítima ou de terceiro, resultante da prática dos referidos actos” – Acórdão TRP, de 25-03-2009, in http://www.dgsi.pt.

  16. Não se vislumbra, no primeiro encontro relatado e em outros actos alegadamente havidos, quaisquer actos reveladores de astúcia, capazes de induzir as Queixosas em erro ou engano; os factos invocados não dão a uma falsidade a aparência de verdade, pelo que inexiste astúcia; não se identificam no primeiro encontro relatado e em outros actos alegadamente havidos quaisquer actos reveladores de astúcia, capazes de induzir as Queixosas em erro ou engano, pelo que, salvo melhor entendimento, não se encontram preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime de burla.

  17. Assim, inexistindo aquele elemento do...

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