Acórdão nº 2440/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2009

Data26 Janeiro 2009

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO : Tribunal Judicial de Barcelos – 1.º Juízo Criminal (Sumário n.º 1517/08.4GBBCL) RECORRENTE : Ministério Público RECORRIDO : J… OBJECTO : Por sentença de 29/09/2008 proferida no processo em referência (fls. 35 a 41) foi decidido, além do mais: a) condenar o arguido J… pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 2/98 de 03/01, na pena de 7 (sete) meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de 12 (doze) meses; b) não aplicar a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. pelo art. 69º, nº 1, al. b) do Código Penal.

Inconformado veio o M.P.º interpor o presente recurso apresentando para tal as seguintes (excessivamente longas) conclusões: 1. O presente recurso tem por base a não aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor ao crime de condução sem habilitação legal pelo tribunal a quo.

  1. Com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pretendeu-se dotar o sistema sancionatório português, em termos de direito penal geral de uma verdadeira pena acessória capaz de dar satisfação a razões “(...) político-criminais (...) por demais obvias entre nós para que precisem de ser especialmente encarecidas. (...) À proibição de conduzir deve também assinalar-se um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. (...) deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.

  2. Considera-se que as penas acessórias ainda têm uma função preventiva colaboradora da pena principal, estando assim, necessariamente, relacionada com a culpa do delinquente.

  3. Seguindo de perto a vontade do legislador, entendemos que o bem jurídico protegido com a incriminação da condução sem habilitação legal é, prima facie, a segurança rodoviária. Contudo, não se restringe à segurança rodoviária. Entendemos que em segunda linha, o legislador quis proteger outros valores jurídicos de particular relevo, como a vida, a integridade física, a liberdade e o património.

  4. Tal punição tem por base o facto de a actividade de conduzir é uma actividade perigosa. Alias, a própria administração pública vê a actividade de conduzir como uma actividade proibida e que apenas é permitida a quem preencher determinados requisitos exigidos pela própria administração e plasmados no Código da Estrada; 6. No que respeita à aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor a quem pratica crime de condução sem habilitação legal, levanta-se desde logo um problema lógico, isto é, como se compreende que se aplique uma pena acessória de proibição de conduzir a quem, por natureza, não pode conduzir? Esta questão foi desde logo colocada no seio da comissão que procedeu à revisão de 1995 do Código Penal, ficando desde logo assente que a pena acessória aplica-se a quem não for titular de licença de condução.

  5. Assim, poderemos frisar que estava no espírito de quem elaborou a versão revista do Código Penal em 1995 a aplicabilidade a quem não era titular da licença de condução; 8. Por outro lado, existe um outro fundamento para podermos concluir que tal pena é aplicável a quem não tem licença de condução. De acordo com o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que aprovou o Código da Estrada, no seu artigo 126.°, são estabelecidos os requisitos necessários para a obtenção de títulos de condução. No n.º 1 desse preceito legal estabelece-se que “1 — Pode obter título de condução quem satisfaça cumulativamente os seguintes requisitos. a) Possua a idade mínima de acordo com a categoria a que pretenda habilitar-se; b) Tenha a necessária aptidão física, mental e psicológica; c) Tenha residência em território nacional; d) Não estela a cumprir proibição ou inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução; e) tenha sido aprovado no respectivo exame de condução; f) Saiba ler e escrever.” — sublinhado nosso.

  6. Repare-se que o legislador teve o cuidado de distinguir a proibição, a inibição e a medida de segurança. Assim, não existem dúvidas que o legislador ao falar em proibição estava a referir-se a pena acessória. Com isto queremos dizer que, mais uma vez, o legislador teve intenção de deixar bem claro que a pena acessória de proibição de conduzir é aplicável a quem não tiver título de condução. E tanto assim que, segundo o preceito legal acabado de mencionar, só pode obter o título de condução quem não estiver a cumprir uma pena acessória, isto é, tendo sido aplicada uma pena acessória a quem não for titular de título de condução só depois de cumprida essa pena é que poderá obter tal título.

  7. Mas o legislador não se ficou por aqui. Recentemente, entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 98/2006, de 6 de Junho que regula o registo de infracções de não condutores. Neste diploma legal o legislador, no artigo 4.º, enumera vários elementos que deverão constar no registo de infracções do não condutor e, um dos elementos que o legislador diz que deverá constar dos ficheiros é a pena acessória aplicada pelo tribunal relativa a crimes praticados no exercício da condução. Perante isto, não restam dúvidas que é intenção do legislador que se aplique a pena acessória de proibição de conduzir a quem não possuir título de condução.

  8. Contudo, todas as razões supra mencionadas não são suficientes para que se possa dizer com segurança que a pena acessória em causa é aplicável a quem cometeu o crime de condução sem habilitação legal. Tal como diz Germano Marques da Silva, “Importa antes de mais anotar que esta pena acessória não é apenas aplicável aos crimes rodoviários previstos nos art°s 291° e 292°, mas a quaisquer crimes cometidos no exercício da condução ou com utilização de veículos motorizados, desde que se verifiquem os demais pressupostos previstos no n.

    ° 1 do art.

    69”.

  9. Ora, assim sendo, não restam dúvidas que a aplicação da pena acessória não se restringe apenas aos crimes rodoviários previstos nos artigos 291.° e 292.° do Código Penal, mas sim a todos os crimes rodoviários, desde que se verifiquem os demais pressupostos previstos no artigo 69.°, n.º 1 do Código Penal.

  10. No âmbito dos crimes rodoviários encontra-se o crime de condução sem habilitação legal.

  11. Figueiredo Dias, referindo-se à pena acessória de proibição conduzir refere que “As razões político-criminais que justificam a aludida necessidade e urgência de uma regulamentação deste tipo são felizmente, por demais Obvias entre nós para que precisem de ser especialmente encarecidas. Se, como se acentuou, pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (...). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.”.

  12. As razões político-criminais de que fala o insigne Professor chamam à colação os bens jurídicos protegidos com as incriminações em crise, isto é, os bens jurídicos protegidos nos crimes rodoviários em causa, rectius, no crime de condução sem habilitação legal.

  13. Com tudo isto que acabamos de referir apenas queremos responder à seguinte questão — não serão os mesmos motivos que levam o legislador a dizer que se deverá ponderar a aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, por exemplo, aos crimes previstos nos artigo 291 e 292 do Código Penal e ao crime de condução sem habilitação legal? 17. Tal como vimos, o bem jurídico protegido com a incriminação da condução sem habilitação legal é, em primeira linha, a segurança rodoviária e, em segunda linha, a vida, a integridade física, a liberdade e o património.

  14. Por seu turno, no crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291 do Código Penal segundo Paula Ribeiro de Faria “(...) pretendeu-se evitar, ou pelo menos, manter dentro de certos limites, a sinistralidade rodoviária que tem vindo a aumentar assustadoramente no nosso país nos últimos anos, punindo todas aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado.” 19. Da mesma forma, segundo a mesma autora, referindo-se ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.° do Código Penal, nos diz que “Em causa está mais uma vez a segurança da circulação rodoviária, se bem que indirectamente se protejam outros bens jurídicos que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física.”.

  15. Posto isto, e atendendo aos bens jurídicos protegidos, bem como às finalidades subjacentes à aplicação da pena acessória de proibição de condução de veículos a motor, não compreendemos porque não será de aplicar tal pena acessória ao crime de condução sem habilitação legal.

  16. 0 legislador entendeu que a pena principal, por si só, não seria suficiente para se atingir as finalidades da punição nos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e em estado de embriaguez e que só com a adição da pena acessória é que se...

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