Acórdão nº 127/01.1TACMN de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Março de 2009

Data16 Março 2009

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I) Relatório No processo comum colectivo nº 127/01 do Tribunal Judicial da comarca de Caminha, por acórdão de 24.01.2008, foi para além do mais, decidido: Absolver o arguido M... SANTOS da prática de um crime de coacção sexual, p. e p. pelos artºs 163º, nº 1 e 177, nº 1, al. a) do C. Penal que lhe vinha imputado na acusação, convolando-se a conduta do arguido para a prática de um crime de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelo artº 173º, nº 1, do C. Penal.

Absolver o arguido da prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artº 153, nºs 1 e 2 do C. Penal; Condenar o arguido na pena de 2 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelo artº 173º, nº 1, do C. Penal, na forma continuada; Condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1 do CP, na pena de 120 dias de multa à razão diária de 5 Euros, convertida em 80 dias de prisão subsidiária.

Efectuado o cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena unitária de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com a condição de o arguido pagar às demandantes civis as indemnizações fixadas, no prazo máximo de um ano.

Condenar o arguido/demandado no pagamento da quantia de 7.500 Euros a título de indemnização a favor da demandada D... Santos, acrescida de juros à taxa de 4% ao ano até efectivo pagamento; Condenar o arguido/demandado no pagamento da quantia de 500 Euros a título de indemnização a favor da demandada E... Santos, acrescida do pagamento de juros à taxa de 4% ao ano até efectivo pagamento Vêm submetidos à apreciação deste Tribunal os seguintes recursos:

  1. O arguido Manuel S...

    interpôs recurso do acórdão condenatório, extraindo da correspondente motivação as seguintes conclusões: (transcrição) «1. Do teor do douto acórdão recorrido, resultou para o recorrente a sua condenação, pela prática de um crime de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelo art. 173°, n° l, do Código Penal [a seguir designado de CP], e de um crime de ofensas à integridade física, p. e p. pelo art. 143°, n°, do CP, na pena única de dois anos e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, suspensão essa subordinada ao cumprimento da obrigação de pagar às demandantes civis, no prazo máximo de um ano, as indemnizações fixadas (€500,00 à demandante E... Marques e €7.500,00 à demandante D... Santos).

    1. Salvo o devido respeito, que é muito, pelos Juízes do Colectivo que intervieram no julgamento da causa, mal andou o Tribunal recorrido ao decidir pela condenação, mormente porque, percorrendo todo o processo e o registo da prova, não se pode deixar de concluir que inexiste matéria factual certa e segura para tal decisão, verificando-se: Contradição Insanável na Fundamentação; Erro de Julgamento, e Violação do Principio do In Dubio Pro Reo.

    2. O Tribunal recorrido deu como provada a matéria transcrita na presente motivação de recurso.

    3. O Recorrente foi acusado e pronunciado por um crime de coacção sexual, na forma continuada, p. e p. pelos art. 163°, n° l, 177°, n° l, al. a), 30°, n°2, e 79°, todos do CP, mas foi condenado por um crime de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelo art. 173° do CP.

    O arguido suscitou a questão da caducidade do direito de queixa, relativamente à assistente D... Santos, no que ao crime de abuso sexual de menor dependente concerne, e a decorrente falta de legitimidade do Ministério Público para a promoção do procedimento criminal.

    Entendeu-se no Acórdão Recorrido que «nenhuma anomalia se verifica no início e desenvolvimento do processo que levou a julgamento o arguido, pelo que não faltou legitimidade ao Ministério Público para promover o processo.

    Não pode o Arguido/Recorrente conformar-se com tal entendimento, sob pena de se subverterem todos os princípios penais e constitucionais, nomeadamente os relativos ao direito de defesa do arguido.

    O arguido foi condenado por um crime de abuso sexual de menor dependente, o qual depende de queixa, nos termos do art. 178° do CP, a ser apresentada no prazo de seis meses contados da data em que o titular tiver conhecimento do facto e dos seus autores.

    A queixa foi apresentada, pela assistente D... Santos, em 22 de Novembro 2001, quando a mesma tinha 21 anos de idade, ou seja, depois de decorridos mais de dois anos sob o término do prazo para tinha ao seu dispor para o fazer (prazo que se iniciou em 14 de Fevereiro de 1998). Assim, tal apresentação é, no respeitante ao crime pelo qual o arguido veio a ser efectivamente condenado, manifestamente extemporânea.

    Entendeu-se no Douto Acórdão recorrido que a promoção por parte do Ministério Público se encontrava legitimada pela apresentação tempestiva de queixa no respeitante ao crime de coacção sexual, quando o arguido foi absolvido da prática desse mesmo crime.

    A aceitar-se que a queixa validamente apresentada quanto a um crime, valida automaticamente um procedimento criminal por crime diverso, pelo qual o arguido já não poderia ser perseguido criminalmente na data da apresentação de tal queixa, está a permitir-se uma inaceitável subversão do Direito Penal e dos Princípios que o orientam! Assim foi entendido no Acórdão do Tribunal da Relação de 28/02/2007, no qual foi Relatora a Exma. Sra. Dra. Élia São Pedro (acessível em www.dgsi.pt), num caso em todo semelhante ao nosso primeiro exemplo.

    Entendeu-se no Douto Acórdão Recorrido que «se o processo se iniciou com plena legitimidade é abusivo surpreender agora as assistentes com uma exigência que nunca se prefigurou (...)», citando um Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de Outubro de 2007. Sucede que o caso deste acórdão é diverso do dos presentes autos: naquele, a apresentação da denúncia/queixa seria (foi) tempestiva, quer relativamente ao crime pelo qual o arguido foi acusado, quer relativamente àquele pelo qual veio a ser condenado; nos presentes autos, apenas em relação ao crime pelo qual veio o Arguido/recorrente acusado poderia ter sido tempestivamente exercido o direito de queixa, quanto ao outro tal direito caducara.

    A aceitar-se a tese defendida no Douto Acórdão recorrido, bastará apresentar-se queixa por crime diverso, para o qual não esteja extinto o direito de queixa, ou então relatar factos recentes (ainda que se provem que não ocorreram), assim se legitimando procedimentos manifestamente inviáveis.

    Com tal manipulação das regras do Direito Penal, quer seja de forma consciente ou inconsciente, se ressuscitam procedimentos irremediavelmente perecidos. O que, para além de inaceitável, é inconstitucional, por ser violador dos mais básicos direitos de defesa do arguido.

    Considerando o art. 116° do CP, em conjugação com os citados art. 163° e 178°, ambos do CPP, o direito de queixa caducou seis meses depois da assistente ter completado os dezoito anos, ou seja, em 14 de Agosto de 1998. Tendo a queixa sido apresentada em finais de 2001, o direito de queixa caducara há mais de dois anos, pelo que a mesma foi intempestiva. Como consequência, a promoção operada pelo Ministério Público não estava legitimada por queixa válida, pelo que todos os actos subsequentes à apresentação da queixa são nulos, nos termos do art. 119° do CPP, nulidade que expressamente se argúi, e que deve ser declarada.

    Face a tudo o exposto, e pelas razões aduzidas, deverá o arguido ser absolvido da prática do crime de abuso sexual de menor dependente.

    Após a dedução da Douta Acusação Público, foi solicitado à Ordem dos Advogados a nomeação de defensor ao arguido, tendo sido nomeada a Ilustre Advogada Dra. Carla M..., que pediu, e viu ser-lhe deferido, dispensa de patrocínio, invocando como fundamento que não estava «em condições de exercer o patrocínio para que se encontra nomeada, de forma imparcial, séria e isenta de sentimentos, designadamente, de revolta e intransigência com relação a tais condutas».

    A mesma Advogada que invocou que não estava «em condições de exercer o patrocínio (...) de forma imparcial, séria e isenta de sentimentos», foi nomeada e assistiu o arguido no debate instrutório, em virtude do Defensor constituído ter sido acometido de uma doença do foro oncológico da qual veio a falecer.

    Não se considerando imparcial para todo um patrocínio, não poderia (deveria) ter sido nomeada para qualquer acto desse patrocínio. Quem não é imparcial para o todo, não pode ser imparcial para uma parte desse todo. Certamente, haveria na Comarca de Caminha outros advogados disponíveis para assistir o arguido no debate instrutório.

    Em anotação ao artigo 85°, n°2, al. b), do Estatuto da Ordem dos Advogados (redacção da Lei n°15/2005, de 26 de Janeiro), citando-se Alfredo Gaspar, escreveu-se que «o réu defender-se-ia melhor por si próprio, de que por um advogado contrariado – ou, pelo menos, sem convicção.» A presença do Defensor no debate instrutório não visa apenas o cumprimento de uma formalidade, ela é também uma exigência material, cuja importância é acentuada no art. 119° do CPP, que, em conjugação com o art. 64° desse mesmo código, comina de insanável a nulidade resultante da falta do defensor no debate instrutório.

    O art. 32° da CRP determina que «o arguido tem direito a escolher defensor». Não podendo comparecer o defensor constituído, deveria ter sido concedida ao arguido a possibilidade de indicar outro defensor, ou adiar-se o debate instrutório, ao invés de se nomear precisamente a única Ilustre Advogada que pedira dispensa no processo, como aliás foi feito na audiência de julgamento do dia 20/10/2005. Só assim se cumpre efectivamente o direito do arguido a escolher defensor constitucionalmente consagrado no art. 32° da CRP.

    A assistência da Dra. Carla M... no Debate Instrutório, na qualidade de Defensora do arguido, não pode deixar de equivaler à ausência de Defensor, pelos fundamentos supra expostos, pois é a única solução que se coaduna com os...

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