Acórdão nº 1676/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelNAZARÉ SARAIVA
Data da Resolução09 de Março de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães: No 2º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da comarca de Braga, processo comum nº 864/05.1TABRG, foi o arguido Fernando S...

, com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento, tendo, a final, sido proferida sentença, constando do respectivo dispositivo o que se segue (transcrição): “Pelo exposto, julgo a pronúncia procedente por provada e, em consequência, decido: Condenar o arguido Fernando S..., como autor material de um crime de peculato, previsto e punido nos termos do art. 375.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; Condenar o arguido, como autor material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º nº 1 alínea a) e 3 do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão Em cúmulo jurídico, vai o arguido condenado na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução se suspende por 18 (dezoito) meses.” ***Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o arguido, onde, em síntese, defende que: - «se impõe uma modificação da decisão de facto, porquanto nunca teve intuito apropriativo (inexistência de dolo, no que concerne ao crime de peculato, bem como inexistência do intuito prejudicativo ou beneficiativo no que tange ao crime de falsificação»; - in casu não se verifica um dos elementos objectivos do crime de peculato previsto no artigo 375º, nº 1, do CP, a saber, a ilicitude da apropriação, em proveito próprio ou de terceiro; - também «não se provou que o arguido tenha agido com conhecimento da ilicitude», porquanto no item 17) da sentença recorrida apenas consta provado «que as condutas do arguido eram proibidas e punidas por lei», não tendo o tribunal recorrido cuidado «de proceder a uma qualquer actividade probatória que lhe permitisse especificar se a conduta era proibida pela lei civil, disciplinar, contra-ordenacional, administrativa ou penal »; - «…não pode ser condenado pelo crime de falsificação, na medida em que essa actuação típica 8com eventual dolo necessário) está consumida pela eventual acção típica de peculato (com dolo final e directo) numa reacção de consumpção).»; - «…tendo o arguido procedido à restituição e reparação, integral, dos danos causados à lesada, Florinda S..., deve beneficiar …da extinção da responsabilidade criminal nos termos do…nº1 do art. 206 do Código Penal».

*** Respondeu o Ministério Público, opinando no sentido de que deve ser julgado improcedente o recurso.

***Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido também do não provimento do recurso.

*** Foi cumprido o artº 417º, nº 2 do CPP, tendo o arguido apresentado resposta.

***Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Decisão fáctica constante da sentença recorrida (transcrição): “FACTOS PROVADOS 1. O arguido Fernando S..., é advogado na comarca de Vila Nova de Famalicão, exercendo ainda a docência universitária e, nessa sua qualidade de jurista, foi nomeado, em regime de comissão de serviço, Director da Delegação de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS).

  1. Na verdade, o arguido, entre 1 de Abril de 2001 e 31 de Março de 2003, desempenhou as funções inerentes a tal cargo e nomeação, no Centro Regional de Braga da Segurança Social.

  2. No âmbito dessas funções, o arguido recebeu no seu gabinete, nas instalações da Segurança Social, em Fevereiro de 2002, em dia que não se conseguiu apurar com rigor, mas que se situa nas proximidades do dia 12.02.2002, a queixosa Florinda S..., acompanhada do seu contabilista, Adelino L..., para tratarem de assunto relacionado com dívidas à Segurança Social, 4. Dívidas essas que se traduziam em cotizações e contribuições devidas pela firma “T... Portugal, Lda.”, propriedade da queixosa Florinda S..., que exercia o cargo de gerente.

  3. Após a necessária troca de informações, acerca de montantes em dívida e forma de pagamento, o arguido, aceitou ficar na posse de um cheque de € 20.000,00 pertencente àquela Florinda S... (cheque nº 0300000006 sobre o Banco S..., Agência de Braga com a data de 12.02.2002), 6. Cheque esse que se destinava a pagar as cotizações em dívida à Segurança Social (a dívida total era composta de cotizações e contribuições), para que dessa forma se obstasse à abertura do processo crime correspondente contra a “T... Portugal, Lda.”.

  4. E tanto assim era, que o cheque foi endereçado ao I.G.F.S.S. (Instituto de gestão Financeira da Segurança Social), para que com ele, o arguido Fernando S... imputasse e pagasse as cotizações em dívida pela “T... Portugal, Lda.” à Segurança Social e prevenisse, desse modo, a abertura de um qualquer processo crime por tais factos, contra a citada empresa.

  5. Sucede que, o arguido, no dia 14.02.2002, contrariamente às instruções que recebera da Florinda S... e tudo quanto com ela havia acordado, depositou em conta pessoal que tinha aberta no F... S.A., Agência de Vila Nova de Famalicão, o cheque com o nº 0300000006, no montante de € 20.000,00, sacado sobre o Banco S..., Braga, datado com o dia 12.02.2002 (já supra referido no ponto 5.).

  6. Para tal efeito, depois de apor pelo seu punho, no referido cheque, por cima do endereço ao IGFSS, os dizeres “C... Salgado”, o arguido, em vez de depositar o título em conta própria da Segurança Social, imputando tal depósito ao pagamento das cotizações em dívida, depositou-o na sua conta pessoal, já acima identificada, com o NIB 0076 0000191.........

  7. Situação que se manteve até ao mês de Abril de 2005, altura em que Florinda S... tomou conhecimento de que tinha um processo crime pendente por dívidas à Segurança Social (cotizações) e se apressou a inteirar-se de que assunto se tratava junto dos serviços respectivos.

  8. Aí pode a referida Florinda constatar que o arguido não tinha depositado o identificado cheque na conta da Segurança Social, mas sim em conta sua.

  9. O arguido agiu da forma acima descrita, locupletando-se com a quantia de € 20.000,00, constante do cheque da ofendida que depositou em conta sua e utilizou como bem entendeu, como se tal quantia fosse sua.

  10. O arguido, em momento posterior, mais precisamente em 16 de Maio de 2005, devolveu a quantia em causa à ofendida Florinda S..., indemnizando-a ainda dos demais prejuízos por ela sofridos com a sua actuação, para o que lhe entregou o montante global de € 50.000,00.

  11. Agiu o arguido com vontade livre e consciente, com o propósito que logrou concretizar de, aproveitando-se das suas funções profissionais, aceder e dispor em seu proveito pessoal de tal quantia.

  12. Ao apor pelo seu punho no cheque os dizeres “C... Salgado”, como acima se descreveu, sabia o arguido que estava a alterar um dos elementos de tal título, fabricando desse modo documento falso, que lhe permitisse depositar tal cheque na sua conta, o que logrou conseguir.

  13. Sabia que tal montante em dinheiro que fez seu não lhe pertencia.

  14. Sabia igualmente que todas as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.

    Mais se apurou que: 18. O arguido, que continua a exercer a profissão de advogado, que cumula com a docência universitária, é pessoa profissional e pessoalmente respeitada e com bom comportamento habitual.

  15. É casado e tem dois filhos.

  16. É delinquente primário.

    * FUNDAMENTAÇÃO FACTUAL Para a prova dos factos supra referidos, a convicção do tribunal formou-se, desde logo, com base nas declarações do próprio arguido, e sua conjugação com o teor dos documentos de fls. 3 a 90, 160-161 e 377 a 494 (todos devidamente examinados em audiência), bem como com as mais elementares regras da regras da experiência comum.

    Efectivamente, o arguido admitiu toda a factualidade supra descrita nos pontos 1 a 7, inclusive. Confessando também expressamente que no dia 14.02.2002, depositou em conta pessoal que tinha aberta no F... S.A., Agência de Vila Nova de Famalicão (a qual se destinava, designadamente, ao pagamento de despesas do seu escritório de advocacia, e onde tinha também dinheiro de outras proveniências), o cheque do montante de € 20.000,00 que lhe havia sido entregue pela Florinda S... (representante legal da “T..., Lda.”), para o que apôs com o seu punho, nesse título, por cima do endereço ao IGFSS, os dizeres “C... Salgado”. Mais declarou que, abandonou o cargo que desempenhava na Segurança Social em finais de Março de 2003, sem que tivesse reposto a quantia titulada pelo cheque a favor da sacadora desse título ou do I.G.F.S.S., situação que o arguido também admitiu manter-se ainda à data em que a Florinda S... tomou conhecimento que tinha um processo crime pendente por dívidas à Segurança Social (cotizações) em Abril de 2005 -, altura em que a mesma descobriu que tal se devia ao facto de o cheque que havia entregue ao arguido não ter sido utilizado para pagar essa dívida como haviam combinado.

    Não obstante a admissão de toda a factualidade acabada de sintetizar, o arguido afirma simultaneamente nunca ter tido intenção de se apoderar da quantia de € 20.000,00 titulada pelo cheque que lhe foi entregue ou de prejudicar quem quer que fosse, antes tendo actuado sempre com a exclusiva intenção de ajudar a Florinda S... e de cumprir aquilo que com ela tinha acordado.

    Contudo, nesta última parte, as declarações do arguido e de algumas das testemunhas de defesa (cujos depoimentos já a seguir se mencionarão) apresentam-se incongruentes e com contradições que lhes retiram a credibilidade. Senão vejamos: - Refere o arguido que, logo na altura em que a Florinda S... e seu contabilista falaram com ele, no circunstâncialismo supra descrito nos pontos 3 a 5, tinha conhecimento e perfeita consciência de que não era nessa altura possível afectar aqueles € 20.000,00 ao pagamento das cotizações em dívida à Segurança Social, de forma a impedir a abertura do processo crime correspondente contra a “T... Portugal, Lda.”, pois a dívida desta empresa era composta de cotizações e contribuições, o que levaria a que o sistema então existente imputasse necessariamente o pagamento de...

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