Acórdão nº 349/07.1PBVCT de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução18 de Maio de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: *I- Relatório

  1. No processo comum singular n.º 347/07.1PBVCT do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo, por sentença de 29 de Outubro de 2008, o arguido V…, com os demais sinais dos autos, foi condenado: a) pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão.

    1. pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. p. pelo art. 86.º, n.º 1 c) com referência ao art. 3.º, n.º 1 e 3, 5.º, 12.º e 15.º da Lei n.º 5/2006 de 23de Fevereiro, na pena de 10 meses de prisão c) “em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 12 meses de prisão, a qual não se converte em multa nem se suspende na execução.” Mais foi condenado a pagar ao demandante L… a quantia de €5.000,00 (cinco mil), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal.

    *Inconformado com tal decisão, o arguido dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1.ª - Vem o presente RECURSO da decisão proferida em primeira instância que condenou o Recorrente a 5 meses de prisão pela prática de um crime de ameaça agravada, p. p pelo art.º 153.°, n.º 1 e 2 do C.Penal e a 12 meses pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.°, n.º 1 c), com referência ao art. 3.º, n.º 1 e 3, 5.°, 12.° e 15.° da L5/2006 de 23 de Fevereiro, condenando em cúmulo jurídico na pena única de 12 meses de prisão e ao pagamento de uma indemnização de € 5000,00.

    1. - E é interposto porque o Arguido entende que a decisão não faz uma correcta apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, bem como, faz uma incorrecta interpretação e aplicação do direito.

    2. - Existe, salvo melhor opinião, erro notório na apreciação da prova produzida em sede de audiência, pelo que estando documentada a prova produzida em sede de audiência de julgamento está o Tribunal de recurso em posição de apreciar essa mesma prova, nos termos do artigo 412.°, n.º 3 do Cód. Proc. Penal.

    3. - Sendo certo que, face aos diferentes depoimentos prestados, restaria, salvo melhor opinião, uma persistente e insuperável dúvida, que determinaria a aplicação do princípio do in dubio pro reo para a Arguido.

    4. - Por outro lado a, aliás douta, sentença, enferma de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Cód. Proc. Penal.

    5. - Dos depoimentos oralmente prestados em audiência, e do confronto destes com a acusação, impunha-se uma decisão diversa da recorrida no que concerne à matéria de facto dada como provada sob as alíneas A a J da douta sentença.

    6. - Acresce que o arguido foi indevidamente condenado pelo crime de ameaça, o qual nunca existiu, já que não estavam preenchidos os seus pressupostos uma vez que é necessário que a ameaça o seja com a prática de um "mal futuro", não eminente, susceptível de levar o ofendido a crer que este possa efectivamente suceder, não sendo suficiente as ameaças hipotéticas ou condicionais.

    7. - No caso em concreto, a expressão enunciada, por não se traduzirem na "ameaça" da prática de uma mal futuro, mas sim iminente, dirigido ao momento presente, não integram pois o referido tipo legal de crime, pois que, na versão do ofendido, o arguido terá encostado a arma à cabeça dizendo "vou-te acabar com a vida filho da puta".

    8. - A ter sido assim, o arguido estaria a ameaçar com um mal presente e nunca futuro, o que não ocorreria se por exemplo este tivesse condicionado a acção que ameaçava levar a cabo com o futuro, por exemplo instando o queixoso a parar de telefonar para a sua mulher sob pena de matá-lo.

    9. - Tal comportamento tal não mereceu censura do legislador penal artigos 143.° e 23.° do Código Penal).

    10. - Mas mesmo que não assistisse razão ao Recorrente, ao condenar o arguido pelo crime de ameaça qualificada, não constando a qualificação da acusação, é nula a sentença nessa parte, nulidade que se invoca.

    11. - Já que dispõe o artigo 359, n.º 1 do CPP que "se no decurso da audiência se verificar uma alteração uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para decisão da causa, o presidente oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a sua defesa." 13ª - Por outro lado, não tendo o Tribunal a quo conhecido da motivação do arguido para a prática dos factos, não obstante as mesmas terem sido discutidas, a sentença é nula por não se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (artigo 379.° do CPP).

    12. -Aliás, tais factos relevam, designadamente, por terem repercussões agravativas ou na medida da punição ou na estratégia da defesa do Arguido (cfr. Ac. STJ de 18 de Junho de 1997, CJ Ano V; Tomo 11, pág. 245).

    13. - Tal erro na apreciação da prova, determinou um erro de julgamento.

    14. - Ainda que assim não se entenda, não pode o Recorrente deixar de considerar que a medida da pena em que foi condenada não encontra justificação legal.

    15. - Desde logo o Tribunal estava obrigado a aplicar a lei mais favorável ao arguido, isto é, quanto ao crime de ameaças, a actual redacção do artigo 153.°, a qual prevê uma moldura penal mais baixa e não a anterior como o fez.

    16. - Acresce que o Tribunal a quo considerou elevada a ilicitude e culpa do Arguido porque não conheceu, devendo deles conhecer, o facto de, a ter agido, ter este actuado, ele sim, sob forte emoção desencadeada pela primeira acção vítima que assediava constantemente a sua mulher, pelo que, em ambos os crimes, a pena concretamente aplicada é excessiva.

    17. - Assim, a culpa e a i1icitude da conduta do Arguida é manifestamente reduzida, e não elevada como foi considerada na, aliás douta, sentença.

    18. - Tendo a pena por limite a culpa do agente, a condenação da arguida em tal pena revela-se desproporcional.

    19. - Na mesma linha de raciocínio, o Tribunal a quo não tomou em consideração todas as circunstâncias que militavam a favor da Arguido, critérios estes impostos pelo artigo 70° do C.Penal.

    20. - Ao não fazê-lo, não foram expressos outros fundamentos que deveriam constar da sentença, pelo que não foi dado cumprimento ao artigo 70°, n.º 3 do CPP, o que acarreta a nulidade pelas disposições conjugadas do artigo 374.º e 379º a) do CPP.

    21. - Em qualquer caso, atenta o exposto, deveria o Tribunal a quo ter lançado mão do previsto no artigo 43.º do Código Penal, através do qual a pena aplicada ao arguido seria substituída por pena de multa ou do artigo 50.º do mesmo diploma legal que permite a suspensão da execução da pena.

    22. - Não obstante, e pelos motivos já explanados, não pode o Recorrente aceitar a condenação no pedido cível nos termos e montante sentenciados pois não praticou o crime de que vinha acusada.

    23. - Aliás, como supra se referiu, ao não ter cometido o crime de ameaça, não haveria lugar à condenação no pedido cível.

    24. Mesmo que assim não se concebesse, o montante em que o Recorrente foi condenada é excessivo, sendo igualmente certo que o Tribunal a quo não conheceu de todas as circunstâncias que deveria conhecer, não considerando o contributo da suposta vítima na produção do dano.

    25. - Acresce que, o lesado não comprovou adequadamente os danos de que se arrogou vitamina.

    26. - Tendo em conta as circunstâncias, não é minimamente equitativo, condenar-se a Arguido e Demandado no pagamento de uma indemnização de € 5000,00 ao Demandado.

    Ao não entender assim, violou a douta sentença, entre outros, os artigos 23.º, 43.°, 143.°, 359°, n.º 1, 410°, n.º 2, 412°, n.º 3, do C.P.Penal, artigo 70° do C.Penal e artigo 483° e 496.º do C.Civil.» Termina pedindo que a sentença recorrida seja: «a) declarada nula ou revogada e substituída por outra que, alterando a matéria de facto dada como provada, e conhecendo dos factos que não foram apreciados pelo Tribunal a quo, absolva o Arguido/Demandado das condenações a que foi sujeito ou, se assim não se entender, as reduza a um limite mínimo e razoável, bem como; b) Na eventualidade de condenação, reduzir o montante cível sentenciado para uma justa e equitativa indemnização, por desagravação do montante indemnizatório a que foi condenado a pagar; c) Na eventualidade de condenação, converter a pena de prisão em pena de multa, nos termos do artigo 43.º do C.Penal ou suspender a sua execução ao abrigo do artigo 50.º do mesmo diploma legal.» *O Ministério Público em ambas as instâncias, pugnou pela manutenção do julgado.

    *O recurso foi admitido, para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 281-282.

    *Após resposta do recorrente foram colhidos os vistos.

    Realizada a conferência, cumpre decidir.

    *II- Fundamentação 1.

    É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo:

  2. Factos provados (transcrição; numeração nossa) 1) No dia 20 de Julho de 2007, após o almoço, o arguido muniu-se de um revolver, não manifestado, nem registado, de calibre 38, de cor preta, em bom estado de funcionamento, sem qualquer inscrição quanto à marca, modelo e número de série, com o comprimento total de 24,5 cm, municiado com quatro balas de calibre 38.

    2) Seguidamente, o arguido foi à procura do ofendido …, com o intuito de o atemorizar com tal arma, dado suspeitar que este andava a assediar a sua companheira.

    3) Cerca das 15.30h, o arguido dirigiu-se à serralharia pertencente a ….

    4) Abeirando-se do L…, o arguido apontou-lhe a referida arma à cabeça, dirigindo-lhe ao mesmo tempo as seguintes expressões: «não sabes quem eu sou? … vou-te acabar com a vida filho da puta».

    5) Perante a natureza das palavras proferidas e as potencialidades da arma que lhe foi apontada o ofendido L… temeu pela sua integridade física e passou a ficar preocupado com a eventual concretização do mal enunciado.

    6) Instintivamente, porém, o ofendido L… agarrou num tubo de alumínio e com o mesmo desferiu duas pancadas no pulso direito do arguido, obrigando-o a largar a arma...

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