Acórdão nº 10976/02.8TABRG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Maio de 2009
Magistrado Responsável | CRUZ BUCHO |
Data da Resolução | 25 de Maio de 2009 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: *I - Relatório No 2ª Juízo Criminal de Braga, no âmbito do processo comum singular nº 10976/02.8TABRG-B.G1, por despacho de 14 de Janeiro de 2009, foi julgada extinta a responsabilidade criminal dos arguidos e cessadas as respectivas penas, por descriminalização das condutas em causa nestes autos - crime de abuso de confiança fiscal e crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social.
*Inconformado com tal decisão dela recorreu o assistente, Instituto da Segurança Social, I.P/Centro Distrital de Braga, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: «A. No dia 01 de Janeiro de 2009, entrou em vigor a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009 e introduziu vária alterações ao RGIT, e para que ao presente caso importa, ao artigo 105º.
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A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, veio alterar o art. 105º do RGIT, tendo revogado o n.º6 e alterado a redacção do n.º1, passando este a ter a seguinte redacção: ”Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a €7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 380 dias.
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No que respeita à eventual aplicabilidade do regime ora introduzido pela A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao crime de abuso de confiança fiscal em relação à segurança social, parece que foi clara a intenção do legislador de introduzir o novo regime apenas para crimes de abuso de confiança fiscal, deixando de parte as prestações respeitantes à Segurança Social.
D.A não ser assim, operar-se-ia, aliás, uma inaceitável despenalização em toda a linha dos comportamentos que tivessem por objecto declarações dos contribuintes retidas até ao montante em causa, na medida em que inexiste qualquer previsão em matéria contraordenacional semelhante à do artigo 114°, do R.G.I.T.
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Pelo que, a alteração ao artigo 105°, n.º 1, do R.G.I.T. nenhum efeito vem a reflectir quanto à definição do limite punível do crime de abuso de confiança fiscal em relação à Segurança Social.
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Aliás, por força da revogação operada pelo art.º115° da Lei do Orçamento do n.º 6, do art.º 105° do RGIT, os crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social apenas admitem, como causa de extinção da responsabilidade criminal, o pagamento efectuado nos termos do n.º 4 do citado art.º 105°» *Os arguidos não responderam ao recurso.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido pronunciou-se pela procedência do recurso do assistente, formulado as seguintes conclusões que se transcrevem: 1. «O douto despacho recorrido considerou que a alteração ao artigo 105°, n.º 1 do RGIT introduzida pelo artigo 113° da Lei n.º 64-N2008, de 31/12, descriminalizou também condutas anteriormente integradoras dos crimes de abuso de confiança contra a segurança social previstas no art.º 107°, n.º 1, sempre que a prestação tributária não seja superior a € 7 500,00, como é o caso dos autos, julgando cessados os efeitos penais da condenação, em conformidade com o disposto no n.º 2, do art.º 2.° do CP.
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Para tanto, o Tribunal "a quo" entendeu que a "remissão feita pelo n. º 1 do artigo 107º do RGIT para as penas previstas no n.º 1 do artigo 105º do mesmo diploma, tem de se considerar feita não só para a pena como também para o respectivo valor mencionado nesse preceito".
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Salvo o devido respeito, esta interpretação extensiva foi além da "mens legis", não encontrando suporte nem na letra, nem no espírito da lei.
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Desde logo, o art.º 107.°, n.º 1, apenas remete para o art.º 105.° no que respeita às penas aplicáveis (n.ºs 1 e 5 do art.º 105.°) e não à conduta. Esta última, encontra-se integralmente prevista naquele dispositivo legal. Não é, portanto, uma remissão em bloco para o art.º 105.°, mantendo-se, por isso, intacto o art.º 107.º 5. Por outro lado, constata-se que o legislador do RGIT, na parte III (Das infracções tributárias em especial), dentro do Título I (Crimes tributários), reservou dois capítulos diferentes, um para os crimes fiscais (capítulo III) e outro para os crimes contra a segurança social (capítulo IV), atribuindo-lhes, por isso, um tratamento diferente, tendo em conta a diferente natureza das prestações.
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Também não se pode afirmar uma total correspondência dos regimes p.unitivos dos crimes fiscais e dos crimes contra a segurança social.
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Não obstante a similitude da construção dos ilícitos de abuso de confiança fiscal e abuso de confiança contra a segurança social, são diferentes os bens jurídicos que visam tutelar.
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No crime de abuso de confiança contra a segurança social o bem jurídico tutelado é um bem jurídico multifacetado, abrangendo o direito fundamental à segurança social e o dever de solidariedade e, ainda, o património da segurança social, ao passo que no abuso de confiança fiscal visa-se proteger o erário público e o interesse do Estado na integral obtenção das receitas tributárias, tendo em vista a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e a repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
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Sendo, como são, actuais e prementes os problemas de sustentabilidade da Segurança Social Portuguesa, por certo não esteve no espírito do legislador, com a alteração da redacção do artigo 115°, n° 1 do RGIT (que prevê e pune o crime de abuso de confiança fiscal) feita pelo artigo 113° da Lei 64-A/2008, de 31/12, restringir também a punibilidade do crime de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. no art.º 107.°, n.º 1 (dando um sinal de sentido negativo à sociedade, que redundaria num agravamento daqueles problemas).
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O douto despacho recorrido, na parte que declarou cessados os efeitos da condenação pelo crime de abuso de confiança contra a segurança social violou os artigos 113.° da Lei 64-A/2008, de 31/12, 105°, n.º 1 e 107°, n.º 1 do RGIT, 2° n° 2 do Código Penal e 9°, n.º 2 do Código Civil.»*O recurso foi admitido, para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 65 (destes autos) *A M.ª Juiz sustentou o despacho recorrido, rectificando-o na parte em que nele se “fala em crime de abuso de confiança fiscal, quando o que obviamente se queria escrever era crime de abuso de confiança contra a segurança social”, e realçando os seguintes aspectos: «(…)entendemos que a remissão feita pelo n.º 1 do Artigo 107º do RGIT para as penas previstas no n.º 1 do Artigo 105 do mesmo diploma, tem de se considerar feita não só para a pena como também para o respectivo valor mencionado nesse preceito, da mesma forma que a remissão feita pelo mesmo n.°1 do Artigo 107º para as penas previstas no n.º 5 do Artigo 105º, tem de se considerar feita - como sempre se considerou -, não só para a pena (agravada) aí prevista, mas também para o valor (superior a € 50.000,00) aí igualmente mencionado e subjacente à agravação. Não fazendo por isso sentido, em nosso modesto entendimento, interpretar a mesma norma - Artigo 105º, n.º 1 do RGIT -, de forma diferente, consoante se trate da remissão nela feita para o n.º 1 ou n.º 5 do artigo 105º.
Aliás, outra posição não se nos afigura coerente com a circunstância de, com esta nova lei, e por revogação do n° 6 do Artigo 105º do RGIT, se ter agora eliminado para os crimes de abuso de confiança contra a segurança social, a possibilidade de extinção da responsabilidade criminal pelo pagamento, quando o valor da prestação não excedesse os € 2.000,00. Pois, se não se tivesse querido restringir a punibilidade para os casos de prestações superiores a € 7.500,00, a lógica seria transpor o antigo n.º 6 do Artigo 105º do RGIT para o Artigo 107º do mesmo diploma, de forma a deixar intocado o respectivo regime punitivo, o que não foi feito, obviamente, por tal deixar de fazer sentido, uma vês que já não é criminalizada a falta de entrega de contribuições à segurança social de valor não superior a €7500,00.
Motivos pelos quais continuamos a entender dever julgar-se extinta a responsabilidade criminal dos arguidos e cessadas as respectivas penas»*Nesta Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer pronunciando-se pela procedência do recurso.
*Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.
* II- Fundamentação 1.
Conforme se encontra documentado nos autos: §1. Por sentença de 26 de Janeiro de 2005, os arguidos…, todos com os demais sinais dos autos, foram condenados:
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J…, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art. 105, nºs 1 e 2 do RGIT, 30º, n.º2 e 79º, ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa dias de multa à taxa diária de € 20 (vinte euros).
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A… i) pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art. 105, nºs 1 e 2 do RGIT, 30º, n.º2 e 79º, ambos do Código Penal, na pena de 220 (duzentos) dias de multa dias de multa à taxa diária de € 20 (vinte euros).
ii) pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art. 105, nºs 1 e 2 do RGIT, 30º, n.º2 e...
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