Acórdão nº 1854/07-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Junho de 2008

Data11 Junho 2008

Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Guimarães: No Processo Comum Singular 135/01.2TAPTL do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, foi o arguido M condenado pela prática, como autor material, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 170º, nº1 e nº2, Cód. Penal, na pena de 4 anos de prisão, e de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 170º, nº1, do citado Código, na pena de 18 meses de prisão; em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; Foi ainda julgado parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido, condenando o arguido a pagar à assistente C, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 35.590,00 (trinta e cinco mil quinhentos e noventa euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, sobre € 10.590,00 desde a notificação do pedido e desde a presente data sobre o restante, até integral pagamento; Inconformado veio o arguido recorrer da sentença concluindo na sua motivação (transcrição): 1ª Comete o crime de lenocínio quem, profissiona1mente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou actos sexuais de relevo: 170º,nº1, do Cód. Penal.

2ª Para o preenchimento do tipo legal de crime é necessário que o agente actue de forma profissional ou com intenção lucrativa.

3ª· Não resultou provado, nem tal é dito na decisão recorrida, que o Recorrente fizesse profissão da actividade que lhe é imputada: 4ª Existe, quanto a este elemento objectivo do tipo legal de crime manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada, a matéria de facto não provada e a fundamentação da decisão em relação à matéria de facto.

5ª- Na fundamentação das respostas à matéria de facto o tribunal "a quo" escreveu: "Nenhuma prova se fez quanto ao concreto montante gasto pelo arguido no sustento da assistente, do seu filho e de I, nem quanto ao valor do remanescente que para si guardava o arguido".

6ª Se assim é, como é que o Tribunal pôde dar como provado que exista remanescente e, principalmente, que o mesmo era suficiente para assegurar a subsistência e a recreação do Recorrente; 7ª- Em relação à I resulta ainda que o Tribunal não sabe qual o montante das despesas suportadas pelo Recorrente, o Tribunal sabe que ela levantou cerca de € 2 500,00 e mesmo assim, afirma que existia remanescente e que o Recorrente se apropriava dele; 8ª Em relação à Assistente o Tribunal não sabe quanto era o montante das despesas (não foi feita qualquer prova) mas sabe que ela adquiriu metade de um apartamento com os ganhos da prostituição; 9ª- O montante das despesas, apesar de não concretamente apurado, era bastante elevado, pois incluía a renda da casa, as necessidades básicas da Assistente e do filho e o custo de uma ama para o filho durante a semana; 10ª - Apesar de não saber o montante dessas despesas, o Tribunal "a quo" dá como provado que existia remanescente e que o Recorrente se apoderava dele.

11ª- É fácil dizer-se que o Recorrente teria tido intenção lucrativa. Mas os factos constantes dos autos, designadamente os alicerçados em documentos, levam precisamente a solução contrária.

12ª- Finalmente, uma última questão: se efectivamente o Recorrente tivesse intenção lucrativa, por que motivo efectuaria os depósitos que efectuou na conta bancária de ambas as ofendidas, porque motivo teria facultado à I a caderneta para levantamento do dinheiro que estava depositado em nome dela e, finalmente, porque motivo compraria um apartamento juntamente com a ofendida C.

13ª- Pelo contrário e face ao acima exposto, deverá este Tribunal de recurso alterar a matéria de facto dada como provada, designadamente na parte em que tem como assente que existia remanescente e que o Recorrente beneficiava dele em proveito próprio.

14ª - Para a alteração dessa matéria de facto o Tribunal de recurso terá de analisar os documentos juntos aos autos, designadamente os documentos juntos pela Caixa Geral de Depósitos, as declarações da C acima transcritas e (ainda a escritura de compra do apartamento.

Sem prescindir, DA MEDIDA DA PENA 15ª- Não resulta da matéria de facto dada como provada que o Recorrente tenha ameaçado a I para a o brigar à prática da prostituição 16ª- A matéria de facto referente à J, deve ser alterada designadamente quando lhe diz que a I permaneceu nessa casa desde princípios de Janeiro de 2001 a finais de Junho do mesmo ano, altura em que conseguiu ir-se embora... " 17ª- Na verdade, o que aconteceu, segundo o depoimento da C (4ª cassete, de 0000 a 2492 no lado A e 0Cl00 a 1710 do lado B) é que a I foi mandada embora pela própria C: 18a- Assim, deve ser alterada a matéria de facto dada como provada, substituindo-se a expressão “altura em que conseguiu ir-se embora” por uma outra que retrate a realidade, designadamente, "altura em que foi mandada embora pela C.

19ª- Do depoimento da I, transcrito na parte expositiva destas alegações e que aqui se dá por reproduzido, resulta que o encontro entre a I e o Recorrente não foi debaixo da ponte como parece resultar da matéria de facto dada como provada, mas sim num café de Ponte de Lima.

20º- No mínimo, a matéria de facto dada como provada terá de ser alterada no sentido de que o Recorrente conheceu a J por intermédio de um tal D e nunca que a conheceu quando estava debaixo da ponte.

21ª- Mas deste depoimento pode também concluir-se que a I tinha consciência do que ia fazer.

22ª- A J começa por dizer que "...e depois (da conversa) meti-me dentro do carro...", o que parece indiciar que foi de livre vontade.

23ª- Resulta também que ela estaria disposta a exercer aquela actividade, desde que o dinheiro fosse para ela.

24ª- A matéria de facto deve se alterada, designadamente quanto às circunstâncias em que a mesma se iniciou na prostituição, nos pressupostos que a levaram a prostituir-se e, finalmente, quanto à forma como essa actividade terminou.

25ª-A alteração da matéria de facto nos termos acima sugeridos diminui, em muito, o eventual dolo que possa ser atribuído ao Recorrente pela sua actuação.

26ª- Devendo ser-lhe aplicada se for entendido que existe prática de crime, uma pena mínima ou próxima do mínimo legal.

27ª- A pena de prisão de quatro anos aplicada pelo crime previsto no artº 170º, nºs 1 e 2, também é manifestamente exagerada; 28ª- É unicamente a C que diz que o Recorrente a obrigou a prostituir-se, ameaçando-a que a abandonava mais ao filho.

O Recorrente, por seu lado, nega essa ameaça.

29º -Com base unicamente no depoimento da assistente, o tribunal dá como provado que em 1998 o Recorrente a ameaçou e a cerceou na sua autodeterminação sexual; 30º- Neste ponto, o Recorrente deveria ter beneficiado do principio "in dubio pro reo" e, a ser condenado, deveria ter sido condenado apenas ao abrigo do disposto no artigo 170, nº1 do Código Penal.

31º- Nesse sentido, aliás, chama-se a atenção do Tribunal de recurso para o facto de conforme consta da matéria de facto dada como provada, entre 1998 e 2003 não haver referência a qualquer outra ameaça ou agressão e apenas se referir que, a partir de finais de 2003, o arguido passou a ameaçar a C.

32a- Mas da leitura das declarações da C percebe-se que essas ameaças têm a sua origem no fim da relação entre os dois e o começo da relação da C com outra pessoa; 33ª- A pena aplicada, de 4 anos de prisão, transmite a ideia que o Recorrente era impiedoso; que só via o lucro fácil, que tudo queria para si.

34ª- Será o comportamento normal de um proxeneta colocar metade de um apartamento em nome da mulher que domina, de quem se aproveita? 35ª- Será o comportamento normal de um proxeneta abrir uma conta bancária em nome da mulher que culmina e utilizar esse dinheiro para adquirir um apartamento para ela? 36ª- Ainda se fosse para ele...

37ª- O Tribunal "a quo" deveria ter ponderado porque motivo a C não se dispôs a largar a vida que levava. É tão fraca a alegação de que tinha medo do Recorrente. Então se o Tribunal nem deu como provado que ele lhe batesse frequentemente.

38ª- O Tribunal "a quo deveria também ter ponderado que não existem provas, sequer indícios… que o Recorrente, antes de viver com a C se tivesse dedicado alguma vez que fosse, a práticas criminosas e, muito menos àquela a que se referem os presentes autos.

39ª- O Tribunal "a quo" deveria também ter ponderado que não existem provas, nem sequer indícios, que depois de romper com a C o arguido continuasse a manter a mesma actividade criminosa; 40ª- O Tribunal"a quo" deveria ter ponderado que o Recorrente sempre continuou a exercer a sua actividade de pescador.

41º - O Tribunal a quo" deveria ter ponderado que o Recorrente é trabalhador.

Que tem a seu cargo a exploração de um barco de pesca.

Que tem trabalhadores a seu cargo.

Que não tem antecedentes criminais 42ª- Face a tudo quanto acima se alegou, face a todas as questões que deveriam ter sido ponderadas pelo Tribunal "a quo" e que o não foram, face à falta de antecedentes criminais por parte do Recorrente, face à não existência de quaisquer provas ou indícios de que quer antes quer depois o Recorrente se dedicasse a actividades criminosas, quer ainda devido ao facto de se ter provado que ele sempre continuou a trabalhar, que tem trabalhadores a seu cargo e que, aceite-se ou não, está inserido na sociedade, sempre a pena de prisão fixada o deveria ter sido próximo do mínimo legal.

43ª- E, consequentemente, deveria a pena de prisão fixada ao arguido ter sido suspensa nos termos do artigo 50º do Código Penal, pois a simples ameaça da efectivação da pena de prisão será suficiente para afastar da prática de novas actividades criminosas, quem nunca o fez antes e quem nunca o fez depois da era C.

44ª - Por último e salvo melhor opinião, sempre o Recorrente deveria ter beneficiado da Lei de Amnistia 29/99, de 12 de Maio.

45ª- Em termos de pedido cível o Tribunal “a quo” recorreu a critérios de equidade para apurar o remanescente.

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