Acórdão nº 2635/07-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães C... Vale, residente na Urbanização São G... , 2.º Dto., Fafe, C.. Freitas, residente na Avenida das F..., Fafe, e D... Macedo, residente na Rua Castro..., Passos, Fafe, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “F... Hipermercados SA”, com sede na Quinta dos C... , Braga, pedindo a condenação da Ré no pagamento, a título de indemnização, à 1.ª Autora da quantia global de 6.728,23€ e a cada uma das 2.ª e 3.ª Autoras da quantia de 6.600,00€, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

Alegaram, para tanto e em síntese, que a Ré, explora um serviço de “take away”, que põe à disposição dos clientes refeições já confeccionadas; no dia 12/6/2001, a Ré confeccionou e expôs para venda ao público “bacalhau à Brás”, que as Autoras adquiriram, tendo pago o respectivo preço; tal bacalhau apresentava-se com “salmonella enteriditis” e “listeria inócua”, pelo que, após, a sua ingestão, as AA ficaram a padecer de gastrenterite por toxi-infecção alimentar, o que lhes causou danos patrimoniais e não patrimoniais.

Contestou a Ré, excepcionando com o caso julgado, pois que as duas primeiras Autoras já haviam deduzido pedido civil enxertado em processo-crime, com base nos mesmos factos, que foi julgado improcedente, por sentença já transitada em julgado.

Mais excepcionou a inadmissibilidade do pedido deduzido pela 3.ª Autora por desrespeitar o princípio da adesão consagrado no artigo 71.º do Código Processo Penal.

E impugnou os factos alegados pelas autoras.

Concluiu pela procedência das excepções deduzidas e pela improcedência da acção.

Foi admitido o incidente e ordenada a citação da chamada como parte acessória.

“B... & Filhos, SA”, apresentou articulado no qual aderiu ao alegado pela Ré, em matéria de excepção, excepcionando ainda a prescrição do direito das autoras.

Concluiu pela improcedência da acção.

Na réplica, as Autoras propugnaram pela improcedência das excepções e mantiveram o alegado na petição inicial.

Foi poferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas pela Ré e pela chamada.

Organizou-se a matéria de facto assente e a base instrutória.

Inconformada com o despacho saneador, na parte que julgou improcedente a excepção peremptória de caso julgado, dele agravou a ré, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1 O presente recurso é interposto do douto despacho saneador na parte em que decidiu pela improcedência da excepção de caso julgado alegada pela aqui recorrente na sua contestação.

  1. Nos termos do douto despacho recorrido aquela decisão fundamentou-se, em resumo, nos seguintes pressupostos (cfr. págs. 2 e 3 do douto despacho recorrido): "Do confronto da petição inicial desta acção com o requerimento em que foi formulado o pedido de indemnização civil no âmbito do referido processo comum, logo se constata que não há identidade de causa de pedir uma vez que aquela acção civil enxertada em processo criminal baseia-se no cometimento de ilícito criminal, como aliás não podia deixar de ser, donde alegadamente resultaram prejuízos ao passo que na presente acção o que se discute é o cumprimento/incumprimento do contrato e os danos daí resultantes".

  2. Do que se afere do teor daquela douta decisão, a excepção de caso julgado alegada pela aqui recorrente foi julgada improcedente por se entender não verificado um dos requisitos que a lei processual civil faz depender a respectiva procedência: a identidade de causa de pedir (cfr. art° 498°, n° 1 e n° 4 do CPC).

  3. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal conclusão, entendendo-se que a mesma traduz uma interpretação inaceitável e incorrecta do conceito de "identidade de causa de pedir" concretizado e definido no n° 4 do art° 498° do CPC.

  4. Nos termos daquele normativo "há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico".

  5. Assim, a causa de pedir - como decorre da definição legal constante do art° 498°, n° 4, do CPC - é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo; isto é, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos. Por isso, o enquadramento jurídico da situação não é elemento da causa de pedir (cfr. Ac. STJ de 20/01/1994: BMJ, 433° - 495).

  6. A causa de pedir não se refere às razões e argumentos, mas aos acontecimentos da vida em que se apoia (cfr. Ac. STJ de 31/03/1993:BMJ, 425° - 534).

  7. A causa de pedir juridicamente relevante é o facto ou o complexo de factos idóneos à produção de efeitos jurídicos, alegados pelo A. e em que este radica o seu invocado direito, e não a qualificação jurídica dos mesmos operada pelas partes ou pelo julgador (cfr. Ac. RL de 24.06.1997, BMJ n°468, pág. 464).

  8. Assim, não obstante a fundamentação jurídica distinta, ou complementar (responsabilidade objectiva do produtor), em que a Autora fundamentou a presente acção, o que é certo é que é precisamente a mesma ocorrência e os mesmos factos, apontados no pedido de indemnização civil formulado no anterior processo, que as Autoras C... Vale e C... Freitas pretendem que sejam apreciados nos presentes autos.

    Acresce que, 10. Para além do apontado requisito da identidade de causa de pedir, dúvidas não subsistirão pela verificação dos restantes dois requisitos de que a lei processual faz depender a verificação da excepção dilatória de caso julgado: identidade de sujeitos e a identidade de pedido.

  9. Com efeito, aquelas duas Autoras na presente acção, deduziram, no âmbito do processo n° 28/01.3EABRG, que correu termos no 1° Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Braga, o respectivo pedido cível também contra a aqui recorrente Feira Nova (cfr. cópia da referida peça processual que foi junta como doc, n° 1 da contestação e cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos).

  10. Nesse articulado, aquelas mesmas Autoras, começaram por dar como reproduzida a Acusação Pública deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos, apresentando de seguida a sua versão dos factos (cfr. doc. n° 1, junto com a contestação).

  11. Sucede que, como se disse, é precisamente a ocorrência e os factos, apontados nesse pedido civil, aos arguidos e à ora contestante, enquanto demanda civil, que aquelas Autoras pretendem que sejam novamente apreciados na presente acção.

  12. De facto, basta uma simples análise do conteúdo da acusação - junta como doc. n° 2 da contestação e cujo conteúdo se reproduz- e do referido pedido de indemnização civil, junto como doc. n° 1 da mesma contestação, para nos apercebermos que, a causa de pedir e o pedido na presente acção são uma repetição fiel e exaustiva da causa de pedir e do pedido, já discutido no referido processo-crime.

  13. Senão veja-se, os artigos 5°, 6°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16° e 17° da P.l. são uma fiel reprodução de partes da acusação deduzida pelo MP e que, aquelas Autoras, deram integralmente por reproduzida nos pedidos de indemnização civil que apresentaram no âmbito do referido processo-crime (cfr. docs. n°s 1, 2 e 3 da contestação com o teor da P.l.).

  14. E bem assim, os restantes art°s da P.l. são uma reprodução quase exacta, em determinados casos uma cópia integral, dos factos alegados nos referidos pedidos de indemnização civil (confrontar os does. n°s 1 e 2 da contestação com a P.l.).

  15. De resto, a P.l. apresenta, apenas, uma nuance, em relação aos pedidos de indemnização civil que as Autoras C... Vale e C... Freitas apresentaram no processo-crime n° 28/01.3 EABRG, que se prende com os valores peticionados a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

  16. Com efeito, na presente acção aquelas Autoras peticionam quantias (6.600 € para cada uma) que ascendem quase ao dobro dos valores peticionados pelas mesmas nos anteriores pedidos de indemnização civil (3.728,23 € e 3.100€).

  17. Vale isto por dizer que, todos os factos alegados pelas Autoras C... Vale e C... Freitas na presente acção, já foram objecto de prova no âmbito do processo-crime que correu seus termos sob o n° 28/01.3 EABRG, no 1° Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Braga.

  18. Acontece que, nesse processo foi proferida decisão penal absolutória quanto aos crimes que eram imputados aos arguidos, o que por si só não impediria as Autoras de intentar a presente acção, nos termos do disposto no art. 674-B do CPCiv..

  19. Sucede, porém, que essa mesma decisão conheceu, também, de todos os pedidos de indemnização civil formulados, designadamente os apresentados por aquelas duas Autora contra a aqui recorrente (na qualidade de demandada civil, como já se disse) e, bem assim, contra os arguidos e contra a sociedade responsável pelo fornecimento de parte dos produtos alimentares em causa (ovos).

  20. E, a verdade é que, essa sentença julgou totalmente improcedente os pedidos então formulados (cfr. cópia da sentença junta na própria P. l. pelas Autoras que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

  21. Pelo que, nos termos do art. 84° do CPPen., essa decisão penal absolutória, uma vez que conheceu os pedidos cíveis apresentados, nomeadamente os apresentados pelas Autoras C... Vale e C... Freitas, constituiu caso julgado em relação às mesmas, nos termos que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis.

  22. Ou seja, "... a decisão tirada em processo penal que aprecie e julgue o pedido cível de indemnização faz caso julgado material em processo civil" (cfr. CPPen. Anotado, M. Simas Santos e M. Leal Henriques, 2a ed., 1° Volume, anotação ao art. 84°, pp. 441).

  23. Aliás, semelhante posição é pacífica na nossa jurisprudência, defendendo todos os arestos que "a decisão penal, ainda que absolutória, que conhece do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado ás sentenças civis" (cfr. entre outros...

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