Acórdão nº 2690/07-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Fevereiro de 2008
Magistrado Responsável | ANSELMO LOPES |
Data da Resolução | 18 de Fevereiro de 2008 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Após audiência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto –Pº nº 287/05.2GACBC ARGUIDO/RECORRENTE José RECORRIDO O Ministério Público.
OBJECTO DO RECURSO No processo supra referido, ao recorrente foi imputada a prática de factos susceptíveis de integrarem a prática, como autor material e em concurso real, de quatro crimes de maus tratos, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, a), n.º 2 e n.º 6, do Código Penal.
Vieram a ser aplicadas as seguintes penas parcelares: .- 2 anos de prisão pelos crimes de maus tratos cometidos nas pessoas do JM e do RM; .- 2 anos e 3 meses, pelo crime de maus tratos cometido na pessoa de Maria; e .- 1 ano e 4 meses pelo crime de maus tratos cometido na pessoa do AF.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão, pela prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, de quatro crimes de maus tratos, p. e p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, a), e 2, do Código Penal.
Foi ainda imposta a pena acessória de afastamento da residência dos ofendidos, pelo período de dois anos, nos termos do art.º 152.º, n.º 6, do Código Penal.
*Foi ainda o arguido condenado a pagar à demandante Maria a quantia de € 2.500,00 a título dos danos não patrimoniais.
Desta decisão vem interposto o presente recurso, entendendo o recorrente que a pena é excessiva, sendo certo que o seu comportamento radica na ingestão de bebidas alcoólicas e que a prisão não é o meio idóneo para a sua ressocialização.
Nestes termos, diz que, sendo justa e suficiente para atingir os fins da norma incriminadora e para efeitos de exigências de prevenção uma pena de prisão não superior a 2 anos e que a mesma deverá ser suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, com a pena acessória de afastamento da habitação da esposa já aplicada.
MATÉRIA DE FACTO 1. O arguido e Maria contraíram casamento civil em 16 de Novembro de 1985.
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São filhos do casal RM, JM e AF.
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O menor AF tem necessidades motoras especiais, deslocando-se em cadeira de rodas e necessitando do auxílio de terceiros para tratar da sua higiene e alimentação.
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A casa de morada de família situa-se em Lugar X.
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Atendendo às barreiras de mobilidade e arquitectónicas, e às insuficientes condições de conforto e habitabilidade que a originária casa de morada de família apresentava, os progenitores do arguido doaram ao casal o prédio urbano acima mencionado.
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Tal prédio, por intervenção da Segurança Social, beneficiou de obras de adaptação às especiais necessidades motoras de AF.
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O arguido não tem trabalho certo e, actualmente, vive da ajuda dos seus pais, em casa destes.
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Padece de alcoolismo, tendo tentado, pelo menos, três tratamentos, sem êxito.
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Foi acompanhado em consulta de psiquiatria desde 1999 até 2002, tendo faltado à última consulta agendada para 12 de Novembro de 2002.
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Esteve internado no departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de S. Marcos durante o mês de Maio de 2002.
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O arguido habitualmente iniciava os consumos de bebidas alcoólicas – normalmente vinho e cerveja – logo pela manhã, estando aparentemente abstinente actualmente.
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Os factos que a seguir se descrevem aconteciam normalmente quando o arguido se encontrava alcoolizado.
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Sobretudo a partir de 1990, o arguido começou a agredir física e psicologicamente a sua mulher Maria, sendo que tais agressões se foram agravando com o avançar dos anos.
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Ao longo do tempo decorrido desde então, e sempre no interior da residência – embora em datas não concretamente apuradas, sendo certo que nos últimos anos tais ocorrências eram diárias – o arguido dirigia-se à sua mulher Maria, chamando-lhe ”puta”, “vaca” e “vaca taurina”; por vezes, tais expressões eram gritadas quando chegava, de madrugada, estando Maria a dormir, junto do seu filho AF; desferia-lhe estalos na cara; puxava-lhe o cabelo; atirava-lhe e/ou desferia contra o seu corpo os objectos que tivesse à mão no momento.
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Nestas alturas, Maria refugiava-se, fechando-se num dos quartos da casa, e o arguido atirava contra as portas ferros, cabos de vassouras e facas, sendo que, como consequência directa e necessária de tais factos, duas das portas da casa de morada de família ficaram completamente esburacadas e destruídas, facto que deixou os filhos do casal e Maria profundamente desgostosos, já que a casa beneficiara de obras recentes para adaptação às necessidades motoras de AF.
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Estes episódios de violência, geralmente só cessavam quando o arguido adormecia ou por intervenção do pai deste, que ali era chamado.
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Como consequência directa e necessária de tais factos, por várias vezes – embora em número e datas não concretamente apurados – resultaram para Maria hematomas no pescoço, braços e cara, dos quais nunca recebeu tratamento hospitalar.
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Como consequência directa e necessária de tais factos, Maria – embora em datas não concretamente apuradas – ausentou-se da casa de morada de família por períodos não superiores a três dias, alturas em que permanecia na casa de sua irmã, desabitada por esta se encontrar emigrada em Espanha.
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Na noite de 26 de Julho de 2005, o casal encontrava-se na cozinha da casa de morada de família, sendo que, a certa altura, e sem nada que o fizesse prever, o arguido muniu-se de um prato que ali se encontrava, que arremessou contra Maria, que só não foi atingida porque se desviou.
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Acto contínuo, e enfurecido por não ter atingido sua mulher, o arguido desferiu um pontapé na coxa direita desta, e deu-lhe murros em várias partes do corpo. 21. Tendo o seu filho RM chegado em auxílio de Maria, o arguido muniu-se de uma faca e dirigiu-lhes a seguinte expressão: “ides dar a cona e o cu seus filhos da puta”.
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Neste dia o arguido não aparentava estar alcoolizado.
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Maria, JM e AF refugiaram-se na casa da irmã de Maria, na qual têm permanecido desde então.
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Esta casa é pequena, não dispõe de casa de banho, e não está adaptada às especiais necessidades de mobilidade de AF, já que tem escadas e o seu confinamento não permite que a cadeira de rodas dê a volta no seu interior.
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Os factos supra descritos ocorriam habitualmente durante as refeições, ao almoço e/ou ao jantar, altura em que a família se encontrava toda reunida, pelo que os três filhos do casal eram espectadores da actuação do pai em relação à mãe.
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Normalmente, esses factos somente cessavam quando o arguido se deitava e adormecia.
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RM desde criança presenciou a violência que o seu pai dirigia a sua mãe, exercida nos termos acima descritos, em consequência do que, temendo pela sua integridade física, por muitas vezes – embora em datas não concretamente apuradas – teve de fugir de casa, assim como o seu irmão JM, pernoitando em casa de vizinhos e em palheiros.
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Tais factos, em certos períodos, ocorriam “dia-sim, dia-não”.
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O arguido frequentemente entrava em casa embriagado, e já de madrugada, gritando “filha da puta, vaca e taurina”, acordava todos os elementos da família, não permitindo o descanso nocturno desta.
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Como consequência directa e necessária de tais factos, e porque sendo padeiro, iniciava a sua actividade laboral às 5h45m – facto que o arguido bem conhecia – RM teve, em meados do ano de 2003, de abandonar a casa de morada de família.
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JM frequentemente intercedia pela sua mãe quando os episódios de violência aconteciam, em resultado do que acabava, também ele, por ser física e psicologicamente agredido pelo arguido.
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JM, nessas e noutras vezes, era fisicamente agredido por seu pai, que lhe batia em várias partes do corpo com um pau ou com um cinto e respectiva fivela, em diversas datas não concretamente apuradas, sobretudo quando aquele regressava da escola.
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Nestas alturas, o arguido dirigia-se a JM chamando-lhe “filho da puta”, “cabrão” e “cão”.
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As situações de agressão prolongavam-se por cerca de dez minutos, e para fazer com que as mesmas cessassem, JM teve por várias vezes – em datas não concretamente apuradas – de fugir de casa, durante a madrugada, trajando somente roupa interior, dormindo em palheiros, sendo que, numa dessas vezes, se deslocou a pé, para Cabeceiras de Basto, para casa do seu irmão RM.
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Em dia e ano não concretamente apurados, passando já da meia-noite, o arguido, tendo chegado a casa alcoolizado, dirigiu-se ao quarto de AF, que aí dormia com Maria, em quem bateu, na presença daquele menor.
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Acordando com o choro de sua mãe, o filho do casal, JM -, levantou-se e dirigiu-se ao referido quarto, com a intenção de fazer cessar aquelas agressões e de socorrer a sua mãe.
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Todavia, o arguido desferiu vários murros no corpo de JM, que o fizeram cair, sendo que entretanto, e permanecendo no chão, foi continuamente pontapeado pelo arguido.
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Em dia e ano não concretamente apurados, cerca das 20h30m, o arguido dirigiu-se a JM, que chegava a casa, e chamou-lhe nomes ofensivos da sua honra e consideração, entre os quais os acima apontados, desferiu-lhe várias bofetadas na cara, após o que tirou o cinto das calças que desferiu contra várias partes do corpo de JM.
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Como consequência directa e necessária destes factos, JM ficou com o corpo marcado com hematomas, não tendo recebido tratamento hospitalar.
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JM cresceu infeliz e rodeado por um clima de terror, gerado pelo comportamento do arguido, sendo que a factualidade descrita não lhe permitia a obtenção de resultados escolares positivos, e lhe determinou o abandono da escolaridade ao completar o 6.º ano do 2.º ciclo.
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O arguido também impunha na casa e aos seus filhos regras, tais como proibi-los de comer um pão quando regressavam da escola.
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O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de agredir fisicamente a sua mulher e os seus filhos, e de os maltratar psiquicamente, com o fim de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência física e psíquica, como fez.
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Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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O arguido não tem antecedentes criminais.
Mais se provou: 45. De todas as vezes que...
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