Acórdão nº 1739/07-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2008
Magistrado Responsável | CRUZ BUCHO |
Data da Resolução | 25 de Fevereiro de 2008 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães: *I- Relatório No Tribunal Judicial de Melgaço, no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 41/03.6TAMLG, por acórdão de 31 de Maio de 2007, o arguido Manuel O..., com os demais sinais dos autos, foi condenado: a) pela prática de um crime de maus tratos, na pessoa da assistente, p. e p. pelos arts. 152°, n.º2 e n.º5, a), e 144°, a), Cód. Penal, na pena de 5 anos de prisão; b) pela prática de um crime de maus tratos, na pessoa do filho, p. e p. pelo arf. 152°, n° 1, a), Cód. Penal, na pena de 2 anos de prisão; c) pela prática de um crime de maus tratos, na pessoa da filha, p. e p. pelo arf. 152°, n° 1, a), Cód. Penal, na pena de 18 meses de prisão; d) em cúmulo jurídico na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; Em sede civil o arguido foi condenada a pagar à demandante/assitente Isabel A... a quantia de 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de “juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a presente data até integral pagamento".
*Inconformado com tal acórdão, o arguido dele interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1 - 1 - Encontra-se erradamente julgada toda a matéria considerada como provada, à excepção da constante nos primeiros dois parágrafos de fls. 2 do acórdão, e no último de fls. 5.
2 - Tal matéria encontra-se erradamente julgada, porquanto: d) A assistente e os filhos depuseram (cassete 1, lado A, 1690 a 2500 e lado B, cassete 2, lado A, de O a 296, a primeira; cassete 2, lado A, de 296 a 1615, a Tânia e cassete 2, lado A, de 1615 a 2500 e desde O a 1504 do lado B, o Manuel), como se de uma cassete se tratasse, sendo que estes últimos, inclusive, fazem referências a casos que não poderiam ter visto, evidenciando-se que a Tânia, desde logo, teve o cuidado de esclarecer que os de fora viam, de forma diferente, tudo normal, sendo notório que tais depoimentos nunca podem estar dissociados duma atitude defensiva quanto aos factos que o acórdão de fls. 568 e seguintes narra.
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Os seus depoimentos apenas são parcialmente corroborados pela mãe da assistente, Preciosa A... (cassete 3, lado A, de 162 a 2146) e pelas irmãs, Piedade D... (cassete 3, lado A, de 2146 a 2500 e lado B, de O a 1876) e Maria AD... (cassete 4, lado A, de 382 a 1285), sendo que, mesmo assim, a Preciosa nega os factos pretensamente ocorridos em 1 de Janeiro de 1991, bem como os de 12 de Maio de 2001, sendo que nem ela, nem as irmãs, conseguem arranjar uma explicação, minimamente aceitável, para, a terem ocorrido quaisquer factos ilícitos, os não terem denunciado em tempo útil.
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Todas as outras testemunhas, sem excepção, algumas próximas da casa, Diogo R... (cassete 2, lado B, de 1504 a 2500), Manuel AM... (cassete 3, lado B, 1947 a 2500), José AD… (cassete 4, lado A, de O a 382), Armando P… (cassete 6, lado A, de O a 406), Maria R… (cassete 6, lado A, de 510 a 650), João A… (cassete 7, lado A, de O a 720), Paula P… (cassete 7, lado A, de 767 a 966), Valentina L… (cassete 7, lado A, de 966 a 1282), Manuel C… (cassete 7, lado A, de 1282 a 1368), Rosa A… (cassete 7, lado A, de 1382 a 1568), Maria E… (cassete 7, lado A, de 1585 a 1863), Rafael P… (cassete7, lado A, de 1863 a 2079), Avelino R… (cassete 7, lado A, de 2079 a 2223), Júlio L… (cassete 7, lado A, 2223 a 2331), Maria B… (cassete 7, lado A, de 2331 a 2400), Joaquim M… (cassete 7, lado A, 2400 a 2500 e lado B, de O a 415) ou nunca viram nada de anormal, ou confirmam a versão do recorrente (cassete 1, lado A, de O a 1690, cassete 3, lado A, de 1930 a 2146, cassete 3, lado B, de 1876 a 1947, cassete 4, lado A, de 1285 a 1317, cassete 6, lado A, 406 a 510, cassete, 6, lado A 650 a 763, cassete 7, lado A, de 720 a 767, cassete 7, lado A, de 1368 a 1381, cassete 7, lado A, de 1568 a 1585, cassete 7, lado B, de 415 a 602), quer por terem visto (o Joaquim), quer por terem ouvido directamente da assistente (Valentina).
DE DIREITO (ARTIGO 412°, N° 1 E 2 DO CPP) 1 - O acórdão recorrido é nulo, porquanto continua a não ter o exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal e utilizou meios de prova não examinados em audiência.
2 - O exame crítico aludido consubstancia-se na explicitação do processo da formação da convicção do tribunal indicando, designadamente, a razão de ciência e credibilidade das testemunhas.
3 - No caso, limita-se a fazer a narrativa dos meios de prova utilizados.
Para além disso, 4 - O acórdão faz referência a provas que não foram examinadas em audiência (artigo 362º, n.1, al. a) do CPP), pelo que não podem ser valoradas 5 - Tais vícios obrigam à reformulação do acórdão, para que os mesmos sejam extirpados.
SEM PRESCINDIR 6 - Se se pudessem considerar apurados os factos constantes da decisão recorrida, à excepção do ocorrido em 12 de Maio de 2001, que, em nenhuma circunstância, se pode considerar provado, teria o recorrente praticado três crimes de maus tratos, por serem três os ofendidos.
7 - Tais factos teriam necessariamente ocorrido há cinco anos e meio.
8 - Não há sinais de qualquer comportamento ilícito posterior, sendo certo que o recorrente ainda é primário.
9 - Tal significa que, face aos critérios do artigo 71 ° do CP, se adequava a cada crime pena parcelar igual ao mínimo legal abstracto.
10 - Em cúmulo jurídico, face aos critérios do artigo 77°, n.º 1 do CP, a pena unitária deve ser fixada em 18 meses.
11 - Porém, verificando-se, como se verificam os condicionalismos previstos no artigo 50° do CP, deve tal pena ser suspensa na sua execução.
12 - Ao ter entendido de outra forma, violou a decisão recorrida os normativos citados».
*O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 1417.
*A assistente respondeu dando por integralmente reproduzida a resposta que havia anteriormente apresentado*O Ministério Público junto do tribunal recorrido pugna pela manutenção do julgado.
*Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer pronunciando-se igualmente no sentido de o recurso não merecer provimento.
*Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com o formalismo aplicável.
* II- Fundamentação 1.
É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo: A) Factos provados (transcrição; numeração nossa): «1) Arguido e assistente Isabel A... viveram em condições análogas às dos cônjuges durante 19 anos e meio, estando separados de facto desde fins de Janeiro de 2002.
2) Desta união nasceram dois filhos, Manuel O... e Tânia D…, respectivamente a 21 de Junho de 1983 e a 8 de Maio de 1990.
3) O relacionamento entre o casal sempre foi pautado por violência, que o arguido, de forma repetida, infligia à assistente e aos dois filhos.
4) Na casa de morada de família do arguido e da assistente, sita no lugar de Bairro Grande, freguesia de Penso, Melgaço, desde o ano em que iniciaram a sua vida em conjunto, nos inícios da década de 1980, até à separação de facto, o arguido agredia fisicamente a assistente, desferindo-lhe murros e pontapés em várias partes do corpo, e apelidava-a frequentemente de “puta” e “vaca”.
5) Ao longo da gravidez da filha Tânia, a assistente foi várias vezes agredida pelo arguido com murros e pontapés em todo o corpo, inclusive na barriga. Aos oito meses de gravidez, o arguido desferiu duas bofetadas à assistente, que lhe causaram mal-estar tal que teve de ser internada, no dia seguinte, no Hospital de Viana do Castelo, em trabalho de parto, recusando-se o arguido a levá-la ao Hospital, bem como a apoiá-la no pós-parto.
6) No dia 1 de Janeiro de 1991, na casa dos pais da assistente, o arguido empurrou a assistente, tendo os pais desta intervindo no sentido de socorrer a filha.
7) Nessa altura, os pais da assistente foram agredidos pelo arguido com diversos murros e pontapés, indistintamente pelo corpo, tendo a mãe da assistente, Preciosa A..., sido puxada pelos cabelos para o caminho público frente à sua casa. O pai da assistente teve necessidade de ser assistido no Centro de Saúde de Melgaço, sendo transferido para o Hospital de Viana do Castelo, dada a gravidade dos ferimentos infligidos pelo arguido.
8) Durante os meses de Abril e Junho de 1997, em dias que não foi possível apurar, o arguido bateu na assistente, desferindo-lhe diversos murros na barriga e na cara e pontapés por todo o corpo, arrastando-a pelos cabelos.
9) Também em data que não foi possível apurar, mas que se situa sensivelmente por volta de 2000, o arguido, depois de um encontro com uma amante, e quando a assistente o confrontou com o mesmo, ficou transtornado e, munido com uma caneta de metal, desferiu sobre a cabeça da assistente uma pancada tão forte que ela caiu desmaiada no chão. Estes factos foram praticados na presença dos filhos, e perante a preocupação destes com o estado de saúde da mãe, visto estar em causa a própria vida desta, o arguido, após ter deitado uma bacia de água fria na cara da assistente, proferiu as seguintes expressões, dirigindo-se aos filhos: “não se preocupem que, se ela morresse, deitava-a ao rio Minho com uma pedra atada aos pés”.
10) Em data que não foi possível apurar, mas que terá sido entre 1999 e 2000, e após uma discussão entre a assistente e o arguido, este, conduzindo um tractor, tentou atropelá-la, chegando mesmo a atingi-la na perna esquerda.
11) Também em dia que não foi possível identificar, depois de mais uma vez agredir, e de uma forma repetida, a assistente com murros e pontapés, arrastou-a pelos cabelos para o quarto na casa do casal, dizendo que a ia violar, por via anal. O arguido já tinha tido comportamento idêntico, mas desta vez não logrou tal efeito, porque a assistente fugiu, saltando pela janela, e ficou com lesões em duas costelas, tendo necessitado de tratamento médico.
12) Em dia indeterminado de Setembro de 2000, porque a assistente danificou uma videira com o tractor que conduzia...
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