Acórdão nº 2261/11.0TBBRG-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução10 de Abril de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO «J…, Lda.» apresentou-se à insolvência alegando desequilíbrio financeiro que não lhe permite cumprir de forma atempada todos os seus compromissos, tendo entrado em incumprimento junto da generalidade dos seus fornecedores e junto da administração fiscal e segurança social e não tendo meios para fazer face ao mesmo.

A requerente apresentou proposta de plano de insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 192.º e seguintes do CIRE.

Por sentença de 06/04/2011 foi declarada a insolvência da requerente e determinado que a administração da massa insolvente seja assegurada pela devedora, sob fiscalização do administrador nomeado.

O administrador nomeado apresentou o Relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE no qual propôs que a Assembleia de Credores delibere que se mantenha a laboração da empresa, não se procedendo ao encerramento do seu estabelecimento e que seja determinada a suspensão da liquidação e partilha da massa insolvente e que a administração da empresa que integra a massa insolvente continue confiada à devedora, nos termos do artigo 223.º e seguintes do CIRE.

Teve lugar a Assembleia de Credores em que foi aprovado o relatório apresentado pelo administrador e se determinou que os autos prosseguissem para apreciação da proposta de plano de insolvência apresentado pela devedora, que foi admitidos, tendo-se cumprido o disposto no artigo 208.º do CIRE.

Seguiu-se a Assembleia de Credores para deliberação sobre a proposta de plano de insolvência, tendo a votação determinado os seguintes resultados: • um dos credores requereu o voto por escrito; • votos a favor: 75,01%; • votos contra: 23,52% (entre os quais o Instituto da Segurança Social de Braga e a Fazenda Nacional).

O credor que requereu o voto por escrito, votou contra a proposta de plano de insolvência.

Foi proferida decisão que não homologou o plano de insolvência aprovado, declarando o termo da administração pela devedora e determinando o prosseguimento dos autos para liquidação.

Discordando da decisão, dela interpôs recurso a requerente/insolvente, tendo, nas alegações, apresentado as seguintes Conclusões:

  1. A questão da indisponibilidade dos créditos da “Segurança Social” e da “Fazenda Pública” já há muito havia sido dirimida e de forma unânime, pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores portugueses.

  2. Consiste este entendimento, iniciado é certo nesse Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no facto do plano de insolvência poder, ao abrigo do artigo 196º nº 1 als. a) e c) do CIRE, perdoar ou reduzir TODOS os créditos privilegiados e comuns, inclusive os do Estado, na medida em que implica a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência perante as normas de natureza fiscal.

  3. Conforme é referido no Douto Acordão do STJ de 02-03-2010 in www.dgsi.pt proc. nº 4454/08.5TBLRA-F.C.S1, “Não há violação do principio da legalidade fiscal, nem do principio da igualdade, uma vez que não existe violação de normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas observância de um regime especial criado pelo próprio legislador e plasmado no CIRE, em ordem a consagrar a igualdade de tratamento para todos os credores do insolvente e em que a lei prevê a possibilidade de os créditos do Estado serem despojados de privilégios, mesmo sem a sua aquiescência, inexistindo também por isso, violação de qualquer principio constitucional, nomeadamente o estabelecido no artigo 103º nº 2 do CRP.” D) A homologação dos planos de insolvência representa cerca de 1,5% do universo das empresas e empresários que se apresentam à insolvência.

  4. O Estado ao invés de acarinhar e apoiar a recuperação das empresas, tudo fazia e faz, de forma sistemática e reiterada, para impedi-las de tal desiderato, o que é absolutamente paradoxal, sobretudo na situação actual da economia portuguesa.

  5. O enquadramento legal da Fazenda Pública para apoiar qualquer empresa, mormente no que tange a garantias exigidas e obrigação de alteração da sua administração, equivale na prática à impossibilidade efectiva de recuperação.

  6. No panorama da economia nacional é absolutamente devastador pois certo é que da liquidação da empresa resulta, na esmagadora maioria dos casos que, não só o Estado não recebe qualquer pecúlio adicional como o não receberão todos os seus restantes credores, com todas as consequências que temos vindo a assistir na actualidade.

  7. Foi exactamente nesta ordem de ideias que foi elaborado o CIRE e, foi exactamente nesta ordem de ideias que se foi alicerçando a Jurisprudência, conforme resulta do Acordão do STJ de 04-06-2009 in www.dgsi.pt em que é expressamente referido que “Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, seria desproporcional que o processo de insolvência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais créditos e da insolvência.” I)E assim, “Não se põe em causa o carácter imperativo dos artigos 30º nº 2 e 36º nºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo D.L. nº 398/98 de 17.12 e do artigo 196º nº 1 e 5 do CPPT, aprovado pelo D.L. nº 433/99 de 26.10. Só que tais normativos tem o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, ou seja, no domínio das relações entre a administração tributária, agindo como tal, e os contribuintes, não encontrando apoio no contexto do processo especial, como é o processo de insolvência, onde a actuação da Fazenda Nacional se situa num plano perfeitamente distinto, pois, ao intervir nesse processo, aceita o concurso dos demais credores de determinado contribuinte num quadro em que releva a incapacidade do devedor insolvente para satisfazer as suas dívidas, inclusive as dívidas ao Estado, mesmo de natureza fiscal, devendo em consequência este intervir como credor, tendo em conta a existência dos demais credores e aquela situação de incapacidade, e em observância do tendencial principio de igualdade entre credores, despido do seu jus imperii, que o colocaria numa situação de tratamento privilegiado perante os demais.

  8. A Fazenda Pública e a Segurança Social, não conseguindo certamente demover quem de Direito para alterar o CIRE e os seus fundamentos, de forma até a que os intervenientes processuais ficassem a conhecer de uma vez por todas quais as “regras do jogo”, resolveu, com uma manobra, sem dúvida habilidosa, mas manifestamente ilícita, alterar o artigo 30º da Lei Geral Tributária através da Lei nº 55-A/2010, adicionando um número 3 que refere que a indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre qualquer legislação especial?!?, K)Sendo o mesmo aplicável “designadamente aos processos de insolvência que se encontram pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos”. – artigo 125º da Lei 255-A/2010 de 31.12.

  9. Ou seja, este pequeno aditamento põe não só em causa os fundamentos e o próprio normativo do CIRE como põe em causa todos os processos de recuperação de empresas e assim, a própria sobrevivência da depauperada economia nacional.

  10. Em primeiro lugar, entende a Recorrente estarmos perante uma manifesta inconstitucionalidade por violação do artigo 112º nº 2 da Constituição da...

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