Acórdão nº 160/09.5TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação do Guimarães.

I- RELATÓRIO Recorrente: Companhia de Seguros G…S.P.A..

Recorrida: D….

A A., D… intentou a presente acção declarativa com forma de processo ordinária demandando a R., Companhia de Seguros G…, S.P.A., pedindo sua a condenação a pagar-lhe o montante global de € 123.130,00, acrescido de juros de à taxa legal, a contar do trânsito em julgado da decisão a proferir e até efectivo pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Como fundamento de tal pretensão alega, em síntese, que no dia 28 de Dezembro de 2007, por volta das 15h30m, no entroncamento da Rua Dr. Carlos Malheiro Dias com a Alameda Professor Abel Salazar, na cidade de Guimarães, ocorreu um acidente de viação, consubstanciado no facto de ela própria ter sido atropelada pelo veículo automóvel com a matrícula ...-CN, da propriedade de R… e conduzido por A….

Mais alega que, por virtude da ocorrência do acidente, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais dos quais deve ser ressarcida em montante equivalente ao peticionado, sendo que pelo pagamento de tal indemnização é responsável a Ré, pelo facto de, à data do acidente, para ela estar transferida a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel causador do acidente.

Válida e regularmente citada, apresentou a Ré a sua contestação, e, defendendo-se por via transversal, alegou uma versão diferente de toda a dinâmica de ocorrência do sinistro, concluindo pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.

Não foi apesentada réplica.

Foi saneado o processo, afirmando-se a validade e regularidade da instância e organizando-se despacho sobre a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto controvertida do processo, sendo lavrada sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a Autora, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões: “I – Na 1ª instância ocorreu a gravação de todos os depoimentos prestados na audiência de julgamento. Assim, atendendo aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela autora e pela ré e, bem assim, à prova documental junta aos autos, considera-se ter havido pontos de factos que foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo, concretamente, o número 42 dos factos provados (quesitos 40º, 41º e 42º da base instrutória) e os números 43, 44, 45, 46, 47, 48 e 49 dos factos provados (quesitos 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º e 49º da base instrutória).

II – Visto que constam dos autos e das gravações todos os elementos necessários à sindicância desse julgamento (Art. 712º, nº 1, al. a) e nº 2 do CPC), há condições e motivos para alterar algumas das respostas aos quesitos, os quais deverão passar a ter a seguinte resposta: - quesitos 40º, 41º e 42º: não provados; e - quesitos 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º e 49º: não provados.

III – Considera-se que o Tribunal a quo violou e fez errada interpretação dos Arts. 483º e 487º, nº 2 do Código Civil e do Art. 101º, nºs 1 e 2 do Código da Estrada.

IV – Da prova existente nos autos não se pode concluir que a autora efectuou a travessia da via pública alheada do trânsito e sem olhar para a respectiva direita. Aliás, no seu depoimento, a autora é categórica ao afirmar que após ter parado no separador central existente na Alameda Professor Abel Salazar, olhou para a sua direita e não viu, nem ouviu, quaisquer veículos em circulação naquela via ou próximos dela. Pelo que, depois de se certificar que podia fazer a travessia da via pública em segurança, iniciou o seu percurso.

V – Ainda que se considere que a autora procedeu à travessia da via pública fora da passadeira, tal não impõe, inexoravelmente, a conclusão de que esta foi a culpada do sinistro, como sentencia o Tribunal a quo.

VI – Embora se imponha aos peões a regra de que não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que o podem fazer sem perigo de acidente, que o devem fazer o mais rapidamente possível e, ainda, que só devem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente sinalizadas para o efeito, certo é que, e na esteira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2008, em que foi relatora Rosa Pires, «(…) em direito estradal os direitos não são absolutos».

VII – Apesar do peão atravessar fora da passadeira não permite concluir que este foi o culpado na produção do acidente. Bem pode acontecer que essa culpa caiba, apesar disso, ao automobilista atropelante. Ou se o não for, se tenha que imputar o acidente ao risco do próprio veículo automóvel.

VIII – A autora cumpriu todas a regras de prudência e cuidado, impostas nos Arts. 99º e 101º, nº 1 do Código da Estrada.

IX – Por sua vez, no caso em apreço, não parece que o condutor do veículo segurado pela ré tivesse respeitado os deveres de cuidado e atenção que lhe estão adstritos.

X – Resulta do depoimento do condutor do veículo, que este conduzia de forma desatenta e descuidada, tanto que, quando embate na autora, nem se apercebe no que embateu, e diz mesmo no seu depoimento que não viu no que embateu e só se dá conta do atropelamento quando pára o veículo e já fora deste vê a autora prostrada no chão.

XI – Considerando a factualidade dada como provada e a restante prova existente nos autos, verifica-se que o condutor do veículo segurado pela ré violou o disposto nos Arts. 24º, nº 1, 25º, nº 1 als. a) e b) e 103º, nº 3 do Código da Estrada, ou seja, não respeitou as exigências de moderação da velocidade, considerando que se preparava para executar uma manobra de mudança de direcção e que se aproximava de uma passadeira para peões, num local onde existia uma escola e uma zona habitacional, o que tudo exigia especial prudência e moderação da velocidade.

XII – Este comportamento do condutor do veículo impõe que, nos termos dos arts. 483º e 487º do C.C., se lhe atribua a culpa exclusiva na produção do acidente.

XIII – Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter condenado a ré seguradora a pagar à autora indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, por esta sofridos na sequência do atropelamento, em montante não inferior ao peticionado, ou seja, 123.130,00€.

XIV – Se assim se não entender, ou seja, se não se considerar o condutor do veículo o único e exclusivo culpado, sempre se deverá atribuir-se ao condutor do veículo segurado pela ré, parte da culpa na produção do acidente, havendo, deste modo, concorrência de culpas, na proporção de 80% para o condutor do veículo e de 20% para a autora.” Por sua vez, após ter suscitado a questão de, em seu entender, os autos não conterem todos os elementos probatórios de que se serviu a decisão recorrida, entende a Apelada que a decisão proferida em 1ª instância consubstancia uma criteriosa avaliação da matéria de facto e um correcto e bem fundamentado juízo de valor sobre os comportamentos dos intervenientes no acidente, razão pela qual, deve o presente recurso ser julgado improcedente mantendo-se a sentença recorrida.

* Colhidos os vistos, cumpre decidir.

* II – Delimitação do objecto do recurso.

Sendo certo que, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 660º, nº 2, 664º, 684º e 685º-A, nº 1, todos do C.P.C.), podem ser enunciadas as seguintes questões a decidir: - Apreciar se por virtude de os autos não conterem todos os elementos probatórios de que se serviu a decisão recorrida sobre a matéria de facto, está última pode ser alterada pela Relação.

- Apreciar da decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada, e se a Apelante cumpriu os ónus impostos pelos artigos 712º e 685º-B do C.P.C., que é de oficioso conhecimento; - Apreciar se o evento é ou não imputável exclusivamente a conduta do lesado ou antes se é imputável a conduta do condutor do veículo segurado na ré, ou, eventualmente, até a ambos, em termos de culpa concorrente.

- Caso proceda a pretensão da Apelante no sentido de se considerar a demandada responsável pela obrigação de indemnizar, apreciar dos montantes indemnizatórios.

III – FUNDAMENTAÇÃO.

A- Fundamentação de facto.

A decisão recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto: 1.- Em 28 de Dezembro de 2007, por volta das 15.30h, no cruzamento ou entroncamento da Rua Dr. Carlos Malheiro Dias com a Alameda Prof. Abel Salazar, nesta cidade, ocorreu um acidente de viação (al. A dos factos assentes).

  1. - A alguns metros desse cruzamento ou entroncamento fica a Escola Secundária Martins Sarmento (al. B dos factos assentes).

  2. - A Alameda tem, ali, um espaço separador central, longitudinalmente, ao longo da via (al. C dos factos assentes).

  3. - De modo que a via fica dividida em duas faixas de rodagem, sendo uma de sentido ascendente e outra de sentido descendente (al. D dos factos assentes).

  4. - E tem, naquele local, duas passadeiras, consecutivas, uma em cada faixa de rodagem (al. E dos factos assentes).

  5. - Facilitando a travessia de peões do lado da Escola (conhecida por antigo Liceu de Guimarães) para o lado oposto, na largura da via da Alameda (al. F dos factos assentes).

  6. - Cada uma das duas passadeiras tem cerca de 10 (dez) metros de comprimento (al. G dos factos assentes).

  7. - O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, “Opel Corsa”, de matrícula ...-CN, pertence a R…, residente na Alameda...(al. H dos factos assentes).

  8. - Mas era conduzido por A…, solteiro, de 19 anos de idade, residente na Alameda… (al. I dos factos assentes).

  9. - Veículo esse que foi embater, lateralmente, pelo menos com o seu espelho retrovisor lateral direito, no corpo (zona da anca) da A., a esta causando a lesão patenteada na fotografia junta (al. J dos factos assentes).

  10. - No local do acidente a via é dotada de passadeiras, assinaladas na faixa de rodagem, para a travessia de peões (al. L dos factos assentes).

  11. - E tem ali, muito próxima, uma escola, concretamente, a Escola...

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