Acórdão nº 1659/10.6TBVCT de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO BUCHO
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Nos autos de insolvência em que são requerente G. A…. e requerida Viana…Ldª , foi proferida a seguinte decisão: Pelo exposto, decide-se, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 215 e 216, n21, ai. a) CIRE recusar a homologação por sentença do plano de insolvência aprovado e apresentado pela devedora a fls. 762 e segs. dos autos, com as alterações operadas em sede da respectiva assembleia de discussão e votação constantes de fls. 877 a 880.

Em consequência, decide-se: a) declarar o encerramento imediato da actividade da devedora, com a consequente imediata apreensão dos bens (cf. artigos 149 e ss CIRE); b) a imediata liquidação dos bens que integram a massa insolvente (cf. artigo 156, n. 24, a). b) CIRE).

Inconformados vieram a requerente, os credores Anturius e Tesouros Ldª (foi ordenado o desentranhamento das alegações de Manuel) interpor recursos, cujas alegações terminam com conclusões: Conclusões da requerente: A)A Meritíssima Juiz “a quo” decidiu não homologar o plano de insolvência apresentado pela Recorrente, o qual havia sido devida e legalmente aprovado pelos seus credores a instâncias da credora “Instituto da Segurança Social, IP” e, por fundamentos distintos, a instâncias da credora “GA”.

DOS ARGUMENTOS DO “INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP” B) A questão da indisponibilidade dos créditos da “Segurança Social” e da “Fazenda Pública” já há muito havia sido dirimida e de forma unânime, pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores portugueses.

  1. Consiste este entendimento, iniciado é certo nesse Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no facto do plano de insolvência poder, ao abrigo do artigo 196º nº 1 als. a) e c) do CIRE, perdoar ou reduzir TODOS os créditos privilegiados e comuns, inclusive os do Estado, na medida em que implica a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência perante as normas de natureza fiscal.

  2. Conforme é referido no Douto Acórdão do STJ de 02-03-2010 in www.dgsi.pt proc. nº 4454/08.5TBLRA-F.C.S1, “Não há violação do principio da legalidade fiscal, nem do principio da igualdade, uma vez que não existe violação de normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas observância de um regime especial criado pelo próprio legislador e plasmado no CIRE, em ordem a consagrar a igualdade de tratamento para todos os credores do insolvente e em que a lei prevê a possibilidade de os créditos do Estado serem despojados de privilégios, mesmo sem a sua aquiescência, inexistindo também por isso, violação de qualquer principio constitucional, nomeadamente o estabelecido no artigo 103º nº 2 do CRP.” E) A homologação dos planos de insolvência representa cerca de 1,5% do universo das empresas e empresários que se apresentam à insolvência.

  3. O Estado ao invés de acarinhar e apoiar a recuperação das empresas, tudo fazia e faz, de forma sistemática e reiterada, para impedi-las de tal desiderato, o que é absolutamente paradoxal, sobretudo na situação actual da economia portuguesa.

  4. O enquadramento legal da Fazenda Pública para apoiar qualquer empresa, mormente no que tange a garantias exigidas e obrigação de alteração da sua administração, equivale na prática à impossibilidade efectiva de recuperação.

  5. No panorama da economia nacional é absolutamente devastador pois certo é que da liquidação da empresa resulta, na esmagadora maioria dos casos que, não só o Estado não recebe qualquer pecúlio adicional como o não receberão todos os seus restantes credores, com todas as consequências que temos vindo a assistir na actualidade.

  6. Foi exactamente nesta ordem de ideias que foi elaborado o CIRE e, foi exactamente nesta ordem de ideias que se foi alicerçando a Jurisprudência, conforme resulta do Acórdão do STJ de 04-06-2009 in www.dgsi.pt em que é expressamente referido que “Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, seria desproporcional que o processo de insolvência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais créditos e da insolvência.” J)E assim, “Não se põe em causa o carácter imperativo dos artigos 30º nº 2 e 36º nºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo D.L. nº 398/98 de 17.12 e do artigo 196º nº 1 e 5 do CPPT, aprovado pelo D.L. nº 433/99 de 26.10. Só que tais normativos tem o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, ou seja, no domínio das relações entre a administração tributária, agindo como tal, e os contribuintes, não encontrando apoio no contexto do processo especial, como é o processo de insolvência, onde a actuação da Fazenda Nacional se situa num plano perfeitamente distinto, pois, ao intervir nesse processo, aceita o concurso dos demais credores de determinado contribuinte num quadro em que releva a incapacidade do devedor insolvente para satisfazer as suas dívidas, inclusive as dívidas ao Estado, mesmo de natureza fiscal, devendo em consequência este intervir como credor, tendo em conta a existência dos demais credores e aquela situação de incapacidade, e em observância do tendencial principio de igualdade entre credores, despido do seu jus imperii, que o colocaria numa situação de tratamento privilegiado perante os demais.

  7. A Fazenda Pública e a Segurança Social, não conseguindo certamente demover quem de Direito para alterar o CIRE e os seus fundamentos, de forma até a que os intervenientes processuais ficassem a conhecer de uma vez por todas quais as “regras do jogo”, resolveu, com uma manobra, sem dúvida habilidosa, mas manifestamente ilícita, alterar o artigo 30º da Lei Geral Tributária através da Lei nº 55-A/2010, adicionando um número 3 que refere que a indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre qualquer legislação especial?!?, L)Sendo o mesmo aplicável “designadamente aos processos de insolvência que se encontram pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos”. – artigo 125º da Lei 255-A/2010 de 31.12.

  8. Ou seja, este pequeno aditamento põe não só em causa os fundamentos e o próprio normativo do CIRE como põe em causa todos os processos de recuperação de empresas e assim, a própria sobrevivência da depauperada economia nacional.

  9. Em primeiro lugar, entende a Recorrente estarmos perante uma manifesta inconstitucionalidade por violação do artigo 112º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, a qual expressamente se invoca, dado que este comando legal dispõe que “As leis e os decretos-leis têm igual valor”, pelo que nunca poderia a Lei Geral Tributária impor-se ao Decreto Lei 53/2004 de 18 de Março que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

    O)Por outro lado, temos que este aditamento põe em causa o artigo 7º nº 3 do Código Civil que refere que “A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.

  10. Com efeito, a Lei Geral Tributária não impor-se ao CIRE no âmbito dos próprios processos judiciais que este último regula e que por Lei lhe foram atribuídos, declarando que prevalece sobre esta legislação especial “sugando-lhe” os seus próprios alicerces e fundamentos, conforme resulta, de forma inequívoco do teor dos Doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça supra referidos.

  11. Não resulta que seja esta a intenção inequívoca do Legislador, pois que, se o fosse, o CIRE também teria sido alterado, mormente e de forma mais evidente, os seus artigos 97º e 196º que extinguem os privilégios creditórios do Estado e da Segurança Social e permitem a redução e modificação de créditos.

  12. Podendo-se concluir que esta foi, meramente, a intenção do legislador fiscal… S) Pode colocar-se muito legitimamente em dúvida que a L.G.T. seja, no Ordenamento Jurídico Português, uma Lei Geral, devendo esta ser entendida como uma Lei Especial, dado ser específica quanto ao ordenamento das leis tributárias e da Segurança Social e, Geral, dentro do seu próprio campo de aplicação.

  13. A aplicação deste famigerado aditamento aos processos pendentes viola frontalmente os direitos e as legítimas expectativas criadas por todos os intervenientes no processo de insolvência, alicerçados que estavam em legislação e Jurisprudência unânime, o...

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