Acórdão nº 449/21.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução06 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I - Saneamento dos recursos Os recursos foram admitidos na espécie, com o efeito e regime de subida adequados, nada obstando ao seu conhecimento.

***II - Decisão sumária.

Nos termos do art. 652.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, o juiz a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente, julgar sumariamente o objeto do recurso, nos termos previstos no artigo 656.º.

Neste último preceito prevê-se a possibilidade de decisão liminar do objeto do recurso “quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária”.

Segundo António Abrantes Geraldes (1), “(…) justifica-se a decisão individual quando a questão seja rodeada de simplicidade na resposta, perspectivada esta pelo confronto como ordenamento jurídico ou, em termos relativos, pela frequência com que a mesma questão tem sido decidida em determinado sentido”.

Ora, dada a simplicidade da questão a decidir – convergindo ambos os recorrentes no mesmo sentido da decisão –, os recursos em causa inserem-se claramente na hipótese legal referida, pelo que se usará da faculdade prevista no citado preceito, sendo dispensável a intervenção da conferência.

***III. Relatório D. R. intentou, no Juízo Local Cível de Guimarães - Juiz 1 - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, acção declarativa sob a forma de processo comum, contra Município X, pedindo:

  1. A condenação do Réu a restituir ao Autor, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, o exemplar do livro de poemas Y e as 30 (trinta) ilustrações originais (desenho + pintura) da autoria do pintor F. T..

    Subsidiariamente, b) Para a hipótese das referidas obras não serem restituídas, no prazo indicado na alínea anterior, a condenação do no pagamento ao Autor da quantia de 15.000,00 €, equivalente ao valor das obras em causa.

  2. A condenação do Réu no pagamento ao Autor da quantia de 5.000,00 €, a título de danos não patrimoniais.

    Para tanto, alegou, em síntese, que: O Autor dedica-se, entre outras actividades, à escrita literária, nomeadamente de poemas, tendo já diversos livros publicados.

    Em janeiro de 2016, o Autor, a pedido do Réu, na pessoa da então Vereadora do Pelouro da Cultura, Educação e Turismo da Câmara Municipal X, entregou, pessoalmente, ao cuidado e guarda da referida Vereadora, nas instalações do Réu, os seguintes objectos culturais e artísticos, sua propriedade:

  3. Um exemplar do livro de poemas Y, editado em 1988 pela Editora L., de Viana do Castelo, com prefácio do escritor M. C., retrato artístico do rosto do Autor pelo fotógrafo J. P., capa e arranjo gráfico do escultor M. R., edição esgotada há mais de vinte anos.

  4. Trinta (30) quadros (desenho + pintura) em cartão (tamanho A3), da autoria do pintor F. T., leituras plásticas de cada um dos 30 poemas, incluídos no referido livro, quadros que lhe haviam sido oferecidos por este artista, em 2008.

    O referido F. T., além de pintor, é também professor de Artes e Design, na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de … (…).

    O Autor publicou, no blogue https://....blogspot.com, de que é autor, entre os dias 27-02 e 12-07-2015, cópias digitalizadas dos 30 poemas do livro Y, seguido cada um de fotografia da respectiva ilustração pelo pintor F. T..

    As referidas obras (livro e quadros) foram entregues pelo Autor, pessoalmente e em mão, nas instalações do Réu, concretamente no Gabinete de Apoio da referida Vereadora.

    O Autor correspondia, assim, ao convite do Réu, intermediado pela Srª Vereadora, que lhe havia proposto uma nova edição fac-similada do livro referido, pelo Município, integrando as 30 ilustrações pictóricas referidas.

    Face ao longo silêncio por parte do Réu, o Autor, em 13 de Outubro de 2016, enviou para o Gabinete da Cultura do Município um e-mail, solicitando uma audiência, a fim de se “analisar, conforme oportunamente definido em audiência anterior, a possibilidade de a autarquia suportar a edição fac-similada do meu livro de poemas "Y (L., Viana do Castelo, 1988, esgotado), integrando, todavia, nesta reedição, 30 ilustrações (1 por cada poema) do pintor F. T.”.

    O Autor e o pintor F. T. foram então informados de que não seria possível a edição fac-similada do livro “Y”, com as ilustrações do pintor, por parte do Município.

    Ficou, todavia, acordado e assente que o Réu levaria a cabo uma 2ª edição normal (não fac-similada) do livro, mas incluindo as 30 ilustrações.

    Ficou também acordado que a apresentação da nova edição do livro ocorreria no edifício dos antigos Paços do Concelho, e que, no mesmo dia, seria aberta ao público a exposição dos 30 quadros de F. T. que ilustram cada um dos 30 poemas.

    Tais eventos – edição com apresentação do livro e abertura da exposição – deveriam ocorrer durante o ano de 2019, ano em que se comemorariam os 50 anos de escrita literária do Autor.

    Esta última proposta da então Vereadora da Cultura e do Réu foi aceite pelo Autor e pelo pintor F. T.." Como o Réu se recusou a cumprir aquele compromisso /acordo, em 29/06/2019 o Autor dirigiu "… à Sra. Vereadora novo e-mail, através do qual insistia e persistia, além do mais, no agendamento de uma reunião, a fim de que lhe fossem devolvidos o livro - único exemplar que o Autor possuía, limpo de anotações - e os 30 quadros originais da autoria do pintor F. T.." Face ao incumprimento desta obrigação pelo Réu, o Autor deduziu um pedido principal (a restituição daqueles objectos) e um pedido subsidiário de indemnização (danos patrimoniais e não patrimoniais), caso aquele primeiro pedido não fosse cumprido, por facto imputável ao Réu.

    *Citado, o Réu deduziu contestação, concluindo pela total improcedência da ação (fls. 39 a 43).

    *Realizada tentativa de conciliação, não foi a mesma alcançada (fls. 48).

    *Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da instância; procedeu-se de seguida à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova (fls. 49).

    *Designada data para audiência de julgamento, as partes requereram a suspensão da instância (fls. 51).

    *De seguida as partes apresentaram requerimento no qual alegaram que chegaram a acordo quanto ao objeto do litigio nos termos da transação que juntaram, requerendo a sua homologação. (fls. 53 a 103).

    *Datado de 19/01/2022, a Mm.ª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho: «Referência 3438923 e 3438950: O teor da transação judicial constante dos artigos 2º a 10º extravasa o objeto da presente ação, tratando-se de matéria de facto completamente alheia aos presentes autos, podendo contudo, tal matéria ser objeto de um documento particular elaborado entre as partes.

    Assim, deverão as partes reformular o termo de transação, cingindo-se ao objeto da presente ação, em 10 dias».

    *Irresignados com esse despacho, quer o quer o autor, quer o Réu dele interpuseram, separadamente, recurso de apelação (fls. 104 a 114 e 116 a 122).

    A terminar as respectivas alegações, o autor formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1 - No Termo da Transacção ora em causa, as partes entenderam que o modo mais justo, razoável e equilibrado de resolver este litígio, seria o de o Réu reassumir o compromisso de reedição do livro do Autor “Y”, em versão fac-similada com a inclusão dos 30 quadros do pintor F. T., sem os originais, porque não foi possível recuperá-los.

    2 - A transacção efectuada visou conjugar estes dois interesses, o do Autor, de ver reeditada a sua obra pelo Réu, e este, o de eximir-se a uma eventual e sempre possível condenação por danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes do incumprimento da restituição dos originais do livro e gravuras entregues para esse fim.

    3 - Estes dois interesses estão claramente expressos pelas partes nos respectivos articulados e o termo de transacção visou dar satisfação àqueles objectivos, um do Autor e o outro do Réu.

    4 - Pelo exposto, as cláusulas 2ª a 10ª do presente termo de transacção não extravasam a causa e os fundamentos deste litígio, antes lhe põe termo, de harmonia com as vontades expressas pelas partes, nos termos previstos nos artigos 1248º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil e 283º nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.

    5 - Neste caso, o Autor abdicou da pretensão formulada de restituição do exemplar único do livro “Y” e das 30 ilustrações originais que lhe foram oferecidas pelo pintor F. T., a troco de o Réu proceder à sua reedição, em versão fac-similada e com a inclusão ex-novo daquelas ilustrações, conforme o que estava originalmente previsto entre as partes e consta dos respectivos articulados.

    6 - Por sua vez, o Réu beneficiou da desistência pelo Autor do pedido de indemnização, no caso de não entrega do exemplar daquele livro e das 30 ilustrações, por facto àquele imputável.

    7 - Ambas as partes cederam, mutuamente, nos seus interesses, fazendo-o no uso legítimo de um direito privado, na sua inteira disponibilidade e de harmonia com os factos alegados nos respectivos articulados.

    8 - Por isso, e com todo o respeito, não é correcta - antes errada - a afirmação vertida no douto despacho em causa de que “as cláusulas enunciadas (2 a 10) deste termo de transacção efectuado são totalmente alheios os factos aqui em causa”.

    9 - O presente Termo de Transacção, antes constitui in casu um modo...

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