Acórdão nº 4509/21.4T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelROSÁLIA CUNHA
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO J. M.

intentou contra X – RESÍDUOS INDUSTRIAIS, LDA.

e P. S.

ação especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais, nos termos do artigo 1055.º, do CPC, pedindo: - que seja decretada a suspensão imediata da Ré P. S. do cargo de gerente da X – Resíduos Industriais, Lda.; - e que, a final da presente ação, seja decretada a destituição, com justa causa, da Ré P. S. do cargo de gerente da X – Resíduos Industriais, Lda.

Como fundamento dos seus pedidos alegou, em síntese, que a ré X é uma sociedade que foi constituída tendo como sócios o autor J. M. e a ré P. S., os quais eram casados entre si e, entretanto, se divorciaram.

A gerência da X era exercida por ambos os sócios.

A ré P. S., em assembleias gerais em que apenas ela própria participou, decidiu excluir o autor de sócio e destituiu-o do cargo de gerente.

A exclusão do autor de sócio da X veio a ser declarada nula por decisão, já transitada em julgado, proferida no âmbito de ação judicial que o autor intentou contra a ré P. S..

A ré P. S. não elaborou nem submeteu à assembleia geral o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas relativos aos exercícios de 2017 a 2020 da X, não tendo também procedido ao depósito e registo das contas na conservatória do registo comercial.

No período de 2017 a 2021, o autor tentou obter informações acerca da X, mas a ré P. S. sempre lhe negou o acesso a tal informação.

O autor não sabe se, nos exercícios de 2017 a 2020, a X obteve lucros e como é que os mesmos foram aplicados; todavia, não lhe foi distribuído qualquer valor a esse título.

A X não apresentou as declarações modelo 22 de IRS referentes aos exercícios de 2017 a 2020, o que motivou que a Autoridade Tributária tivesse efetuado as respetivas liquidações oficiosas, com as consequentes execuções fiscais e processos contraordenacionais; não apresentou as IES, o que sujeita a X a coimas por contraordenações; não apresentou as declarações periódicas para efeitos de IVA pelo menos desde o 2º trimestre de 2017, o que originou que a Autoridade Tributária tivesse efetuado as respetivas liquidações oficiosas, com as consequentes execuções fiscais e processos contraordenacionais.

Desde o 2º trimestre de 2017, a gerência da X não regista quaisquer vendas e não tem trabalhadores.

Assim, de 2017 a 2021 tem ocorrido a destruição/delapidação da atividade da X, o que a desvaloriza e prejudica.

Pelos motivos expostos, entende que existe justa causa para destituição da ré P. S. do cargo de gerente da X, bem como para a suspensão imediata do exercício de tais funções.

* *Em 7.9.2021, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Para efeitos da providência cautelar de suspensão, com produção da prova indicada nesta parte, designa-se o próximo dia 21/09/2021, pelas 15h15, sem contraditório prévio.

”*Produzida a prova veio a ser proferida decisão a qual contém o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo integralmente procedente por provada a presente providência e, em consequência, o tribunal decide: a) suspender a requerida P. S. das funções de gerente da sociedade X, Lda.

Notifique e cite a Ré para os termos da presente providência para contraditório subsequente e para contestar os termos da ação principal.

Custas a decidir a final.

Registe e notifique.

”*Regularmente citadas, as rés contestaram, impugnando a veracidade dos factos alegados pelo autor, e requerendo que a decisão de suspensão da ré P. S. das funções de gerente seja revogada e que a ação de destituição seja julgada improcedente.

*Em 18.10.2021, as rés apresentaram requerimento no qual arguiram a nulidade do despacho proferido em 7.9.2021, que designou data para a produção de prova, sem contraditório prévio, por o mesmo não conter qualquer fundamentação sobre tal decisão, constituindo violação do contraditório, situação que influenciou a decisão da causa, pelo que pediram que fosse declarada a referida nulidade e anulado todo o processado após o requerimento inicial.

*Foi designada data para a produção da prova apresentada pelas rés.

*Em 26.10.2021, realizou-se tal diligência, sendo que, no início da mesma, foi proferido despacho sobre a nulidade arguida pelas rés com o seguinte teor: “Relativamente à arguida nulidade de ter sido decretada a suspensão de funções sem contraditório prévio, o Tribunal limitou-se a aplicar o disposto no artigo 1055º, nº 2 do Código de Processo Civil.

Nessa medida indefere-se a arguida nulidade do despacho reclamado.

Notifique.”*Produzida a prova, foi proferida decisão com o seguinte teor dipositivo: “Pelo exposto, julga-se improcedente a oposição de P. S. consequência, o tribunal decide-se pela manutenção da já decretada suspensão da requerida das funções de gerente da sociedade X, Lda.

Custas da providência cautelar pelas RR.

”*As rés não se conformaram com o despacho proferido em 26.10.2021 (que indeferiu a nulidade que haviam arguido em 18.10.2021) nem com a decisão final (que julgou improcedente a oposição que deduziram) e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “1. No despacho liminar que admitiu a providência cautelar, o ilustre Juiz a quo limitou-se a designar dia para a produção de prova indicada pelo Recorrido, sem fundamentar a omissão da audiência prévia das Requeridas.

  1. Em conformidade com o que vem sendo decidido pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, o procedimento excecional de afastamento do princípio do contraditório impõe ao julgador a sua fundamentação expressa, não se compadecendo com uma aceitação tácita e implícita do que lhe foi requerido.

  2. A omissão desse dever de fundamentação, previsto no art. 154.º do CPC, constitui dupla nulidade processual, correspondente à omissão de formalidade legalmente exigida e nulidade da decisão por falta de fundamentação, prevista no art. 195.º, n.º 1 do CPC.

  3. Tendo sido arguida a referida nulidade mediante reclamação deduzida nestes autos, o ilustre Juiz a quo pronunciou-se quanto à mesma no início da audiência de julgamento, através de despacho, no âmbito do qual referiu que se limitou a aplicar o disposto no artigo 1055.º, n.º 2 do CPC.

  4. Ora, s.m.o., entendem as Recorrentes que do disposto naquela disposição legal não resulta, sem mais, que se possa desvalorizar o estruturante princípio do contraditório sem qualquer fundamentação.

  5. Por outro lado, o que foi posto em causa com a arguição da referida nulidade não foi a ausência de contraditório das Recorrentes, mas antes a ausência de fundamentação do despacho liminar que determinou a preterição dessa audiência prévia.

  6. Certo é que, conforme se referiu no corpo destas alegações, para onde se remete, a violação do contraditório influenciou manifestamente a decisão da causa, pelo que deve ser declarada a referida nulidade e, em consequência, anulado todo o processado após o requerimento inicial, nos termos do disposto nos artigos 195.º, números 1 e 2 e 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.

  7. Ainda e sem prescindir, para o decretamento da providência cautelar de suspensão de gerente é necessária a demonstração de justa causa, nos termos do disposto no art. 1055.º do CPC e art. 257.º, n.º 4 do CSC, a qual se afere pela violação grave dos deveres de conduta (art. 64.º CSC) e dos deveres funcionais (dispersos pelo código), impostos ao gerente ou pela grave incapacidade objetiva para o exercício normal das respetivas funções.

  8. In casu, analisando a factualidade provada, forçoso será concluir que dela não emerge que a Recorrente P. S. se encontrava, à data da instauração da presente providência e do seu decretamento, em situação grave de gestão de risco, suscetível de comprometer a subsistência da sociedade X e o vínculo de confiança entre a Recorrente P. S., enquanto gerente, da sociedade X e do sócio, ora Recorrido.

  9. Na verdade, o que resulta da matéria de facto assente é que, à data da entrada em juízo da presente providência e à data do decretamento da decisão cautelar, a Ré vinha a promover esforços no sentido da recuperação da sociedade X dos atos de má gestão do agora destituído gerente, aqui Requerente e Recorrido.

  10. Isto posto, a Recorrente P. S. não se encontrava a violar, nas datas supra referenciadas, quaisquer deveres de informação e de cuidado, de tal forma grave com gestão de risco da sociedade X, que se convertessem em justa causa bastante para o decretamento da suspensão das suas funções de gerente, tanto mais que, face à decisão em sindicância, continuará a ser a Recorrida a exercer tais funções, na qualidade de sócia, em conjunto com o Recorrente, esse já permanentemente destituído das funções de gerente! 12. Face ao exposto, resta concluir que não se verificam preenchidos os pressupostos que sustentem o decretamento da providência e, em consequência, a decisão de suspensão da Recorrente P. S. das funções de gerente da sociedade X não se enquadra no disposto nos artigos 362.º e 1055.º do CPC.

    ”*O autor contra-alegou, considerando que o recurso relativo ao despacho proferido em 26.10.2021 (que indeferiu a nulidade arguida pelas rés em 18.10.2021) é intempestivo e pugnando pela manutenção da decisão proferida quanto à oposição, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1.ª – Uma vez que o despacho que indeferiu o incidente de nulidade arguido pelas Rés, no âmbito da presente providência cautelar, foi proferido a 26 de Outubro, o prazo de 15 dias para recorrer de tal decisão terminou a 10 de Novembro de 2021. E o terceiro dia útil (para praticar o ato depois do termo do respetivo prazo) foi o dia 15 de Novembro de 2021.

    1. – Pelo que, o recurso da decisão de indeferimento da nulidade arguida pelas Rés é intempestivo.

    2. – Acrescendo que, inserindo-se a presente providência cautelar no âmbito da jurisdição voluntária, não faria sentido que perante a manifesta urgência em suspender a Ré P. S. da gerência da X, se estivesse a fazer um...

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