Acórdão nº 799/21.0T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCONCEIÇAO SAMPAIO
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO No âmbito da execução de sentença instaurada por X, S.A. e Y – GESTÃO E FISCALIDADE, LDA. contra M. C., veio I. G. deduzir embargos de terceiro em que pede, na sua procedência, seja reconhecida:

  1. A posse da embargante exercida de forma ininterrupta, relativa à propriedade em causa, a qual remonta pelo menos há meio século; b) Que a mesma (posse), foi e é, exercida de forma pública, pacifica, boa-fé, imediata e efetiva; c) Reconhecer que a residência da embargante, se situa dentro da propriedade, nomeadamente numa zona (habitacional) por si – exclusivamente -, mandada construir, e que não possui, qualquer outra alternativa onde residir; d) Reconhecer que a diligência contida na citação, e referente à execução que corre termos nesse Juízo, a ser efetivada, colidirá de forma frontal e cortará cerce o legítimo direito da embargante, assim como, lhe causará um prejuízo de dificílima reparação; e) Deverão os presentes embargos, serem sustidos, durante e enquanto, não houver douta decisão, respeitante ao processo que corre termos no Juízo Central – Juiz 1, sob o nº 2443/21.7T8BRG, em virtude do confronto de direitos serem de per si, incompatíveis; f) Ser de imediato sustida a diligência firmada no corpo da citação, conjugada com contido/pretendido no requerimento executivo – entrega imediata do imóvel.

    *Pelo tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão: «Verifica-se agora que a decisão por nós proferida em 08-07-2021 padece de lapso de escrita.

    Na verdade, na mesma é referido que a requerente não respondeu ao despacho de 19-05-2021 quando, na verdade, tal aconteceu em 04-06-2021.

    Assim, será rectificada a decisão em conformidade, de seguida, a qual substituiu a anterior: Da litispendência:-- Por despacho proferido em 19-05-2021 foi notificada a embargante para, querendo, em 10 dias, se pronunciar sobre a eventual existência de litispendência entre os presentes embargos de terceiro e a ação n.º2443/21.7T8BRG, a correr termos no Juízo Central Cível de Braga – Juiz 1, pois estar presente a tríplice identidade prevista no artigo 581.º, do Cód. Proc. Civil.

    Findo tal prazo, a requerente veio pronunciar-se conforme requerimento de 04-06-2021 (refª 11567250), concluindo pela inexistência de litispendência.

    A litispendência é legalmente qualificada como excepção dilatória e implica a absolvição do réu da instância - cfr. arts. 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alínea i), ambos do Cód. Proc. Civil.

    A excepção dilatória de litispendência pressupõe a repetição de um litígio quando o anterior ainda está em curso, sendo que a repetição de uma causa pressupõe a tríplice identidade de sujeito, de pedido e de causa de pedir - cfr. art. 581º, nº 1, do Cód. Proc. Civil. Distingue-se do caso julgado porquanto este pressupõe a repetição de um litígio já decidido por sentença que não admita recurso ordinário - cfr. art. 580º, nº1, 2ª parte, do Cód. Proc. Civil.

    Tanto o caso julgado como a litispendência visam, no seu efeito jurídico, acautelar que o tribunal se coloque na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior - cfr. art. 497º, nº2, do Cód. Proc. Civil.

    Está em causa a coerência, o prestigio e até a economia da actividade jurisdicional.

    O conceito de partes pode ser analisado na dupla perspectiva formal e material. Em sentido formal, são partes as pessoas (físicas ou meramente jurídicas) que pedem em juízo ou contra quem é pedida a composição de um litígio, mas em sentido material só são partes os sujeitos da relação jurídica material controvertida que é objecto do litígio.

    A mencionada identidade subjectiva prende-se com a posição das partes na relação jurídica material controvertida que é objecto do processo e não com a que nele ocupam. A identidade de partes em duas acções afere-se, pois, pela identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada.

    Por outro lado, há identidade de pedido se numa e noutra acção se pretende o mesmo efeito jurídico - cfr. art. 498, nº3, do Cód. Proc. Civil. Como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/3/2007 (Processo nº 07B595, acessível no sítio www.dgsi.pt/jstj), «A identidade do pedido implica que seja o mesmo o direito subjectivo em causa, bastando a coincidência do objectivo fundamental de que dependa o êxito, total ou parcial, de cada uma das pretensões».

    No que concerne à causa de pedir, nos termos do art. 581º, nº 4, do Cód. Proc. Civil, existe identidade quando “a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”.

    Ora, vertendo ao caso concreto fácil é constatar que existe litispendência entre os presentes embargos de terceiro e a ação n.º2443/21.7T8BRG, a correr termos no Juízo Central Cível de Braga – Juiz 1, pois que existe identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir - cfr. art. 581º, nº 1, do Cód. Proc. Civil.

    Assim, não se recebem os presentes embargos de terceiro, por existir a referida litispendência, absolvendo-se da instância os embargados.

    Custas pela embargante Notifique a embargante.»*Inconformada com esta decisão, a embargante vem dela interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões: I – NULIDADE DO DESPACHO ɋ - Prejudicialidade

  2. O douto despacho posto ora sob sindicância, e conforme se demonstrou em sede de alegações, está ferido de nulidade, em virtude da Mª. Juíza, não se ter pronunciado sobre a questão que lhe foi diretamente colocada, que se prende com a figura da prejudicialidade; Com efeito, b) A Srª. Juíza estava obrigada a pronunciar-se sobre a matéria, obrigação que advém op legis; Ao não fazê-lo c) Cometeu pecado mortal - por violação grosseira da lei - o qual pela sua gravidade, tem como consequência necessária a já sobredita nulidade; Em conforto com que supra se refere; d) Já em sede de alegações, se fez referência à jurisprudência sobre esta matéria, a qual é francamente dominante, senão mesmo unânime, sendo ainda confortada pela doutrina que segue a mesma via; e) A Srª. Juíza, ao não se ter pronunciado sobre a questão em causa violou o contido no nº 1 al. e) do artº. 615 do Cód. Proc. Civil.

    Dito de outra forma, f) A Mª. Juíza deveria – ex officio e, em cumprimento do segmento normativo em causa – ter-se pronunciado sobre a questão que lhe foi colocada.

    Ao não se pronunciar sobre a mesma, g) Redunda a sua omissão, numa nulidade que aqui se expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

    β – Litispendência Quanto a este item, dir-se-á o seguinte:

  3. A figura da litispendência tem como quadro principal, saber se num dado momento, judicioso/processual, há repetição de uma causa, isto é, se, se repete uma causa, estando uma anterior ainda em curso.

    Para essa análise, b) Deverá no confronto com as duas causas, existir identidade de sujeitos, causa de pedir e respetivo pedido.

    Será que no caso ora colocado sob sindicância os requisitos da figura da litispendência, estarão preenchidos? c) Não subscrevemos de forma alguma, que quanto à matriz principal – repetição de causas – haja a mínima correspondência.

    Na verdade, d) Não existe nenhuma afinidade no confronto entre o processo principal e os embargos de terceiro.

    Com efeito, e) As finalidades subjacentes a cada um das ações, são-no perfeitamente autonomizadas e distintas a saber: f) No processo principal, este move-se com a aquisição pela aqui recorrente do direito de propriedade por via da usucapião – pedido principal -, e num segundo momento, a aquisição do referido direito de propriedade, por via da acessão industrial imobiliária, caso o primeiro segmento, não seja sufragado.

    g) Nos embargos de terceiro, a finalidade dos mesmos, é no essencial, suster a execução para entrega do bem, enquanto o processo principal está a decorrer, sob pena, caso este colha vencimento como é expectável, ver a recorrente precludida toda a séria expectativa que tem, quanto ao reconhecimento da propriedade, preclusão irreversível.

    Daí, h) Não ter qualquer cabimento, por falta da mínima coincidência, a decisão no caso sob sindicância, da existência de causas repetitivas, só possível, por uma errada análise técnica/jurídica.

    E neste conspecto, i) Ao sufragar a existência de repetição de causa, a Srª. Juíza violou o contido no nº 1 do artº. 580 do Cód. Proc. Civil.

    E quanto aos sujeitos? Será que há uma identidade quanto ao aspeto formal/nominal, assim como, à sua qualidade jurídica? j) Desde logo, quanto ao requisito formal/nominal, fica arredada a sua identidade, com efeito, na ação principal existe 1 autora (aqui recorrente) e 2 rés, ao passo que nos embargos, existe 1 embargante (ora recorrente) e 3 embargadas.

    Ou seja, l) Há uma nítida diferença entre as partes de ambas as causas, sendo que, nos embargos de terceiro, surge uma nova figura jurídica – M. C. – que em momento algum, surge na ação principal.

    m) E por tal circunstância, não se pode falar em identidade das partes (formal/nominal) considerando o acrescento da referida figura, que, conforme se referiu, não aparece no processo principal.

    E quanto à sua qualidade jurídica? n) Seguindo o critério jurisprudencial oportunamente referido – (Ac. STJ 9-7-2015 – Proc. nº 896/09 e Ac. STJ 22-2-2015 – Proc. nº 915/09) não se vislumbra de onde emergiu o entendimento da Mª. Juíza, ao afirmar que existe identidade de sujeitos, quando surge num horizonte processual/substancial, um novo sujeito – sujeito passivo da relação material controvertida (embargos), que em momento algum, tem ou teve qualquer relação, com os autos na ação principal.

    E por tal devir, m) Não existe qualquer afinidade dos sujeitos, quanto à relação jurídica, considerando que estes, não são portadores do mesmo interesse substancial, quanto à relação jurídica em causa.

    n) E dentro deste conspecto, não podia ter feito apelo à figura da litispendência, aqui quanto à identidade dos sujeitos – a qual não existe, não só quanto à sua qualidade formal/nominal, mas ainda, quanto do ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte...

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