Acórdão nº 3162/20.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução28 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório A. G.

intentou a presente acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum contra J. C.

, pedindo a anulação do testamento outorgado por G. G. em 06.03.2008, no qual este declarou legar ao ora réu as acções ao portador que possuía no capital social da sociedade comercial “Sociedade Imobiliária dos X, S.A.”, pessoa colectiva nº ………, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ….

Para tanto e em suma alegou que autor e réu são filhos e únicos herdeiros de G. G. e que o seu pai estava incapaz e privado da liberdade de autodeterminação de acordo com a sua vontade quando outorgou esse testamento.

O réu contestou, pugnando pela improcedência da acção, alegando que o pai estava capaz, livre, e que o testamento corresponde à sua vontade.

Proferiu-se o despacho a que alude o art. 596º do CPC e realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais.

A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o réu do pedido.

Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: A.

Quanto à matéria de facto, analisados os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo à luz da prova produzida, conclui-se que o mesmo incorreu em manifesto erro de julgamento, impondo-se uma alteração à decisão recorrida nessa parte, com as necessárias consequências na subsunção jurídica dos factos ao direito.

B.

Com efeito, a alteração à matéria de facto que se impõe levará necessariamente a concluir que, na concreta data da elaboração do testamento, G. G. se encontrava mentalmente incapaz de querer e entender o sentido e alcance desse acto.

C.

Desde logo, na sentença recorrida, o Tribunal a quo como provado o seguinte facto: 3) Em data não concretamente apurada, mas que se reporta, pelo menos, a Setembro de 2005, foi diagnosticada a doença de Alzheimer a G. G. (facto provado 3)), tendo, por outro lado, considerado não provado d) Que a doença referida em 3) e o respectivo tratamento remontassem ao ano de 1995 (facto não provado d)).

D.

Da conjugação dos referidos pontos resultou que o Tribunal deu como provado que G. G. padecia da doença de Alzheimer, tendo, porém, situado o início da doença em 2005, por considerar não provado que a doença e respectivo tratamento remontassem a 1995 – constituindo esta última parte uma autêntica decisão-surpresa.

E.

Com efeito, no despacho de 18.05.2021 de fixação do objecto do litígio e dos temas da prova, o Tribunal a quo fixou o seguinte tema da prova: “sim ou não, o testador estava livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o referido testamento, atenta a doença de Alzheimer de que padecia desde 1995, o acidente de viação que sofreu em 2003 e a doença de Parkinson que lhe foi diagnosticada posteriormente ao acidente”.

F.

Ou seja, de forma expressa, o Tribunal a quo deu como assente que o testador padecia da doença de Alzheimer desde 1995, erigindo a tema da prova apenas a questão de saber se, não obstante aquela doença, estava ou não o testador capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade na ocasião em que outorgou o testamento; nessa conformidade, estava o Recorrente convicto que a localização do início da doença em 1995 constituía facto assente para o Tribunal recorrido – porque assim foi pelo mesmo enunciado – e não sujeito ou necessitado de prova (ou pelo menos o Tribunal a isso induziu o Recorrente).

G.

Ora, tal circunstância determina a de junção do documento n.º 1, sendo tal junção necessária e processualmente admissível nos termos do artigo 651.º do CPC, pois que dele resulta inequívoco que a doença de Alzheimer foi diagnosticada ao testador em 1995 - e tal é o suficiente para necessariamente determinar a alteração ao ponto 3) da matéria de facto dada como provada e ponto d) da matéria de facto dada como não provada.

H.

Mas o facto é que também os depoimentos de diversas testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e as declarações de parte do próprio Recorrente (a par com os documentos juntos com os articulados) permitiram confirmar que, efectivamente, a doença em causa se instalou no testador em 1995.

I.

Foi o caso do depoimento e A. I., aliás claro e rigoroso sobre o tema e que, como o Tribunal a quo referiu, “Afirmou que o avô padecia de Alzheimer desde 1995, e que a doença se foi instalando progressivamente (…)” - cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 06.10.20121, Gravação, a partir de m03:27 e a partir de m05:00 conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).

J.

A referida testemunha situou com precisão a data do surgimento da doença, não só pelo conhecimento directo que tem por ter convivido de perto com o testador, mas também por saber que, desde1995, a doença havia sido diagnosticada pelo Dr. M. N. que o acompanhava e medicava desde então no tratamento da mesma (como, aliás, atestaram, igualmente o documento nº 1 ora junto e os documentos nºs 1 e 1-A juntos com o requerimento de 12.01.2021).

K.

O mesmo resultou do depoimento da testemunha V. M., tendo garantido na audiência de 06.10.2021 (Gravação a partir de m04:36, conforme já transcrito no corpo das presentes alegações), com base no contacto directo que teve com o testador (embora com compreensível menor precisão quanto às datas) que, por volta de 1999, o mesmo “já não estava bem da mente”.

L.

Também o mesmo resultou dos diversos depoimentos, citados nos artigos 34.º a 37.º da petição inicial, prestados no âmbito do processo n.º 2145/09.2TAGMR e constantes da sentença nele proferida junta como documento nº 7 com a petição inicial, tendo as testemunhas sido unânimes no sentido de que G. G. padecia daquela doença desde os anos 90.

M.

Enfim, por tudo o exposto, os documentos carreados para os autos e os depoimentos das testemunhas ouvidas impunham uma decisão totalmente diversa quanto aos pontos 3) dos factos provados e d) dos factos não provados, assim fazendo com que o Tribunal a quo tenha incorrido em manifesto erro de julgamento nestes pontos.

N.

Devendo, pois, os supra mencionados pontos da matéria de facto ser alterados de tal forma que o ponto d) dos factos não provados seja dado como provado e/ou que o ponto 3) dos factos provados passe a ter a seguinte redacção: “Em 1995 foi diagnosticada a doença de Alzheimer a G. G.”.

O.

Por seu turno, considerou o Tribunal que os seguintes factos não resultaram provados:

  1. Que aquando da outorga do testamento, o estado de saúde do testador não lhe permitisse discernir de forma a entender o sentido da sua actuação e proceder de acordo com a sua vontade; b) Que o testador não estivesse livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o testamento referido em 5); c) Que o testador tivesse quadros depressivos profundos e fosse facilmente manipulável.

    P.

    A convicção do Tribunal quanto aos factos que, dessa forma, deu como não provados resultou essencialmente dos seguintes factores:

  2. O facto de G. G. estar ainda alegadamente capaz de conduzir em 2003, tanto que teve um acidente de viação; b) O facto de no Verão de 2003 o testador e a mulher terem ido de férias para Cuba com os netos; c) O facto de, em 2006, 2007 e 2008, o testador ter alegadamente encerrado contas bancárias em instituições bancárias espanholas e ter assumido a presidência do Conselho de Administração da SIP; proposto novos membros para o Conselho de Administração, e vendido um imóvel em Maio de 2007; d) O facto de os depoimentos das testemunhas que estiveram presentes no momento da outorga do testamento terem, supostamente, contrariado a tese alegada pelo Recorrente.

    Q.

    Sucede que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento permitiu efectivamente fazer prova da factualidade supramencionada, não sendo, por outro lado, aquelas três primeiras circunstâncias de molde a concluir no sentido em que o Tribunal concluiu (pelo contrário, como, na verdade, resultou dos depoimentos das testemunhas).

    R.

    Em face da prova que foi feita em sede de audiência de julgamento, impunha-se que os supramencionados factos tivessem sido dados como provados, tendo desde logo os depoimentos de diversas testemunhas ouvidas sido fulcrais para conseguir determinar o estado de saúde de G. G. aquando da feitura do testamento.

    S.

    Essencial para esse efeito – como o próprio Tribunal recorrido reconhece – foi o depoimento da testemunha A. I., a qual depôs, com total rigor a este respeito no dia 06.10.2021 (Gravação 20211006113345_5914018_2870528 a partir de m02:47, a partir de m 17:00; a partir de m 23:54, a partir de m36:40, conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).

    T.

    A corroborar o testemunho da testemunha A. I. em relação à evolução da doença do avô, o depoimento da testemunha A. F. permite – ao contrário do relatado na sentença recorrida – retirar conclusões semelhantes quanto à evolução e estado de saúde do testador à data do testamento (Gravação de 06.10.2021 a partir de m02:39 e Gravação a partir de m00:00 e a partir de m07:04, conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).

    U.

    No mesmo sentido, testemunhou V. M. conforme já transcrito no corpo das presentes alegações (Gravação de 06.10.2021 a partir de m04:36, a partir de m10:30 e a partir de m14:28).

    V.

    Também o Recorrente em sede de declarações de parte deu alguns exemplos ilustrativos do estado de saúde do pai nos últimos anos da sua vida (Gravação de 06.10.2021 a partir de m18:09, conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).

    W.

    A semelhantes conclusões se chega pela análise dos documentos juntos pelo Recorrente aos autos, nomeadamente com a petição inicial...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT