Acórdão nº 2371/19.6T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO AA intentou contra C... - CENTRO DE INSPECÇÃO MECÂNICA DE AUTOMÓVEIS, S.A. acção emergente de contrato individual de trabalho sob a forma de processo comum.

Pedido: condenação da ré no pagamento da quantia global de €21.907,44 referente a indemnização prevista no artigo 396º, n.º 1, do C.T.

Causa de pedir - alega, em súmula, que em 07/05/2002 celebrou com a ré um contrato de trabalho, para desempenhar as funções de inspector técnico automóvel e que, em 2-01-2019, procedeu à resolução da relação laboral invocando justa causa, suportada nas seguintes razões: (i) a ré reduziu de forma unilateral o prémio pago com carácter periódico e regular, associado à isenção de horário, que o autor considera como parte integrante da sua retribuição; (ii) ao longo da relação laboral o autor foi desempenhando muitas horas de trabalho suplementar sem que a ré tenha pago a respectiva remuneração, para além de trabalhar 6 dias por semana, sendo violado o dia de descanso complementar; (iii) em 2-01-2012, o autor foi transferido para o estabelecimento da ré sito em ..., ao arrepio dos limites impostos pela clª 34º do CCT aplicável, sem que tivesse sido ressarcido do acréscimo de despesas que sofreu que seriam devidas a partir de distância superior a 60Km; (iv) para além do seu período normal de trabalho ter registado um acréscimo diário de 2 horas em viagens, o que lhe causa diversos prejuízos na organização da sua vida pessoal e familiar e lhe causou danos não patrimoniais que culminaram em depressão; (v) não foi respeitado o direito à formação profissional do autor, porque a formação de 35 horas/ano não foi prestada no horário de trabalho, mas sim no seu tempo livre, sem que este lhe fosse pago como tempo de trabalho, além de ter custeado as respectivas despesas de deslocação.

CONTESTAÇÃO: a ré impugnou a factualidade e, no que ora mais releva para o presente recurso, deduziu, a excepção de litispendência relativamente ao processo n.º 2023/18...., que corria entre as mesmas partes e onde se discutiriam questões similares.

Após recurso para esta RG, transitou em julgado a decisão proferida no processo n.º 2023/18.....

Seguidamente, foi proferido nos autos que ora apreciamos despacho a declarar compreendidas no âmbito do caso julgado material formado no processo n.º 2023/18.... as questões ali apreciadas e determinar o prosseguimento dos presentes autos restrito ao tema da isenção do horário de trabalho.

Interposto recurso deste despacho, o acórdão desta RG proferido em 19-05-2022 confirmou a decisão. As questões que foram julgadas abrangidas pelo caso julgado material respeitavam à transferência do local de trabalho e danos materiais (combustíveis e portagens) e imateriais (na saúde, designadamente depressão) daí resultantes, ao trabalho suplementar (no mínimo em 2h/dia e em dia de descanso complementar) e aos prejuízos pela formação profissional quanto a despesas de deslocação e não pagamento como dia de trabalho da formação dada em dia livre do autor. Entendeu-se que estas questões foram alvo de alegação (em termos iguais aos apresentados na presente acção), de produção de prova, decididas e julgadas improcedentes.

Finalmente, procedeu-se a julgamento nos presentes autos e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): “Em face do exposto, nos presentes autos de acção declarativa comum, decide-se:

  1. Julgar improcedente o pedido de indemnização formulado pelo autor AA contra a ré C... - CENTRO DE INSPECÇÃO MECÂNICA DE AUTOMÓVEIS, S.A., a qual se absolve em conformidade de tal pretensão; b) Condenar o autor AA no pagamento das custas da acção, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.” O AUTOR RECORREU DA SENTENÇA -CONCLUSÕES: I.O presente recurso tem por objeto toda a matéria da Sentença que julgou totalmente improcedente o pedido de indemnização formulado pelo Autor.

    1. Entendemos, pois, que o Tribunal a quo não terá feito a melhor interpretação dos artigos 394.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 396.º do Código do Trabalho face à factualidade em apreço.

    2. Ainda que, tal como a Sentença, também entendamos que incorreu a Apelada numa conduta ilícita e culposa, não consideramos que não se tenha verificado a inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral.

    3. O não pagamento de 20% da retribuição mensal sempre colocaria em causa o sustento pessoal e familiar do Apelante (e da maioria da classe trabalhadora em Portugal).

    4. Acresce que as condições de maior exigência, desgaste e disponibilidade, típicas da IHT, continuaram a verificar-se, simplesmente não lhes correspondia qualquer contrapartida.

    5. A prática reiterada de incumprimento por parte da Apelada degradou de tal forma a relação laboral que a tornou totalmente insustentável, com forte impacto na vida do Apelante, quer a nível psicológico, quer a nível monetário.

    6. O Apelante sempre terá demonstrado a essencialidade deste facto para a verificação de justa causa de resolução e a importância central que teve para si na tomada de decisão.

    7. O lapso de tempo que esperou entre o cessar da relação laboral e o início do incumprimento da Apelada foi o tempo que o Apelante sentiu como necessário até a relação se tornar absolutamente insustentável.

    8. Isto porque nunca o mesmo poderia tomar esta decisão de ânimo leve, relembrando que o salário tem uma função alimentar e o Apelante se encontra fortemente limitado na entrada no mercado de trabalho, quer pela sua idade, quer pelo seu quadro clínico previamente descrito.

    9. Acresce que o Apelante fez menção a este incumprimento no processo que entendeu como relevante, que é o presente e aquele onde se discute a indemnização devida pela justa causa da resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.

    10. Referindo igualmente a decisão unilateral e ilegal, ao abrigo do princípio da irredutibilidade da remuneração, do não pagamento da contrapartida acordada a título da compensação da isenção de horário de trabalho, na carta de resolução do contrato de trabalho.

    11. Não se percebendo com terá o Tribunal recorrido chegado à conclusão de teria o Apelante atribuído importância relativa ao incumprimento em causa, dando maior relevo a outros fatores, quando nenhum elemento aponta nesse sentido.

    12. Andou igualmente mal o Tribunal a quo ao fazer referência à proximidade do salário do Apelante, aquando do não pagamento da compensação devida, como fator contributivo para a menor relevância deste incumprimento.

    13. Neste juízo terá o Tribunal ignorado o princípio da igualdade retributiva constitucionalmente previsto no art. 59.º/1/a) da CRP, uma vez que qualquer outro trabalhador com aquela função, com aquele horário e esforço físico e psicológico que o cargo laboral lhe exigia receberia outro salário, superior ao salário médio.

    14. Acrescendo que este é um direito que todo e qualquer Trabalhador tem, sempre, por ser legalmente imposto nos termos do artigo 265.º do Código do Trabalho, a uma retribuição específica por isenção de horário de trabalho.

    15. Colidindo, igualmente, tal linha de argumentação, com o princípio da irredutibilidade da retribuição.

    16. Princípio esse que tutela a estabilidade económica e a confiança jurídica depositada na constância da posição contratual duradoura, salvaguardando o ganho expectável do trabalhador, protegendo-o de uma opção desproporcionada e injustificada por parte do empregador, nomeadamente através de diminuições arbitrárias e discricionárias da retribuição.

    17. O Apelante contava com determinado valor mensal para fazer face às suas despesas mensais e viu-se desprovido de 20% desse valor - percentagem muito significativa – o que, conforme se alegou sem sede de Petição Inicial, no artigo 19.º, provocou enormes dificuldades financeiras no Apelante.

    18. Acresce que o Apelante alegou, em sede de Petição Inicial, nomeadamente nos artigos 117.º e 118.º, como causa adicional e contributiva para a justa causa da resolução do contrato de trabalho por si realizada, os créditos reclamados no processo n.º 2023/18...., tendo a Sentença de 04/01/2020 considerado, ao contrário da Sentença recorrida que, não só estaria em dívida o montante de € 497,57, por não lhe ter sido proporcionada a formação profissional devida, como também € 1.141,01 relativos aos subsídios de férias e de Natal do ano de 2017, o que totaliza o valor de € 1.620,58, valor a que acrescerá os respetivos juros vencidos e vincendos.

    19. Situação que também cabe na al. a) do n.º 2 do artigo 394.º do Código do Trabalho e que, por si só, já constituiria justa causa de resolução do contrato de trabalho, uma vez que, aproximadamente salário e meio, atendendo ao orçamento familiar do Autor, teria de colocar necessariamente em causa a subsistência do Apelante e, consequentemente, a relação laboral.

    20. Ao contrário da linha de argumentação seguida pelo Tribunal a quo, propomos que estes fatores não sejam considerados na sua individualidade, mas conjuntamente, como todos contribuindo para a verificação de justa causa da resolução do contrato de trabalho.

    21. Assim, incumprimentos que, por si só, comportam uma gravidade considerável, no seu conjunto, dúvidas não restam que terão tornado absolutamente insustentável a relação laboral entre as Partes.

    22. Preenchendo, deste modo, o requisito que a sentença recorrida entendeu não estar preenchido para se considerar que houve justa causa na resolução unilateral do contrato de trabalho pelo Apelante, que é a inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral.

    23. Da aplicação cumulativa dos artigos 394.º, n.º 1, e n.º 2, al. a) e 396.º do Código do Trabalho, nunca poderia o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, ter chegado à conclusão de que não seria de reconhecer ao Apelante a titularidade da indemnização devida pela ocorrência da justa causa na resolução do contrato pelo trabalhador.

    24. Devendo considerar-se grave a ilicitude do comportamento da Apelada.

    25. Dado os efeitos nefastos que desta atuação resultaram, quer para a sobrevivência do Apelante, quer para a sua...

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