Acórdão nº 1779/19.1T8CHV-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução24 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.

M. C., executada nos autos principais de execução para pagamento de quantia certa, movidos pelo Banco …, S.A., deduziu oposição à execução, mediante embargos de executado, pedindo a extinção da execução apensa.

Alegou para tanto, e em síntese, que a execução é movida com base num alegado incumprimento de não pagamento das prestações do contrato de mútuo celebrado entre exequente e executada, que não se verifica, pois esta sempre pagou mensalmente a quantia decorrente do mútuo, apesar da dificuldade criada pela Exequente em aceitar receber tais quantias.

Por outro lado, recebeu a Embargante/Executada, e com data de 09 de Dezembro de 2019 uma comunicação do Banco exequente a informar a extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, nos termos do art. 17.º, n.º 1, alínea c) do DL 227/2012 de 25 de Outubro; todavia o requerimento executivo deu entrada no dia 12 de Novembro de 2019, isto é, ainda antes do encerramento do PERSI, estando vedado à instituição de crédito intentar ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (art. 18º, nº 1 al. b)), pelo que a ação executiva não pode prosseguir.

*Recebidos liminarmente os embargos de executado, a exequente/embargada apresentou contestação, na qual, alegando não existir qualquer fundamento para a oposição, concluiu pela improcedência dos embargos deduzidos (ref.ªs 34099696 e 34902175).

*Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância, tendo de seguida sido admitidos os meios de prova (ref.ª 34310763).

*Procedeu-se a audiência de julgamento (ref.ª 36493461).

*Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª 36505376), datada de 22/02/2022, nos termos da qual, julgando os embargados de executado procedentes, determinou a extinção da instância executiva, assim como ordenou o levantamento da penhora efetuada nos autos principais de execução.

*Inconformada com esta sentença, dela interpôs recurso a exequente/embargada (ref.ª 41778480), tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou os embargos deduzidos procedentes e, em consequência, julgou extinta a execução, por ter entendido o Tribunal a quo que não ficou provado o invocado incumprimento do contrato, bem como o cumprimento do procedimento PERSI.

  1. Tal decisão não poderá manter-se por aplicar incorrectamente a lei ao caso a decidir.

  2. Com efeito, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, no artigo 91º do CIRE e no artigo 17º, n.º 1 alínea d) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, interpretando de forma inadequada a prova produzida e a subsunção dos factos ao direito.

  3. Na acção executiva, a causa de pedir corresponde ao título executivo, no caso o contrato hipotecário executado, sendo o pedido o de cobrança coerciva da quantia peticionada.

  4. O Exequente invocou no requerimento executivo o vencimento de toda a dívida e, na contestação e embargos, clarificou tal invocação, não constituindo a explicação e que o vencimento antecipado foi por força da insolvência do co-mutuário uma nova causa de pedir.

  5. A Embargante foi interpelada e não procedeu ao pagamento, o que motivou a acção executiva.

  6. A Embargante bem sabia da declaração de insolvência e poderia pronunciar-se sobre esta concreta matéria, ao abrigo do seu direito ao contraditório – por impulso próprio ou notificação do Tribunal, não tendo ocorrido nenhum dos casos.

  7. A matéria do vencimento antecipado provocado pela insolvência e seus efeitos sobre o contrato é matéria sobre a qual o Tribunal se deveria ter pronunciado, até porque esse reconhecimento decorre da lei e é do conhecimento oficioso.

  8. Tal omissão e o seu reconhecimento implicará que tal nulidade seja suprida pelo proferimento de nova decisão, dando-se a presente sem efeito, na qual o Tribunal a quo deverá expressamente pronunciar-se sobre a mesma e implica o aditamento de factos à matéria provada, ou seja: 1 – o Banco Embargado considerou o vencimento imediato da obrigação por força da declaração de insolvência (cartas enviadas pelo Embargado à Embargante, datadas de 06.09.2019 e 10.09.2019, juntas aos autos com a sua contestação); 2 – o Banco Embargado comunicou à Embargante o vencimento imediato e antecipado da dívida emergente do contrato executado, bem como a sua motivação e consequências, assim como a interpelou para o pagamento do total em dívida, verbalmente, bem como por cartas datadas de 06.09.2019 e 10.09.2019, pela mesma recebidas (cartas enviadas pelo Embargado à Embargante, datadas de 06.09.2019 e 10.09.2019, juntas aos autos com a sua contestação); 3 – O Banco Embargado comunicou e explicou à Embargante as razões para a impossibilidade de movimentação da conta e para a impossibilidade de o Banco aceitar que o pagamento do empréstimo continuasse nos termos habituais (cartas enviadas pelo Embargado à Embargante, datadas de 06.09.2019 e 10.09.2019, juntas aos autos com a sua contestação); 4 – O bloqueio da conta adstrita ao pagamento das prestações, a sua impossibilidade de movimentação, foi provocado pela insolvência e pelo vencimento antecipado da obrigação; 5 – os depósitos feitos pela Embargante não foram aplicados à amortização do empréstimo, por força do vencimento da dívida.

  9. Deve ainda acrescentar-se ao facto provado 3), na parte final, a seguinte menção: (…), bem como que o “banco poderá proceder à resolução do contrato e promover a execução da garantia prestada se se verificar qualquer das situações previstas no artigo 780º do Código Civil, designadamente se o Mutuário se tornar insolvente ou se, por causa que lhe seja imputável, diminuírem as garantias do crédito ora concedido.”.

  10. Tudo isto de acordo com a prova realizada em julgamento, donde decorreu que a Embargante recebeu efectivamente as cartas.

  11. Quanto aos factos a aditar 4 e 5, são de certa forma consequência dos factos a aditar anteriormente, isto é, dados como provados os anteriores, resulta da experiência comum dar também esses como provados.

  12. Ao declarar o vencimento antecipado por força da insolvência, o Banco Recorrente actuou legitimamente, tendo em conta as cláusulas contratuais e o diposto no artigo 91.º do CIRE.

  13. A obrigação assumida pelos Mutuários, neste contrato de mútuo, é solidária e é uma única obrigação, indivisível, não sendo possível que a obrigação esteja vencida quanto a um mutuário e não o esteja quanto a outro.

  14. E, atento o vencimento antecipado e automático, resultante da insolvência, não seria possível ao Banco aceitar o pagamento das prestações, o que foi comunicado à Embargante, como resulta dos autos e a mesma reconheceu em audiência.

  15. Aliás, por via do princípio da integralidade previsto no artigo 763º do Código Civil, se a dívida está integralmente vencida, deve ser integralmente realizada e não por partes.

  16. Acresce que a cláusula Décima Quinta, n.º 2, alínea e) do contrato executado (documento complementar), prevê que o Banco poderá, ainda, resolver o contrato e promover a execução da garantia prestada, verificando-se qualquer das situações previstas no artigo 780º do Código Civil, designadamente se o Mutuário se tornar Insolvente.

  17. A respeito do regime da solidariedade passiva, que é um mecanismo de garantia do credor, diz PESTANA VASCONCELOS que “o credor está tutelado perante o incumprimento e, principalmente, a insolvência de um dos condevedores, uma vez que pode exigir a realização da prestação por inteiro ao outro, ou outros, condevedor(es). Estes riscos, particularmente o último, o mais relevante, são transferidos para os condevedores.” (sublinhado nosso).

  18. Continua o mesmo autor, referindo-se ao caso da solidariedade passiva, “ao contrário do que se passa na fiança em que o fiador pode, como vimos, responder solidariamente com o afiançado [se tiver renunciado ao benefício da excussão prévia], não estamos perante uma dívida acessória de uma outra, mas da mesma dívida pela qual ambos os condevedores são, na mesma medida, face ao credor, responsáveis”.

  19. Por fim, quanto ao cumprimento do PERSI entendeu a decisão recorrida não ter sido cabalmente cumprido pelo Embargado; todavia, face à declaração de insolvência do co-mutuário, não se coloca a questão do PERSI, na medida em que o Embargado não estava obrigado a levar tal procedimento até final, conforme decorre do artigo 17.º do DL 227/2012.

  20. Com efeito, dispõe o artigo 17º, n.º 1 alínea d) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro que a declaração de insolvência do cliente bancário é causa de extinção do PERSI.

    Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, designadamente julgando verificada a invocada nulidade da sentença, devendo a mesma ser alterada por outra que, pronunciando-se sobre o efeito jurídico da insolvência sobre o contrato, julgue os embargos deduzidos totalmente improcedentes e ordene o prosseguimento da execução dos autos principais, com o que se fará, JUSTIÇA».

    *Tendo a executada/embargante contra-alegada sem que tenha procedido ao pagamento da taxa de justiça e multa, foi determinado o desentranhamento das contra-alegações apresentadas (ref.ª 37107925).

    *O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª 37285082).

    *Foram colhidos os vistos legais.

    *II. Delimitação do objecto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua...

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