Acórdão nº 3002/21.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório A X – Associação para a Cooperação entre Baldios, com sinais nos autos, intentou contra a JUNTA DE FREGUESIA DE Y, pessoa colectiva nº ………, com sede na Av. … Y e CONSELHO DIRETIVO DE BALDIOS DE Y, pessoa colectiva ………, com sede no Lugar de … Y, Acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, nos termos do DL 269/98, de 1 de Setembro, na qual pede que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe a quantia líquida de € 5.400,00, acrescida de juros de mora vencidos no valor de €468,56.

Para tanto, alega em síntese que celebrou com as rés, em 18 de Janeiro de 2018, um protocolo designado por “Protocolo - Relativo à Equipa de Sapadores Florestais 21 – 111”, no qual são outorgantes, além da Autora e Réus, a Câmara Municipal de ..., a freguesia de ... e a União das freguesias de ..., ... e ... (doc. 1 junto com a petição inicial e aqui dado por integralmente reproduzido).

Pelo referido protocolo, foi dada continuidade ao contrato de parceria celebrado em 2007 entre a Câmara Municipal de ... e a X, a Junta de Freguesia de Y, o Conselho Directivo de Baldios de Y, a Junta de Freguesia de ..., o Conselho Directivo e as Juntas de Freguesia de …, … e …. Nos termos desse protocolo, a Equipa de Sapadores Florestais constituída pela Autora presta a sua actividade à Câmara Municipal de ... e às freguesias aí enunciadas, através de acções de silvicultura preventiva, de vigilância das áreas florestais, de apoio ao combate a incêndios florestais, a realização de operações de rescaldo e acções de sensibilização pública para prevenção de incêndios florestais, sendo a área de intervenção da Equipa de Sapadores Florestais as áreas florestais sob administração de cada uma das freguesias.

Como se alcança do referido protocolo, as Rés obrigaram-se a comparticipar nas despesas da Equipa de Sapadores Florestais, constituída por 5 elementos, com a quantia de € 150,00 mensais, conforme cláusula 4ª desse documento.

Aconteceu que todas as partes Outorgantes cumpriram com o acordado, à excepção das Rés, que ao longo dos anos 2018, 2019, 2020, não pagaram qualquer quantia à Autora, nem denunciaram o Protocolo. Pelo que a Autora reclama dos Réus a quantia de € 5.868,56.

As rés apresentaram contestação. Começam por invocar a prescrição do direito da autora. Depois, suscitam a questão de o referido protocolo já não estar em vigor, por não ter sido renovado. Admitindo que está, dizem que a autora nos anos de 2018 e 2019 nunca solicitou a colaboração das Rés, muito menos lhes entregou qualquer plano de actividades, ou solicitou qualquer colaboração das Rés, como estava obrigada a fazer. E no ano de 2020 a autora não prestou qualquer serviço nas áreas pertencentes as Rés (sob domínio das Rés- baldios e área da junta de freguesia).

Em suma, alegam que em 2019, 2020 e 2021 nunca apareceu qualquer elemento a mando da Autora, pelo que nenhum trabalho foi prestado e nada é devido à Autora.

O Tribunal determinou que fossem ouvidas as partes, em dez dias, quanto à eventual verificação da excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria – (contrato público).

A autora veio pronunciar-se dizendo que o presente litígio não se enquadra no artigo 2º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos nem no artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mormente na alínea e) deste normativo.

Com efeito, o protocolo celebrado não se trata de contrato público, qualquer que seja a sua designação e a sua natureza administrativa ou privada. Nem seguiu ou tinha que seguir o ajuste directo, a negociação com publicação prévia de anúncio, o concurso público, ou concurso limitado por prévia qualificação e diálogo concorrencial, para a sua adjudicação, conforme o previsto no Código dos Contratos Públicos. Não sendo por isso competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

As rés vieram também pronunciar-se, dizendo em síntese que o n.º 3 do artº. 212º da CRP dispõe que "compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais". O art. 4º do ETAF enuncia exemplificativamente litígios sujeitos ao foro administrativo, tendo eliminado o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão que gera o pedido. O critério material da distinção assenta, agora, em conceitos como relação jurídica administrativa e função administrativa - conjunto de relações onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público.

A competência do Tribunal afere-se pelo pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos que invoca, pelo que a análise da petição dos AA é determinante. Ora, a Autora tem por base um contrato de prestação de serviços, onde são parte a Câmara Municipal, as Juntas de Freguesia, organismos públicos. O fim do contrato é a defesa de património publico. Pelo que, apesar de não se tratar de adjudicação que implique concurso publico, por razão do valor da adjudicação, contudo as partes perfilham interesse público. Assim entendem as Rés que se mostra verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria, devendo ser absolvidas da instância.

Cumprido o contraditório, foi proferido despacho que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência material do tribunal comum, ao abrigo do disposto nos artigos 99º,1, 278º,1,a) e 577º,

  1. CPC, e absolveu as Rés da instância.

    Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,b), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

    Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: A.

    A competência material do Tribunal tem de aferir-se face à natureza da relação jurídica material ou subjacente, tal como é apresentada ao Tribunal, neste caso, na acção Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contrato, no confronto entre o pedido e a causa de pedir.

    B.

    As Rés obrigaram-se a comparticipar nas despesas da Equipa de Sapadores Florestais com a quantia de 150,00€ mensais.

    C.

    Todas as outras partes outorgantes do protocolo cumpriram o acordado à excepção das Rés Junta de Freguesia de Y e Conselho Directivo de Baldios da mesma freguesia que não pagaram as prestações mensais referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020.

    D.

    A Autora reclamou o pagamento da quantia de 5.400,00€, acrescidos de juros de mora vencidos no valor de € 468,56 à data de instauração da acção.

    E.

    De acordo com a causa de pedir e o pedido não existe qualquer relação jurídica de cariz administrativo a considerar, mas apenas um contrato de prestação de serviços em que um dos contraentes é uma entidade administrativa do poder local, não estando, porém, em causa nos autos o exercício do denominado “ius imperium”.

    F.

    A causa de pedir nos autos reside na violação da relação sinalagmática pelo não pagamento dos valores acordados.

    G.

    In casu, a solução do litígio, tanto quanto ele é configurado pelas partes, não é regulado por normas de direito administrativo, mas pelas regras comuns do direito civil.

    H.

    O caso vertente nos autos, não se enquadra na previsão do artigo 4º, nº 1 alínea e) do ETAF, tanto mais que não haverá que fazer apelo a normas do direito público para apreciar a acção.

    I.

    Não está em causa a validade de qualquer acto pré-contratual, nem a interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratos públicos, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.

    J.

    Em causa nos autos, temos apenas comportamentos de natureza privada no contexto de uma acção que tem por objecto o pagamento do valor acordado no protocolo resultante da prestação de um serviço de limpeza, vigilância e apoio ao combate de incêndios florestais pela equipa de sapadores florestais constituída pela Autora.

    K.

    O que está em causa nos autos é singelamente uma acção de cobrança de dívida, não à Câmara Municipal, mas à Junta de Freguesia de Y e ao Conselho Directivo de Baldios da mesma freguesia que se obrigaram a pagar 150,00€ por mês e não pagaram.

    L.

    Estando a competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais imperativamente vinculada e condicionada à existência de um litígio emergente das relações jurídico-administrativas, reguladas por normas materialmente administrativas, no âmbito de actuação de entidades que exercem concretas competências de direito público, dotadas de “ius imperium.” M.

    A decisão em recurso, violou as disposições contidas nos artigos 64º, 96º alínea a); 99º, nº 1; 576º nº 2 e 577.º, n. º1, alínea a), todos do CPC, e os artigos 40º e 144º nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário aprovada pela Lei 62/2013 de 26 de Agosto.

    As recorridas contra-alegaram, defendendo que a decisão recorrida não padece das ilegalidades apontadas pela recorrente, devendo ser confirmada.

    II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se os Tribunais judiciais têm competência material para conhecer do presente litígio.

    III Vejamos o teor integral da decisão recorrida: “Da excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria: A X – Associação para a Cooperação entre Baldios, com sinais nos autos, pediram ao tribunal a condenação da Ré Junta de Freguesia de Y e Conselho Directivo de Baldios de Y no pagamento à Autora da quantia de € 5.400,00, acrescida de juros de mora vencidos no valor €...

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