Acórdão nº 146/19.1JAVRL-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelFÁTIMA SANCHES
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1. No âmbito do procedimento cautelar de arresto preventivo que corre termos sob o nº146/19.1JAVRL-B, por apenso ao processo de inquérito com o NUIPC146/19.1JAVRL, no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo Local Criminal de Bragança, por despacho proferido em 22-02-2022 [referência 24062009], foi decidido (transcrição): «IV. DISPOSITIVO: Em face do exposto, os termos dos artigos. 7.º, 8.º e 10.º da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, julga-se o presente procedimento cautelar parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, em consequência, decide-se decretar o arresto dos seguintes bens: - CONTAS BANCÁRIAS: BANCO A / ...........58 BANCO B / ...........46 BANCO C / ...........00 BANCO D / ...........50 - BEM IMÓVEL: Artigo Urbano, inscrito na matriz respectiva sob o artigo ... e inscrito na CRP sob o n.º ..., pela AP. 4179 de 2010/04/16, sito em ..., Bragança.

- BENS MÓVEIS: MERCEDESBENZ, com matrícula OL; OPEL VECTRA/LIM, com matrícula XZ.

Sem custas (artigo 4.º, n.º 1, al. a), do RCP).» 2.

Inconformado com a decisão, interpôs recurso o arguido J. L..

que, após dedução da motivação, apresentou as seguintes conclusões e petitório (transcrição): «1. O presente Recurso tem como objeto toda a matéria do Despacho que aplicou o Arresto Preventivo bens ao Arguido, ora Recorrente, bem como a nulidade do despacho que convidou o Ministério Público a apresentar “novo requerimento”, sob a forma de aperfeiçoamento.

  1. No Primeiro requerimento de arresto apresentado pelo Digno Magistrado do Ministério Público requereu “à Mm.ª JIC o arresto preventivo sobre os ativos localizados e identificados pelo GRA no âmbito do presente inquérito”, nos termos dos “artigos 1.º, n.º 1, al. f), 7.º, 10.º todos da Lei 5/2002 de 11 de janeiro”.

  2. Vindo o Tribunal “a quo” a apreciar e decidir da seguinte forma na sua primeira decisão: «analisado o requerimento de fls. 1080 e ss. constatamos que do mesmo não constam os factos atinentes aos fortes indícios da prática do crime imputado ao arguido, ao fumus bónus iuris o periculum in mora e o pedido dos concretos bens a arrestar. Logo, temos de concluir que tal requerimento se mostra deficientemente alegado.” 4. Ora, nem do artigo 590, n.º 1 al. b) do CPC se pode retirar tal conclusão, nem a jurisprudência citada lhe atesta a razão, salvo o devido e elevado respeito, naturalmente! 5. O requerimento de arresto preventivo não era irregular, era omisso em relação aos factos essenciais que constituem os fundamentos do mesmo, ou seja, os fortes indícios da prática de um crime de catálogo definido no art. 1.º da Lei n.º 5/2002, como se reconhece no despacho recorrido.

  3. Na medida em que o despacho recorrido convida a aperfeiçoar um requerimento que é omisso em relação aos factos determinantes do arresto preventivo previsto no artigo 10.º n.º 2 e 3 da Lei n.º 5/2002 - fortes indícios da prática do crime imputado ao arguido; ao fumus bónus iuris; periculum in mora e o pedido dos concretos bens a arrestar – praticou um ato proibido por lei, logo nulo, por efeito do artigo 195.º n.º 1 do CPC, devendo anular-se tudo o que dele dependa absolutamente, nos termos do artigo 195.º n.º 2 do CPC.

  4. O Tribunal “a quo” considerou sumariamente provados 35 factos; 8. No entanto, salvo devido respeito, não foram mencionados factos suscetíveis de permitir a aplicação de uma medida de garantia patrimonial tão gravosa ao Recorrente, tal como é exigido pelo artigo 10.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro; Desde logo, 9. O facto considerado como sumariamente provado n.º 9 é enganador, pois, segundo a Inquirição a T. F., datada de 06.04.19, é falso que foi o Arguido que “propôs a T. F. que baixaria o valor da correção caso lhe entregasse a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) em numerário”, mas foi a própria TESTEMUNHA quem tentou aliciar o arguido com a oferta de um equipamento no valor de 5.000,00€, que este recusou; 10. O facto 17 refere “Em data não concretamente apurada, mas, seguramente, entre o ano de 2016 e 2017, o arguido A. P. foi fiscalizado pelo arguido J. L.”, Ou seja, o denunciante, J. P., alegadamente tem conhecimento dos factos desde “2016 ou 2017” e o seu autor (o arguido), porém não apresentou queixa e manteve-se em silêncio até 2020, após o caso aparecer nos órgãos de comunicação.

  5. Nas subsequentes dezenas (cerca de 20) de inquirições a contribuintes inspecionados pelo arguido J. L. não existe um único que tenha sido aliciado; 12. Ambos os contribuintes acima identificados enganaram o Estado Português, ambos os contribuintes tiveram de liquidar avultados impostos que tinham omitido, resultantes de valores que receberam e não declaram nas declarações de IRC, ambos os contribuintes ficaram desagradados com a atuação do inspetor tributário e ambos os contribuintes podem ter vantagens com o desfecho deste processo (para além daqueles que o contribuinte T. F. teve em que a contabilista considerava razoável pagar 35.000,00€ e apenas teve de liquidar cerca de 6.000,00€); 13. Não foi tida em consideração uma escuta telefónica a contradizer os factos imputados ao arguido que recusou tomar um café com a testemunha T. F., a convite deste em 6 de Abril, ou seja no decurso da ação inspetiva, antes da apresentação da queixa mas depois da data que a testemunha referiu ter sido aliciada; Mais, 14. Na motivação de facto, conclui a decisão cautelar que «[o] Tribunal fundamentou a sua convicção na prova produzida em sede de inquérito, globalmente analisada e concatenada em conjugação com as regras da lógica e da experiência comum e normalidade do devir (artigo 127.º do CPP)”; Porém, 15. O Mmº. Juiz de Instrução não realizou uma análise crítica dos motivos que o levaram a discriminar os factos dados como provados e porque considerou condigna a prova que indicou; 16. Regendo-se o arresto pelo CPC, são aplicáveis os artigos 292.º a 295.º desse Código, por força dos seus artigos 365.º n.º 3 e 376.º n.º 1; 17. Como à decisão cautelar se aplica o artigo 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil: [n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”, artigo este que não foi cumprido pelo JIC que não procedeu a uma análise crítica da prova; 18. A prova testemunhal incriminatória não está corroborada por nenhum outro meio de prova e as pessoas em questão estão ligadas por vínculos de consanguinidade - T. F. e A. R. – ou por vínculos profissionais - T. F. e M. H.; 19. Das dez testemunhas apresentadas, seis (A. V., C. F., M. B., R. P., A. B., C. M.) têm vínculo laboral com o Serviço de Finanças, embora com cargos distintos; 20. Nos seus depoimentos referiram, entre outros tópicos, que os inspetores tributários efetuam inspeções externas desacompanhados, ou seja, que era um procedimento normal o arguido se deslocar sozinho às sedes das empresas alvo de inspeção, como também que não existe um telefone/telemóvel de serviço, sendo também recorrente utilizar e conceder o número de telemóvel pessoal por patricidade, não tendo nenhum dos inspetores tributários inquiridos desconfiado de qualquer conduta ilícita praticada pelo arguido; 21. Se fosse verdade que o arguido queria obter uma vantagem indevida não tinha reduzido a escrito e junto ao processo de inspeção elementos de prova físicos que suportavam sem margem para dúvidas que o contribuinte T. F. “fugia” ao pagamento dos impostos e que a sua contabilista era conivente com esse comportamento, tendo ficado esta com uma cópia das declarações; 22. Ou seja, é dada credibilidade a uma contabilista que cometeu uma ilegalidade (que poderia e deveria originar um processo disciplinar), que afirmou que T. F. é uma pessoa honesta, tendo essa mesma pessoa sido alvo de fiscalização e correção, pois não declarava, efetivamente, tudo o que vendia e que a própria contabilista admitiu que na contabilidade nem tudo estava conforme a lei; 23. É dada credibilidade às declarações prestadas pelo arguido J. P. que na sua segunda inquirição se considerou um homem “honesto”, mas que tinha em falta nas declarações de impostos da empresa cerca de 75.000€ a pagar ao Estado por verbas que recebeu e não declarou em sede de IRC; 24. Nenhuma escuta indicia qualquer comportamento do arguido em assumir o resultado daquilo de que vem indiciado ou de propor o pagamento de qualquer quantia para adulterar o resultado das ações inspetivas; 25. As dezenas de contribuintes inspecionados pelo arguido e inquiridos segundo relação feita pelo órgão de Polícia Criminal e pelo Digno Magistrado do Ministério Público afirmaram não ter recebido qualquer proposta de aliciamento por parte do arguido; 26. E os vários inspetores da AT (alguns dos quais indicados pelo arguido) nunca se aperceberam de qualquer comportamento estranho ou tentativa de aliciamento aos contribuintes; 27. No momento não é possível fazer prova cabal da proveniência lícita de todos os montantes monetários do arguido, todavia aqueles que nesta fase não é possível demonstrar a proveniência lícita é possível ver que se tratam de depósitos ou transferências realizadas pelo pai, pela mãe e pela sogra do arguido; 28. Sendo também de conhecimento comum a normalidade de, em famílias conservadoras, principalmente de Trás-Os-Montes, os pais ampararem monetariamente os seus parentes, principalmente tratando-se, como é o caso, de uma estreita relação de pais/filhos e netas, porque muitos desses depósitos foram feitos pelos avós (pais do arguido) para pagarem...

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