Acórdão nº 1604/19.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório J. F.

intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra Seguradoras ..., S.A., com sede na Avenida …, n.º …, em Lisboa, atualmente denominada X Seguros, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia líquida de 21.161,49 €, bem como a indemnização, a liquidar posteriormente, que for devida em resultado da desvalorização funcional (défice funcional permanente de integridade físico-psíquica), quer a título de dano não patrimonial, quer a título de dano biológico, quer ainda a título de dano patrimonial futuro, tanto de perda da capacidade de ganho, como de acompanhamento médico e medicamentoso, tudo acrescido de juros à taxa legal supletiva calculados desde a citação.

O autor formulou os aludidos pedidos a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de acidente de viação que descreve, cuja ocorrência imputa à conduta culposa da condutora do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula GL, acrescentando que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com este veículo se encontrava transferida para a ré seguradora.

A ré contestou, aceitando a dinâmica do embate descrita na petição inicial, excetuando a velocidade imprimida ao cada um dos veículos intervenientes. Aceitou igualmente a celebração do contrato de seguro e parte dos danos invocados pelo autor, impugnando os restantes, bem como o nexo causal entre o embate estes danos.

Dispensada a realização da audiência prévia, foi fixado o valor da causa e proferido o despacho saneador, após o que foi selecionado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, em termos que não mereceram reclamação das partes.

Depois de produzida a prova pericial, o autor veio liquidar o pedido, solicitando que ao valor inicial acresça a quantia global de 30.500,00 €, fixando o valor global do pedido num total de 51.661,49 €.

Foi realizada a audiência final, após o que foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva: «Pelo exposto, o tribunal julga a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condena a ré X Seguros, S.A. a pagar ao autor J. F. a quantia de 20,765,83 €, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença no que respeita aos € 7.500,00 referentes a danos de natureza não patrimonial e desde a citação da ré no que respeita à quantia restante, em ambos os casos até integral pagamento.

Custas pelo autor e pela ré, na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao primeiro.

Fixo o valor da acção em 51.661,49 € (cfr. artigo 299.º, n.º 4, do CPC)».

Inconformada, veio a ré interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I- A compensação arbitrada ao Autor pelo seu dano biológico, de natureza não patrimonial, é excessiva, devendo ser reduzida para 3.000,00€ II- E ainda que se entenda que tal valor não é adequado a compensar o dano biológico do Autor, o que não se admite, sempre se imporia a redução do valor arbitrado para quantia inferior, o que, subsidiariamente, se requer.

III- Em face dos factos provados, nomeadamente o facto de ter sofrido lesões ligeiras, ter tido alta hospitalar 2 dias depois do internamento, não ter tido a necessidade de realizar tratamentos fisiátricos ou de outra natureza, ter obtido a consolidação médico-legal da suas lesões dois meses apos o acidente, ter estado apenas 32 dias em situação de total incapacidade para o trabalho e lhe ser reconhecido um quantum doloris de, apenas, 2 pontos numa escala de 1/7, sem dano estético, é manifestamente excessiva a verba atribuída para compensar os danos morais do Autor.

IV- Entende a Ré que essa compensação deve ser reduzida para 3.500,00€ V- E ainda que se entenda que tal valor não é adequado a compensar os danos morais sofridos pelo Autor, o que não se admite, sempre se imporia a redução do valor arbitrado para quantia inferior, o que, subsidiariamente, se requer.

VI- A douta sentença violou a norma do artigo 496.º do Cod Civil Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados, como é de inteira e liminar JUSTIÇA».

Também o autor veio interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. J. F., Autor nos autos supra identificados, notificado da douta sentença neles proferida, com a referência 176716539, não podendo com a mesma concordar, vem interpor recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de Guimarães, com efeito meramente devolutivo e com subida nos próprios autos (cfr.artºs. 633º, nº 2, 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 1 do CPC), para o que se junta as respectivas Alegações.

DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: 2. Lê-se no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

  1. Dito isto, a douta sentença deu como não provado o seguinte facto: m. Que o autor se tivesse recorrido de concorrentes para levar a cabo as duas obras que tinha em curso por estar impossibilitado de trabalhar.

  2. O Autor considera tal facto incorrectamente julgado e, por esse motivo, impugna a decisão proferida quanto a este ponto da matéria dada como não provada.

  3. Não pode o Autor concordar com o entendimento do tribunal a quo, uma vez que a prova produzida em audiência de julgamento permite comprovar o nexo de causalidade entre o período de incapacidade do Autor e a necessidade de recorrer aos serviços da Carpintaria ... para terminar as obras que tinha em curso naquela data.

  4. Veja-se as declarações de parte do Autor, produzidas a 3/12/2021, com a duração de 0:53:16, desde as 09:50 e as 10:44 aos 30m42s.

  5. Veja-se, ainda o depoimento da testemunha A. M., produzidas a 3/12/2021, com a duração de 0:09:33, desde as 10:56 e as 11:05, aos 8:00.

  6. Importa atentar, por fim, no depoimento da testemunha M. J., legal representante da Carpintaria ..., que prestou os mencionados serviços ao A., produzidas a 15/12/2021, com a duração de 0:16:42, desde as 14:56 e as 15:13, aos 3:01.

  7. Desta prova, pode-se extrair, sem qualquer dúvida que o Autor recorreu aos serviços da Carpintaria ... porque não podia, ele mesmo, concluir a obra por causa única e exclusiva da incapacidade que decorreu do acidente descrito nos autos.

  8. Mesmo que assim não fosse, recorrendo a uma simples presunção, facilmente se concluiria pela veracidade daquele facto.

  9. Ora, foi dado como provado que o acidente se deu a 29/03/2016, e que teve incapacitado (entre défice total e parcial) até ao dia 13/05/2016 - vide factos provados 21 a 25.

  10. Deu-se ainda como provado que em data anterior a 13/05/2016 o autor solicitou à Carpintaria ..., Lda. a execução de duas empreitadas que lhe haviam sido adjudicadas, despendendo a quantia de € 2.425,00 mais IVA - vide factos dados como provados 54 e 55.

  11. Torna-se por demais evidente que o A. recorreu aos serviços da Carpintaria ... durante o seu período de incapacidade, não tendo terminado as obras por incapacidade decorrente do acidente melhor descrito nos autos.

  12. Assim tendo em conta as declarações do A., o depoimento das testemunhas supra e recorrendo a uma simples presunção, deve o facto m. da matéria dada como não provada, ser dado como provado.

  13. Condenando-se a R. no pagamento da quantia de € 2.425,00 mais IVA ao Autor.

    QUANTO AO DANO BIOLÓGICO: 16. Um dos casos mais frequentes a que o tribunal tem de atender a danos futuros é o que se verifica no caso de lesões que atingem a capacidade física do lesado.

  14. O que está aqui em causa não é o sofrimento ou a deformação corporal em si, mas antes a impossibilidade de utilizar o seu corpo de forma absoluta.

  15. No caso dos autos há a considerar como dano futuro o dano biológico, já que a afectação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades do A..

  16. Ora, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o conceito de dano biológico tem sido acolhido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, o qual será sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

  17. Veja-se os recentes acórdãos do STJ de 21/01/2016 e 03/11/2016, processos 1021/11.3TBABT.E1.S1 e 1971/12.0TBLLE.E1.S1, respectivamente, que afirmam de forma clara que o “dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial” (negrito nosso).

  18. Enfim, o dano biológico consiste na perda genérica de potencialidades funcionais, e deve ser autonomizado, perspectivado e satisfeito, para o que deve ser fixado, nos presentes autos, o valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).

  19. O Tribunal a quo, incluiu o Dano Biológico na vertente de dano patrimonial futuro, o que, com o devido respeito, que é muito, não o deveria ter feito, uma vez que este dano, como supra se referiu, deve ser autonomizado.

  20. No caso dos autos a existência de dano biológico é inegável, uma vez que houve uma afectação das potencialidades físicas do Recorrente, determinando uma irreversível perda de faculdades.

  21. Assim, será devida uma quantia a título de dano biológico, quantia essa que nunca poderá ser inferior a € 20.000,00.

  22. Caso assim não se entenda, e se entenda que o Dano Biológico se deverá incluir nos danos...

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