Acórdão nº 3879/20.6T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: M. L. e R. G..

Recorrido: A. M..

Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Monção - Juízo C.

Genérica.

Nos presentes autos de Inventário por óbito de A. N. (falecido em -/10/2003, com última residência em Monção) e de E. G. (falecida em -/07/2018, com última residência em Valença) citado o cabeça de casal (artigo 1100º, n.º2, al. b) do CPC) A. M. este apresentou “Relação de Bens”.

Notificados os interessados M. L. e R. G. (art. 1104.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil), estes apresentaram “Reclamação à Relação de Bens” peticionando ser ordenada a remoção da relação de bens da verba n.º 1 do activo (conta bancária n.º ........63 do Banco ...) e todas as verbas indicadas no passivo em que aparece como credor o próprio CC.

Notificado o cabeça-de-casal (art. 1105.º, n.º1, do Cód. Proc. Civil), este apresentou “Resposta”.

*Realizada audiência de produção de prova, foi proferida decisão em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar a presente acção nos seguintes termos: “Julgar a reclamação à relação de bens improcedente por não provada e, consequentemente, determinar o relacionamento da Verba n.º 1: Conta bancária n.º ........63 (Banco ...), no valor de € 102.897,97 (cento e dois mil, oitocentos e noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos)”.

Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os interessados M. L. e R. G., sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraíram, em suma, as seguintes conclusões: I.

A douta sentença de 17.02.2022 incorreu em manifesto erro de julgamento, produzindo, s.m.o., uma decisão profundamente iníqua e que não faz, como se impunha, a necessária justiça que a tutela dos direitos dos recorrentes in casu reclamam, como se demonstrará.

II.

Os recorrentes insurgem-se contra a decisão do tribunal de incluir na relação de bens a verba n.º 1, conta bancária número ........63, no valor de 102.897,97€.

  1. A sentença prolatada é nula por violação do disposto nos artsº 615º n.º 1 alíneas b) e d) e 607º nº 4 do CPC.

  2. A sentença é absolutamente omissa no que respeita à fundamentação do sentido da decisão, sendo que, a própria matéria dada como provada não é adequada para sustentar tal decisão.

    V.

    O dever de fundamentação das decisões, decorre do art. 208º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, sendo da maior relevância para ser exercido controlo no julgamento da matéria de facto e na decisão de direito.

    VI.

    A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.

  3. É usual a sentença indicar a matéria de facto provada e a fundamentação e, após proceder à indicação dos factos não provado, fazer indicação discriminada com base nos articulados.

  4. No caso, a sentença recorrida, limita-se a listar alguns factos que considera provados e, em termos vagos, remete-los para os diversos meios de prova.

  5. Contudo, nunca é feita qualquer linha de raciocínio que permita encontra o percurso lógico-dedutivo que levou o tribunal a decidir daquela forma.

  6. Não se percebe ainda, de que forma é que a matéria provada contribuiu para a decisão de direito, sendo que nunca refere as razões que levaram o tribunal a decidir pela inclusão da verba n.º 1 na relação de bens.

  7. As decisões que relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável pois só assim ficam salvaguardados os direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto, quando admissível, habilitando ao cumprimento dos ónus impostos ao recorrente impugnante da matéria de facto, mormente, quanto à concreta indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e os concretos meios de prova, nos termos das als. a) e b) do nº1 do art. 640º do Código de Processo Civil.

  8. Com o devido respeito, não se pode reconhecer à sentença recorrida tais requisitos de clareza e precisão de fundamentação da decisão, pelo que enferma de nulidade, nos termos do art. 615º, nº1, b) e c), do Código de Processo Civil e, como tal, não pode manter-se devendo ser declarada nula ou anulada.

    Acresce que, XIII.

    Como sabemos, a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor, conforme disposto no art. 2031º do Código Civil.

    XIV.

    O acervo hereditário é o existente na titularidade do autor da herança no momento do óbito, ou seja, apenas inclui posições jurídicas, que, nesse fulcral momento, estivessem efectivamente na esfera jurídica do autor.

    XV.

    Os requerentes/recorridos invocam que deve ser relacionada uma conta bancária do Banco ... com o número ........63, com o montante de 102.897,97€.

    XVI.

    Mas, na realidade, a referida conta, à data do óbito, não tinha qualquer saldo, conforme foi certificado pelo próprio Banco ....

    XVII.

    Este valor não se encontrava na referida conta há mais de 2 anos.

    XVIII.

    Para que este valor integre o acervo hereditário é necessário alegação e prova de que a referida quantia tinha sido ilicitamente subtraída à sua dona.

    XIX.

    E tal não consta alegado, muito menos provado que o montante foi transferido sem o conhecimento e sem o consentimento da inventariada na douta sentença recorrida.

    XX.

    Como tal, a transferência do montante de 102.897,97 € do património da inventariada para os aqui requeridos, em vida da inventaria, só tem que ser considerada lícita e válida.

    XXI.

    Sem desprimor que, como defendem os recorrentes, seja efectuado um acerto de contas, pois eram os requeridos que suportavam todas as despesas da inventariada até finais de 2017.

    XXII.

    O que só poderá ser decidido em acção de prestação de contas.

    XXIII.

    Pelo que, não poderão restar dúvidas de que, no momento da abertura da herança, esta conta não fazia parte dos bens que a constituíam.

    XXIV.

    Logo, o Tribunal não poderia decidir pela sua inclusão na relação de bens, mas sim remeter as partes para os meios comuns para a decisão desta questão.

    O Apelado apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência da Apelação.

    *Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    *II- Do objecto do recurso.

    Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes: - Analisar da incompetência territorial do tribunal de recurso.

    - Analisar da existência ou não de nulidade por falta de fundamentação, oposição entre os fundamentos e a decisão e por excesso de pronúncia, nos termos das alíneas b), c) e e), do n.º 1 do artigo 615.º, do Código de Processo Civil.

    - Analisar se os bens que na data do óbito, não estão na posse do de cujus afasta a obrigação do seu relacionamento em sede de inventário.

    *III- FUNDAMENTAÇÃO.

    Fundamentação de facto.

    A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte: Factos Provados.

    1. FACTOS PROVADOS 1. A. N. faleceu em -/10/2003, com última residência em Monção; 2. E. G. faleceu em -/07/2018, com última residência em Valença; 3. A. N. e E. G. eram casados entre si; 4. Os inventariados A. N. e E. G. tiveram os seguintes filhos: 4.1. A. M. (nascido em -/07/1950 casado, contribuinte fiscal n.º ………, titular do bilhete de identidade n.º ……, natural da freguesia e conselho de Valença, residente na Rua … VALENÇA) e 4.2. M. G. (falecida em -/06/2005, no estado de casada com J. A.), tendo deixado como herdeiros: 4.2.1. J. A. (marido);2.2. R. G. (filho) – nascido em ..-03-1976, contribuinte fiscal n.º ………, com domicílio na Urbanização … MONÇÃO casado com I. C., sob o regime da comunhão de adquiridos; e 4.2.3. M. L. (filho) nascido em ..-06-1978, contribuinte fiscal n.º ………, com domicílio na Rua … PORTO; 5. Os autores da sucessão não deixaram testamento ou qualquer outra disposição de última vontade; 6. Em 19-11-2015 foi movimentado a débito da conta bancária n.º ........63 (titulada por E. G.) para a conta bancária n.º ……… (titulada pelos Interessados R. G. e M. L.) - ambas as contas sediadas no Banco ... - o valor de € 102.897,97 (cento e dois mil, oitocentos e noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos); - cfr. doc. 10; 7. Por Sentença proferida em 24-07-2017, no processo n.º 162/16.5T8MNC deste Tribunal, a inventariada E. G. foi declarada interdita por anomalia psíquica, fixando-se o início da interdição em meados de 2016 e, por despacho de 25-09-2017, nomeado Tutor o cabeça-de-casal A. M.; 8. Ainda nos autos identificados em 7., em posterior incidente de remoção de tutor, por sentença de 14/08/2018, foi determinado que “… todos os bens da interdita que se encontram na posse dos netos M. L. e R. G., sejam restituídos à mesma, na pessoa do seu tutor;”.

    FACTOS NÃO PROVADOS Não existem factos não provados.

    Fundamentação de direito.

    Na contra-alegações apresentadas o Recorrido veio invocar a incompetência territorial do tribunal de recurso, ao abrigo do disposto no art. 31.º n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), o qual prescreve que «A área de competência dos tribunais da Relação, salvo nos casos previstos na presente lei, é definida nos termos do anexo i à presente lei, da qual faz parte integrante», sendo que, à luz de tal Anexo I do referido diploma, o Tribunal da Relação de Guimarães é o competente para julgar o presente recurso, dado que a acção corre os seus termos no Juízo de Competência Genérica de Monção, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo.

    Sucede que os Apelantes dirigiram o seu recurso para o...

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