Acórdão nº 655/20.0T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | JORGE SANTOS |
Data da Resolução | 15 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO O Ministério Público intentou o presente processo de promoção e proteção da criança J. S.
, nascida em ..-11-2019 (2 anos), filha de A. C.
e de E. V., devidamente identificada nos autos, alegando, em síntese, que na sequência de os progenitores não terem condições para lhe prestarem os necessários cuidados básicos foi a criança acolhida na instituição Associação de Apoio à Criança (ffAC), em Guimarães, logo após o seu nascimento, onde ainda permanece. Sucede que ao longo deste período, os progenitores não se esforçaram por reunir condições para poder acolher a criança. A progenitora continua sem rendimentos, sem residência estável, envolvendo-se em relacionamentos amorosos de curta duração e marcados por maus tratos e violência. A sua relação com a criança foi-se deteriorando, passando largos períodos sem a visitar. Por sua vez, o progenitor esteve sempre detido ou em cumprimento de pena de prisão e a criança não o conhece'.
O processo prosseguiu com vista a encontrar-se alternativa à medida aplicada de acolhimento residencial, sem sucesso.
O Ministério Público promoveu a aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção, requerendo, para o efeito, a realização de uma conferência com vista à obtenção de acordo.
Em 25-11-2021foi realizada conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção para a aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção, sendo que os progenitores não deram o seu acordo.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 114º LPCJP.
O Ministério Público apresentou alegações por escrito e indicou prova, pugnando pela aplicação da medida de confiança judicial com vista à adoção (conforme requerimento de 8- 12-2021).
A ilustre patrona da menor apresentou alegações por escrito, pugnando pela aplicaçâo da medida de confiança judicial com vista à adoção (conforme requerimento de 15-12- 20219.
O ilustre patrono do progenitor apresentou alegações por escrito e indicou prova, pugnando pela aplicação de medida em meio natural de vida, opondo-se à medida sugerida de confiança judicial com vista à adoção (conforme requerimento de i6-12-2021).
A ilustre patrona da progenitora apresentou alegações por escrito e indicou prova, pugnando pela aplicação de medida em meio natural de vida, opondo-se à medida sugerida de confiança judicial com vista à adoção (conforme requerimento de 14-01 -2022).
Foi efetuado o debate judicial.
Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “- Assim, decide, por unanimidade, este Tribunal ser suficiente, proporcional e adequado ao caso em apreço, e com o fim de proporcionar e promover a formação, educação e bem estar, da criança J. S., nascida em ..-11-2019, filha de A. C. e de E. V.: a) aplicar-lhe a medida de promoção e proteção de confiança à Associação de Apoio à Criança (44C), em Guimarães, com vista à sua futura adoção, e até que seja decretada, em substituição da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, nos termos previstos nos artigos 40, alíneas c) e e), 35o, n.o 1, alínea g), 38o, 38o-A, 62o, n,o 3, alínea b) e 620-A da LPCJP, na última redação da Lei no 2612018, de 05-07.
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declarar a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte de A. C. e de E. V., em relação à criança J. S., nascida em ..-11-2019 - artigo 1978o-A do Código Civil.
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nomear curador provisório da menor o Diretor técnico da Associação de Apoio à criança (AAC), em Guimarães, onde a menor se encontra (artigo 620-A, no3, da LPCJP).
Comunique ao Serviço de Adoção da Segurança Social e à Associação de Apoio à Criança (AAC).” Inconformados com a sentença dela vieram recorrer a progenitora e o progenitor, este limitando-se a subscrever as alegações daquela, formulando as seguintes conclusões: 1. Nos termos do disposto nos artigos 662.º e 640.º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que a Apelante a impugnou, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida.
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A Recorrente entende que se mostram incorretamente julgados os pontos 9, 12 e 18 dos factos provados, sendo que, em seu entender, os mesmos deveriam ter sido dados como não provados, na parte prejudicial, por erro de interpretação do Tribunal a quo sobre os mesmos.
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Durante o período compreendido entre a admissão da J. S., que ocorreu dias após o seu nascimento, e meados de março de 2020, a D. E. V., mãe da criança, e aqui, Recorrente, visitou a filha de forma, relativamente assídua e pontual, contactando a instituição para informar a impossibilidade de comparecer ou para solicitar alterações de horários.
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A situação pandémica e o decorrente confinamento geral ditaram a suspensão de todas as visitas de familiares, entre 11 de março e 18 de maio de 2020.
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A 28 de maio de 2020, a Recorrente contactou telefonicamente a AAC (Associação Apoio à Criança) para informar que se encontrava a residir no Algarve e que agendaria visita quando se deslocasse ao norte, sendo que a partir desse momento, foram agendadas videochamadas semanais, à quarta-feira, que se mantiveram e que foram cumpridas pela Recorrente.
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A Recorrente retomou as visitas à filha no dia 09 de junho de 2020 e, desde esse dia, foi visitando a filha com regularidade.
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Assim, desde que as visitas foram retomadas após o confinamento, a Recorrente teve apenas um período inferior a 3 semanas sem ver a filha, por se encontrar no Algarve, mas tendo realizado videochamadas semanais.
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Após a retoma das visitas, a 09 de junho de 2020, verificaram-se algumas ausências, relacionadas com questões de saúde e que foram, atempadamente, justificadas.
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O histórico da Recorrente, nomeadamente, o facto de não ter mantido a guarda e o exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos mais velhos, não podem relevar para a verificação objetiva dos pressupostos exigíveis para a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no artigo 1978.º do Código Civil.
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A Recorrente demonstrou ter condições para providenciar o seu sustento, sendo-lhe reconhecida boa capacidade profissional.
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A matéria de facto dada como provada no ponto 12, nomeadamente, a condenação da Recorrente pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, não deve relevar para os presentes autos, na medida em que a prática do crime ocorreu mais de 3 anos antes ao nascimento da sua filha.
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A Recorrente evidenciou esforços notórios para, ao longo do tempo, melhorar a sua condição de vida e em manter vínculos afetivos com a sua filha J. S., visitando-a presencialmente e convivendo em vídeo chamada com regularidade.
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À Recorrente é reconhecida capacidades e competências como mãe, bem como uma relação afetiva com a filha J. S., muito mais sólida do que aquela que existe entre esta e o seu progenitor.
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Não se encontram preenchidos os pressupostos para a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no artigo 1978.º do Código Civil e no artigo 35.º, n.º 1, al. g) da LPCJP, por inexistência de uma situação de perigo, na medida em que a criança se encontra salvaguardada na instituição onde se encontra a residir desde os primeiros dias de vida, reconfigurada à situação de perigo definida no n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP, e que é pressuposto necessário para a aplicação do artigo 1978.º do Código Civil, encontrando-se assim, a douta sentença recorrida, ferida de ilegalidade.
Termos em que, Concedendo provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença recorrida em conformidade com o exposto, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA! Houve resposta aos recursos por parte do Ministério Público e pela menor, nelas se pugnando pela total improcedência dos mesmos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – OBJECTO DO RECURSO A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito – arts. 635º e 636º do C.P.Civil.
B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, cumpre apreciar: - Da impugnação da matéria de facto; - Se, em consequência e em todo o caso, deve ser revogada a sentença recorrida.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO - Factos considerados provados na sentença: 1. No dia .. de novembro de 2019, nasceu J. S. tendo sido registado na Conservatória do Registo Civil de ... como sendo natural da freguesia de ..., concelho de Fafe, e filha de A. C. e de E. V. (ver certidão do Assento de Nascimento no … do ano de 2019, junta com o requerimento inicial).
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A menor J. S. nasceu na maternidade do Hospital da … - … (onde se manteve em internamento social até ser acolhida na Associação de Apoio à Criança, em ..-11-2019), tendo a respetiva Coordenadora do Serviço Social sinalizado a mesma à CPCJ, por haver informação de que a mesma, durante a gravidez, faltou às consultas no Centro de Saúde e de Obstetrícia Alto Risco/Diabetes, além de que a mesma tem revelado uma fragilidade emocional constante, com relações amorosas marcadas por violência e de curta duraçâo, a sua residência não tem condições de habitabilidade e não existe retaguarda familiar' 3. A CPCJ efetuou visita domiciliária à casa onde a mãe e a filha iriam habitar, tendo constatado: o(...) um quarto muito frio e húmido. Para a bebé havia somente uma cama, com uma cobertura suja, sem lençóis, sem cobertor, nem colchão. Em cima da cobertura havia "cocó de rato", o que fez com que tirássemos tudo da cama (...)...
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