Acórdão nº 448/21.9T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução02 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte RELATÓRIO P. C., Lda.

, com sede na Rua …, n.º …, pavilhão .., …, Vizela, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra M. F.

, residente na Rua …, n.º …, … Vizela, P. A.

, residente na Rua …, n.º …, Vizela, e M. S.

, residente na Rua …, Habitação …, Matosinhos, todas na qualidade de únicas e universais herdeiras de J. C.

, pedindo a condenação destas, na referida qualidade, a pagar-lhe a quantia de 18.018,45 euros, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Para tanto alega, em síntese, dedicar-se à estamparia de artigos têxteis e ter sido constituída em 1991, com um capital social de 5.000,00 euros, repartidos pelos seguintes sócios fundadores: J. P., titular de uma quota no valor de 3.000,00 euros, e J. C., titular de uma quota de 2.000,00 euros; Ambos os sócios foram nomeados gerentes da Autora, obrigando-se esta mediante a assinatura dos dois gerentes; A situação descrita manteve-se inalterada até 31/12/2016, altura em que a quota de J. C. foi cedida; Em 28/08/2017 faleceu J. C., sucedendo-lhe como únicas e universais herdeiras, a 1ª Ré, viúva, e as 2ª e 3ª Rés, filhas; Desde a sua constituição até 31/12/2016, a sociedade Autora foi gerida, de facto e de direito, exclusivamente pelos identificados sócios e gerentes J. P. e J. C., detendo ambos o controlo único e exclusivo da Autora; No decurso do ano de 2018, a Autora foi alvo de uma ação inspetiva pela Administração Tributária, que incidiu sobre o ano civil e fiscal de 2014, da qual resultou que, no referido ano, não foram declarados valores de matérias primas compradas pela Autora, de stocks existentes e de mercadorias transformadas e vendidas, o que culminou com a liquidação adicional de impostos, pela Administração Tributária, por valores não declarados, imputação de juros e coisas, no montante global de 36.036,93 euros; A Autora pagou voluntariamente, no âmbito dos processos que lhe foram instaurados e das notificações para o efeito recebidas, aquela quantia à Administração Tributária, e já foi ressarcida pelo antigo sócio e gerente, J. P., pelo montante correspondente a metade desse valor, o mesmo não acontecendo com as Rés, enquanto herdeiras do falecido J. C..

As Rés contestaram defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocam a exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos Juízos Cíveis para conhecer da relação jurídica delineada pela Autora na petição inicial, sustentando que, atenta essa relação jurídica, são materialmente competentes para dela conhecerem os Juízos do Comércio; Invocam a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, advogando que, atentos os princípios da pessoalidade da gerência e da sua intransmissibilidade, a responsabilidade do falecido J. C. decorrente do exercício da gerência da Autora extinguiu-se com a morte deste, não se transmitindo aos respetivos sucessores e, bem assim que, em todo o caso, ainda que assim não fosse, sempre a presente ação tinha de ser instaurada contra a herança do falecido J. C., ainda que representada pelas suas herdeiras, e não contra estas pessoalmente, como o foi; Suscitam a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, por falta de alegação da causa de pedir, sustentando que a Autora não alega factos que preencham a previsão legal da norma em que fundamenta o seu pretenso direito indemnizatório, na medida em que não alega quais os concretos atos ou omissões praticados ou omitidos pelo falecido J. C. no exercício das suas funções de gerente, quais os deveres legais ou contratuais por este violados e quais os danos concretos causados à sociedade Autora por via de tais atos ou omissões; Invocam a exceção dilatória de falta de deliberação dos sócios da sociedade Autora autorizando a propositura da presente ação, sustentando que esta é necessária por imposição legal; Suscitam a exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório que a Autora vem exercer na presente ação, advogando que, nos termos do art. 174º do CSC, os direitos da sociedade contra os seus gerentes prescrevem no prazo de cinco anos, pelo que, fundando-se a pretensão indemnizatória em factos e omissões que a Autora imputa ao falecido J. C., no exercício das funções de gerente daquela, no ano de 2014, esse direito há muito que se encontra prescrito, mesmo por aplicação do regime do art. 498º, n.º 1 do CC.

Impugnam parte da facticidade alegada pela Autora e concluem pela procedência das exceções aduzidas e, em todo o caso, pela improcedência da ação.

Notificou-se a Autora para, querendo, responder às exceções alegadas pelas Rés na contestação, convite esse que acatou, apresentando a resposta de 22/11/2021, em que conclui pela improcedência de todas as exceções invocadas pelas Rés, alegando, em particular quanto à exceção perentória da prescrição, que apenas teve conhecimento da facticidade que imputa ao de cuius, aqui representado pelas suas únicas e universais herdeiras, no ano de 2018, quando foi confrontada com o resultado da ação inspetiva levada a cabo pela Administração Tributária.

Por decisão de 16/12/2021, o Juízo Local Cível de Guimarães julgou procedente a exceção dilatória da incompetência material dos Juízos Cíveis para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial, por essa competência material se encontrar deferida aos Juízos de Comércio, e, em consequência, absolveu as Rés da instância.

A Autora requereu a remessa dos autos aos Juízos de Comércio de Guimarães, a fim de aí serem distribuídos e tramitados, o que foi deferido.

Remetido o processo ao Juízo de Comércio de Guimarães, designou-se data para a realização de audiência prévia, em que, uma vez frustrada a conciliação das partes, se concedeu a palavra à Autora para se pronunciar, querendo, quanto às exceções invocadas pelas Rés na contestação, a qual remeteu para a resposta que já tinha apresentado, na sequência do que se ordenou que os autos fossem conclusos.

Por decisão proferida em 22/02/2022, conheceu-se da exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório que a Autora vem exercer na presente ação, julgando-a procedente e, em consequência, absolveu-se as Rés do pedido, constando essa decisão do seguinte teor: “Prevê o n.º 2 do artigo 174º do Código das Sociedades Comerciais: “Prescrevem no prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b) do número anterior, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º”.

Esse prazo prescricional de curto prazo tem por escopo “proteger as pessoas que assumam tais funções, dando-lhes a garantia de que as relações que, como sujeitos passivos viessem a estabelecer com a corporação ou com terceiros, no quadro da vida da sociedade, se poderiam extinguir por prescrição, num prazo notavelmente curto, incomparavelmente mais curto do que o fixado pela lei geral. E através dessa garantia, o legislador pretendeu naturalmente estimular a constituição de sociedades comerciais e propiciar o ingresso de novos sócios nas sociedades já existentes”.

Por outro lado, a regra básica que resulta do art. 22º do CSC é que: 1. Na falta de preceito especial ou convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e perdas da sociedade, segundo a proporção das respetivas participações no capital.

  1. Se o contrato determinar somente a parte de cada sócio nos lucros, presumir-se-á ser a mesma a sua parte nas perdas.

    Preceitos especiais impõem à sociedade, a distribuição de: pelo menos uma parcela dos lucros pelos sócios com determinadas exceções – arts. 217º e 294 do CSC.

    Por seu turno, a responsabilidade dos administradores para com os sócios e terceiros é remetida para o regime da responsabilidade aquiliana – art. 79º, nº1 do CSC.

    Volvendo à invocada exceção de prescrição, a factualidade alegada pela Autora que fundará a responsabilidade do gerente, remonta a supostas “omissões” por este praticadas, no ano de 2014, refletidas nas declarações dirigidas mensalmente à Autoridade Tributária.

    A presente ação deu entrada em juízo em 30/08/2021.

    A prescrição fundamenta-se na necessidade de relevar o devedor da prova do cumprimento, passado muito tempo sobre o mesmo e na conveniência em promover a paz e segurança jurídica.

    Resulta como se disse, que os direitos dos sócios e de terceiros por responsabilidade dos administradores e outros prescrevem em 5 anos (art. 174º, nº 2).

    Os direitos de créditos de terceiros contra a sociedade, exercíveis contra os antigos sócios e os exigíveis por estes contra terceiros (arts. 163 e 164º): prescrevem em 5 anos, se outros preceitos não fixarem prazos mais curtos, a contar do registo da extinção da sociedade (art. 174º, nº3).

    O art. 174º fixa uma prescrição objetiva (o prazo inicia-se independentemente de concretos conhecimentos de sujeitos) de tipo quinquenal. Domina uma preocupação de segurança jurídica. Sendo que no número 1 estão os momentos de contagem dos prazos.

    Como resulta dos presentes autos, os RR. foram citados em 06/09/2021, ou seja, após o referido prazo de 5 anos.

    Pelo exposto, julga-se procedente a exceção de prescrição absolvendo-se os RR. do pedido.

    Custas pela A.”.

    Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação em que formula as seguintes conclusões: A) A ORA RECORRENTE, ATRAVÉS DA PRESENTE MOTIVAÇÃO DE RECURSO, E NOS EXATOS TERMOS QUE DA MESMA CONSTAM ESPECIFICADOS/DISCRIMINADOS (SEM PREJUÍZO DE TUDO QUANTO DO CONHECIMENTO OFICIOSO DESTE TRIBUNAL SUPERIOR RESULTAR), PRETENDE DEMONSTRAR QUE A PROCEDÊNCIA DA EXCEÇÃO PERENTÓRIA DA CADUCIDADE SE MOSTRA JULGADA DE MODO INCORRETA, NÃO SE VERIFICANDO IN CASU TAL EXCEÇÃO; B) CONFORME RESULTA DA...

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