Acórdão nº 5917/21.6T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelELISABETE COELHO DE MOURA ALVES
Data da Resolução02 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório X – Sociedade Imobiliária, Ld.ª, NIPC ………, com sede em …, Vila Nova de Famalicão, propôs a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra a Rede Elétrica …, SA, com sede em Lisboa, peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 742.577,74 – setecentos e quarenta e dois mil quinhentos e setenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos-, quantia essa devidamente actualizada, à data da sentença, nos termos do art. 24º, do Código das Expropriações.

Para tal, alegou em súmula, que a quantia peticionada corresponde à indemnização necessária a satisfazer os prejuízos sofridos com a servidão administrativa constituída pela ré, na qualidade de concessionária da Rede Nacional de Transporte de Eletricidade, sobre os prédios sua propriedade, melhor identificados no art. 2 da petição inicial, com vista à construção da linha de transporte de energia elétrica Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão.

*Regularmente citada, a ré invocou que a propositura da presente ação consubstancia a utilização de meio processual inadmissível, uma vez que corre termos arbitragem destinada a apurar os prejuízos alegadamente causados pela infraestrutura de transporte de energia elétrica nos prédios em discussão nos autos, nos termos do disposto nos art. 37º e ss. do Decreto-Lei n.º 43 335 de 19 de novembro de 1960, na sequência do requerido por si junto da Direção Geral de Energia e Geologia. Concluiu, assim, pela procedência desta exceção dilatória e consequente absolvição da instância.

*A autora respondeu à exceção deduzida, nos termos constantes do requerimento ref. 12412660 - fls. 91/95-, invocando, designadamente a inconstitucionalidade da norma do art. 38º § 2 do DL n.º 43 335, por violação dos arts. 13º e 20º, nºs 1 e 3, da CRP, alegando que nenhum procedimento administrativo pode excluir ou limitar o recurso a juízo por parte de qualquer cidadão ou pessoa jurídica, para defesa dos respetivos direitos. Mais invocou que os interessados têm o direito de optar pelo recurso aos tribunais, através do processo comum, para fixação de indemnização devida pela constituição de servidão administrativa, não podendo aguardar a oportunidade, a definir pelas entidades responsáveis pela constituição de tais ónus para usar dos meios de defesa dos direitos dos proprietários onerados. Por último, alegou que nos presentes autos está em causa, igualmente, a determinação de indemnização por danos causados com a limpeza e retirada do local da biomassa florestal que ficou abandonada na sequência do corte florestal realizado pela ré, dano sobre o qual a arbitragem não tem competência para se pronunciar.

*Em sede de despacho saneador e entendendo que o processo fornecia todos os elementos necessários à sua decisão, foi proferida decisão que, julgando procedente a excepção dilatória inominada invocada pela ré, a absolveu da instância.

Consignou-se na parte final da decisão: «No caso sub iudice, não se mostram reunidos os pressupostos legais para o recurso à presente ação como via de efetivação do direito indemnizatório, previsto no art. 37.º do Decreto-lei nº 43.335, de 19 de novembro de 1960, estando, por conseguinte, em causa, um uso indevido e inadequado da ação declarativa comum, o que configura uma exceção dilatória que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância – arts. 278º, n.º 1, al. e) e 576º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, ao abrigo do disposto nos citados normativos legais, absolve-se a ré da instância.

»*Inconformada com esta decisão, veio a autora «X-Sociedade Imobiliária, SA” interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que se passam a reproduzir: «I- O entendimento acolhido na decisão aqui sob recurso violou o disposto nos artigos 13º e 20º, nºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa e no § 2º do art. 38º do Decreto-Lei nº 43 335, de 19 de Novembro de 1960; II- O acesso aos tribunais e à tutela efectiva de direitos, por parte do proprietário de imóveis onerados com servidão administrativa, para construção e exploração de linha eléctrica, não pode ser excluído ou condicionado, em consequência da opção, ainda que legal, da contra-parte beneficiária da servidão; III- A servidão administrativa é constituída no momento da prolação do acto que concedeu a licença de estabelecimento para construção e exploração da linha eléctrica; IV- O direito à indemnização por danos resultantes da perda de rendimentos em resultado da constituição da servidão administrativa emerge no momento em que fica instituído tal ónus sobre o prédio atravessado pela linha eléctrica, pois que é a partir desse momento que o proprietário fica condicionado nos seus direitos; V- Ao obrigado à indemnização não cabe determinar o modo ou o momento em que o lesado poderá exercer o seu direito de acesso aos tribunais; VI- O entendimento de que o lesante e beneficiário da servidão administrativa tem o direito, ao requerer a constituição arbitral e ao determinar o momento desse requerimento, de impedir o lesado de lançar mão do processo comum de declaração, é claramente inconstitucional.

VII- Tal entendimento também não é conforme ao espírito e à letra do disposto no § 2º do art. 38º do Decreto-Lei nº 43 335, de 19 de Novembro de 1960; VIII- No caso dos autos, a acção foi interposta quando nem sequer a recorrente havia sido notificada da constituição de comissão arbitral.

IX- Aliás, o conhecimento pela recorrente da nomeação do representante da DCEG ocorreu já na pendência destes autos e nunca a comissão arbitral funcionou até a presente data, como se evidencia da certidão junta aos autos; X- O lesado pode usar do processo comum de declaração, para tutelar efectivo dos seus direitos, quando não foi ele a requerer a arbitragem para cálculo da indemnização devida; XI- O entendimento correcto e conforme ao direito é o de que o impedimento de acesso a juízo, mediante o uso do processo comum de declaração, só se verifica em relação ao interessado que promoveu o procedimento administrativo para constituição de comissão arbitral; XII- Esse é o entendimento acolhido e devidamente sustentado, nomeadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no dia 12- 01-2016 (proc. nº 196/05.5TBBAO.P1) e na demais jurisprudência dos tribunais superiores, bem como na doutrina; XIII- O saneador/sentença aqui sob recurso e que julgou procedente a excepção de uso de meio processual inadmissível deve ser revogado, ordenando-se o prosseguimento dos autos, como é de Justiça.»*Foram apresentadas contra-alegações pela ré que, pugnando pela improcedência do recurso, assim conclui: «1.ª O presente recurso foi interposto pela A., ora Recorrente, X- SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA. da douta e bem elaborada sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Braga – Juiz 5, em 25-01-2022 (Ref.ª. 177305769) que julgou procedente, por provada, a exceção inominada de inadmissibilidade da ação ordinária intentada pela A. contra a ora Recorrida, por violação do disposto no artigo 38º, §2, do DL 43 335, de 19 de novembro de 1960, em razão da propositura dos presentes autos ter sido precedida da apresentação do requerimento de arbitragem previsto no citado diploma legal; 2.ª A douta e bem elaborada sentença recorrida não padece de nenhum erro de julgamento, sendo o presente recurso manifestamente improcedente, porquanto a subsunção dos factos à norma prevista no artigo 38º, §2, do DL 43 335, de 19 de novembro de 1960, determina, necessariamente, a inadmissibilidade da propositura da ação que originou os presentes autos; 3.ª A Recorrida é a empresa concessionária da exploração da Rede Nacional de Transporte de Electricidade (“RNT”), em regime de concessão de serviço público, sendo as suas instalações consideradas, para todos os efeitos, de utilidade pública; 4.ª No âmbito dos deveres que lhe foram legalmente acometidos pelo Estado Português, a Recorrida procedeu à implementação da linha de transporte de eletricidade em muito alta tensão denominada “Linha aérea dupla, a 400 kV, entre a futura subestação de Ponte de Lima e a subestação de Vila Nova de Famalicão, ficando constituída a linha aérea dupla, a 400 kV, Ponte de Lima - Vila Nova de Famalicão, na extensão de 45,487 km”; 5.ª Conforme resulta do disposto na Lei, e bem assim, do teor da própria licença de estabelecimento emitida para a implementação da LMAT em causa, a emissão daquela permissão administrativa confere à Recorrente o direito de proceder à “constituição de servidões necessárias ao estabelecimento da referida instalação”; 6.ª Verificando a existência de um dissídio entre as Partes no que diz respeito ao justo valor indemnizatório a pagar à Recorrente pela constituição da servidão administrativa em apreço, a Recorrida, através de ofício de 18-03-2021, com a Ref.ª 2551/2021, requereu perante a Direcção-Geral de Energia e Geologia (“DGEG”) a realização de arbitragem destinada a apurar os prejuízos alegadamente causados pelas infraestruturas de transporte de energia elétrica nos prédios sub judice, nos termos do disposto nos artigos 37º e segs. do Decreto-Lei nº 43 335, de 19 de Novembro de 1960; 7.ª A Recorrente propôs ação declarativa de condenação contra a Recorrida junto do Tribunal a quo em 04-11-2021, através da qual peticionou o pagamento da quantia global de €742.577,74 com fundamento em alegados prejuízos sofridos com a implementação da LMAT sobre os identificados prédios; 8.ª Através de despacho do Senhor Diretor-geral da DGEG de 18-11-2021, aquela entidade procedeu à nomeação do Sr. Arq. A. C. para representante daqueles Serviços, na arbitragem destinada a fixar a indemnização relativa aos prejuízos causados com a instalação da linha em apreço nos prédios da Recorrente; 9.ª Nos termos do DL 43 335 que consagra, além do mais, o dever de indemnizar os proprietários que sejam onerados com a constituição de servidões administrativas decorrentes...

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