Acórdão nº 415/21.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Data da Resolução27 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) X – Importação e Exportação de Pneus, Unipessoal, Lda, veio instaurar ação declarativa com processo comum contra P. M.

e G. L.

, onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente e, em consequência, ser a adjudicação do imóvel por divisão de coisa comum realizada entre os réus, referida nos artigos 15º e seguintes da PI, declarada ineficaz em relação à autora, permitindo-se à mesma executar a quota parte daquele bem imóvel na medida do seu interesse, devendo ainda ser ordenado aos réus a sua restituição de modo a que a autora se possa pagar à custa desse bem.

Para tal alega a autora, em síntese, que é credora do 1º réu da quantia de €105.436,73, acrescida de juros da falta de pagamento de cheques, que foram devolvidos por falta de provisão, tendo a autora instaurado ações executivas em dois processos (626/19.9T8VNF e 1775/19.9T8VNF), não tendo a autora logrado obter o seu pagamento coercivo.

Foi penhorado, em 05/02/2019, na execução nº 626/19.9T8VNF, o prédio urbano identificado em 9º da petição, onde o réu manteve a sua residência até 2019, tendo este reclamado da nulidade da sua citação a 15/05/2019, que a 28/01/2020 foi declarada nula a penhora e todos os atos à mesma subsequentes, por preterição de intervenção judicial preliminar.

No intervalo de tempo decorrido entre a arguição da nulidade da citação e a decisão do Tribunal, os réus divorciaram-se, a 19 de junho de 2019, e procederam à divisão de coisa comum daquele imóvel a 25 de junho de 2019, com a adjudicação da quota-parte pertencente ao réu P. M. à ré G. L., o que os réus fizerem com o único objetivo de furtarem aquele imóvel à satisfação das dívidas do 1º réu.

Além disso, a 12 de julho de 2019, os réus decidiram ainda que a quota de que aquele era titular na sociedade “P. M. Unipessoal, Lda.” fosse cedida à ré G. L. e E. J., deixando o réu P. M. de ser gerente da mesma sociedade a 2 de janeiro de 2019, não obstante o réu continuar à frente dos destinos da sociedade, constando como sua entidade patronal.

Até fevereiro de 2019 o domicílio do réu surgia nas bases de dados oficiais como coincidindo com a morada do aludido imóvel, o que só deixou de suceder em maio de 2020, data a partir da qual passou a constar ser na Rua …, nº …, em …, Braga.

Face à adjudicação da quota parte no imóvel ao ex-cônjuge, a autora está impedida de obter a satisfação do seu crédito, porquanto no património do 1º réu inexistem outros bens que possam garantir a satisfação daquele crédito.

Pela ré G. L. foi apresentada contestação onde conclui entendendo dever o pedido ser declarado não provado e a divisão de coisa comum válida e eficaz em relação à autora.

Alega, para tanto, em síntese que o réu P. M. foi declarado insolvente a 09/02/2021 no processo 6305/20.7T8VNF, do Juiz 4, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão.

Apesar do divórcio ter sido decretado a 19 de junho de 2019, os réus estavam separados de facto há vários anos, e decidiram por isso proceder à divisão do património comum.

Sobre o prédio recaem vários encargos, mormente uma hipoteca voluntária a favor da Caja …, a penhora de metade indivisa a favor da aqui autora (já cancelada) e a penhora de metade indivisa a favor da Caixa ....

Quanto à cessão de quotas realizada a 12 de julho de 2019, refere que já detinha a sociedade denominada de “G. L., Unipessoal, Lda.” com a mesma atividade da “P. M., Unipessoal, Lda”, pelo que aquele negócio teve apenas por base interesses comerciais que nada respeitam à relação pessoal que os réus mantiveram em tempos.

A divisão de coisa comum foi realizada pelo valor de capital em dívida ao banco, para que a ré pudesse assegurar uma residência aos seus filhos, pois sendo funcionária na Câmara Municipal de …, não depende do 1º réu em termos económicos.

O imóvel nunca poderá assegurar o ressarcimento do crédito da autora, uma vez que o capital em dívida resultante do empréstimo contraído junto daquele banco está assegurado por hipoteca, pelo que em caso de venda sempre será o banco pago em primeiro lugar, não restando liquidez para ressarcir a autora.

*B) Foi elaborado despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

*Realizou-se julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu julgar a ação procedente e, em consequência, declarar ineficaz em relação à autora a adjudicação da quota-parte do 1º réu no imóvel identificado no artigo 9º da petição, operada através da divisão de coisa comum realizada a 25 de junho de 2019, para que a autora possa executar a mesma quota-parte na esfera jurídico-patrimonial do 1º réu, para garantia do pagamento do crédito que detém sobre ele.

*C) Inconformada, veio a ré G. L. interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 272).

*Nas alegações de recurso da apelante G. L., foram formuladas as seguintes conclusões: I. DA APRECIAÇÃO DA PROVA: II. O ponto 19) dos factos dados como provados – “Com a divisão de coisa comum referida em 16, em que procederam à adjudicação da quota-parte que cabia ao 1º réu no imóvel à 2ª ré, os réus tiveram como único objetivo deixar o património do 1º réu desprovido de bens suscetíveis de satisfazer créditos, mormente o da autora.” - O ponto 21), primeira parte, dos factos dados como provados – “No entanto, o 1º réu continua à frente dos destinos da referida sociedade (...)” - O ponto 24) dos factos dados como provados – “A adjudicação da quota-parte do 1º réu no imóvel à 2ª ré determinou a diminuição da garantia do crédito da autora sobre o 1º réu, impossibilitando-a de obter a satisfação do seu crédito através do produto da venda daquela quota-parte.” E - O ponto 6) dos factos dados como não provados – “O prédio objeto de divisão de coisa comum não pode assegurar o ressarcimento do crédito da autora, uma vez que caso seja vendido, sempre o credor hipotecário será pago em primeiro lugar e, atento o capital em dívida, não restará qualquer valor para ressarcir a autora.” III. Comportam matéria conclusiva e que, por via disso, não pode elencar os “factos provados/não provados”.

IV. O ponto 19) tem carácter meramente conclusivo, porquanto é mencionado que, com a divisão de coisa comum referida em 16, em que procederam à adjudicação da quota-parte que cabia ao 1º réu no imóvel à 2ª ré, os réus tiveram como único objetivo: - deixar o património do 1º réu desprovido de bens; - suscetíveis de satisfazer créditos, mormente o da autora.

V. O mesmo se passa com o ponto 21) da matéria provada, uma vez que apenas se conclui que, não obstante em 12 de julho de 2019 o 1º réu ter cedido as suas quotas de que era titular, na sociedade “P. M. Unipessoal, Lda.”: - No entanto, o 1º réu continua à frente dos destinos da referida sociedade (sublinhado nosso); VI. Igual situação com o ponto 24) dos factos provados, onde, por e simplesmente, o Tribunal se limitou a apresentar uma clara e indiscutível conclusão da matéria levada à sua decisão, porquanto, é afirmado que a “adjudicação da quota-parte do 1º réu no imóvel à 2ª ré”: - determinou a diminuição da garantia do crédito da autora sobre o 1º réu – CONCLUSÃO; - impossibilitando-a de obter a satisfação do seu crédito através do produto da venda daquela quota-parte – CONCLUSÃO.

VII. Ocorre o mesmo com o ponto 6) dos factos não provados, uma vez que tal ponto apenas contempla a conclusão de que: - O prédio objeto de divisão de coisa comum não pode assegurar o ressarcimento do crédito da autora, - caso seja vendido, sempre o credor hipotecário será pago em primeiro lugar, e - atento o capital em dívida, não restará qualquer valor para ressarcir a autora.

VIII. Tal facto, sem margem para dúvidas, configura uma conclusão, porquanto, dúvidas não podem restar que de tal ponto, apenas se pode alcançar através do conhecimento: do valor do imóvel; valor do crédito da autora; direitos do 1º réu no imóvel em causa; e valor do crédito hipotecário.

IX. Factos que o Tribunal deveria dar como provados/não provados, para, posteriormente alcançar a conclusão latente no ponto 6) dos factos dados como não provados.

X. Ou seja, o conteúdo de tais pontos encerra, mais do que afirmações factuais, factos ou juízos de facto, asserções conclusivas/valorativas incidentes sobre questões do litígio, estando em causa expressões que não configurando, em si mesmas, factos materiais, se reconduzem à formulação de juízos conclusivos que antes se deveriam extrair dos factos materiais que os suportam e que se integram no thema decidendum.

XI. Impõe-se, pois, expurgar da matéria de facto dada como provada os pontos 19), 21) e 24) e da matéria dada como não provada o ponto 6), uma vez que os mesmos encerram exclusivamente matéria de natureza conclusiva, conforme o artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil.

XII. Na opinião da recorrente o facto provado 7) está em contradição como facto provado 22, primeira parte, a qual é do conhecimento oficioso desta Relação, nos termos da alínea c), do nº 2 do artigo 662º do Código do Processo Civil.

XIII. É patentemente este o caso quanto aos dois factos descritos no ponto 7 e 22 primeira parte, que têm o seguinte teor: 7) O réu manteve residência na fração “F” até ao início de fevereiro de 2019; 22) Nas pesquisas de moradas efetuadas nos processos executivos verificou-se que, até 15.03.2019, o 1º réu constava como tendo morada no prédio referido em 8; XIV. Da mera leitura destes dois factos que integram o elenco de factos provados, constata-se a existência de uma incompatibilidade: se está provado que o réu manteve residência na fração “F” – moradia objeto do litígio dos presentes autos - até ao início de fevereiro de 2019, não pode estar igualmente provado que o réu, até 15/03/2019 constava como tendo morada na fração “F”.

XV. Da matéria dada como provada não foram usadas as expressões “a partir de”, “pelo menos até”, que poderiam indiciar algum espaço de tempo díspar entre datas, pelo...

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