Acórdão nº 511/21.4T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório Apelante: M. V., residente na Rua …, nº …, freguesia e concelho de Fafe, natural da freguesia de …, do concelho de Castelo Branco Autos de apelação em processo de inventário Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou verificada a incompetência absoluta do tribunal a quo e absolveu os Réus (interessados) da instância (artigo 278.º, n.º 1, al a.) e 279, do CPC).

O Apelante no articulado inicial do inventário que requereu, invocou que A. L. faleceu no dia - de Março de 2019, em …, França, natural que foi do concelho de Fafe, e com última residência habitual em França, no estado de casada sob o regime da comunhão de adquiridos com o requerente; Além deste, deixou três herdeiros, de ambos filhos, todos naturais e residentes em França; Deixou imóveis sitos em Portugal e quantias depositadas em entidade bancária sedeada em Portugal.

Citados os interessados, veio a ser proferido despacho que, referindo o artigo 4º do Regulamento (UE) N.O 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, permitiu que o Requerente se pronunciasse para, “designadamente, articular factos que justifiquem a atribuição de competência aos tribunais portugueses, chamando o Tribunal a atenção para o teor do considerando 24º do Regulamento”.

O Requerente, não invocando qualquer circunstância que pudesse alterar a “residência habitual” da falecida (como permite o considerando 24º do Regulamento), veio apenas afirmar que entende que a atribuição da competência estabelecida no artº 4º do Regulamento UE nº 650/2012, não afasta a competência dos tribunais portugueses, tanto pela ressalva do artº 2º do Regulamento, como pelas ressalvas dos artºs 62, al. a) (cfr. 72-A, nºs 2 e 3) do Código de Processo Civil.

Foi então proferido o despacho recorrido.

O Apelante, no recurso que interpôs, formulou as seguintes conclusões: “I – A sentença recorrida viola os art.s 2, 4, 15, 21, 23 e 24 do Regulamento (UE) nº 650/2012, e os art.s 62 al. a) e 74-A nos 2 e 3 do CPC.

II – O Regulamento referido não retira a competência aos tribunais portugueses para conhecer do direito sucessório de cidadãos portugueses que na data do óbito residiam na França.

III – Mesmo que tal competência dos tribunais portugueses apenas seja determinada pela especial ligação ao país da sua nacionalidade.

IV – Os bens comuns do casal situam-se em Portugal, país da nacionalidade da inventariada, aqui reside o cônjuge e cabeça-de-casal e meeiro, aqui se situam todos os bens relacionados no inventário, constando todos estes elementos de conexão objetiva dos autos.

V – Não se verificando a inexistência destes elementos de conexão objetiva da forte ligação da inventariada a Portugal, seu país de nacionalidade, não pode ser de conhecimento oficioso a incompetência internacional do tribunal português, porque essa incompetência absoluta não está verificada.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos.” II- Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Assim, é a seguinte a questão a apreciar: 1.

Se o s tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar o presente inventário, por óbito de nacional portuguesa falecida com última residência habitual em França, deixando a maioria dos herdeiros em França e bens em Portugal.

III Fundamentação de Facto Não há factos processuais suplementares, não descritos no Relatório, que importem para a decisão da causa.

IV_ Fundamentação de Direito Está aqui em causa a incompetência internacional do tribunal a quo.

.1- Hierarquia das normas na determinação da competência internacional “A competência internacional designa a fração do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as ações que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras» - Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ‘Manual de Processo Civil’, 2.ª edição, pág. 198. A sua falta traduz-se numa exceção dilatória que obsta que o tribunal conheça do mérito da causa.

Quando a causa tem conexão com outras ordens jurídicas, o tribunal português, se nele foi intentada a ação, tem que decidir se é competente para a apreciar e decidir, apurando se o poder jurisdicional para aquela ação é atribuído aos tribunais portugueses.

É evidente que neste caso existem diferentes elementos de conexão que se relacionam, quer com Portugal, quer com França, sendo a residência habitual da autora da herança e pelo menos da maioria dos seus herdeiros em França e a nacionalidade da autora da herança, bem como a de, pelo menos, um herdeiro, Portuguesa. Enfim, este conflito é plurilocalizado.

O artigo 59º do Código de Processo Civil determina que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.

Há que ter em atenção que, nos termos do nº 4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático e que em caso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT