Acórdão nº 1194/16.9T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório A. P.

e M. P., por si e em representação do seu filho menor S. V.

, com sinais nos autos, intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma comum, contra, “X Seguros, S.A“, pedindo a condenação da ré a pagar aos Autores a quantia de € 11.286,90 a título de danos patrimoniais; a quantia de € 9.500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento e ainda pagar aos Autores, a título de danos corporais (e dano patrimonial futuro) a quantia que se vier a apurar em execução de sentença actualizada com referência à data mais recente que puder ser atendida e acrescida de juros, à taxa legal, até integral pagamento.

Em síntese alegou que no dia 26 de Novembro de 2014, cerca das 8h00m, a Autora circulava com esse veículo na Rua do ..., no sentido sul-norte, em direcção à Avenida ...; ao aproximar-se da curva à direita – atento o seu sentido da marcha e a menos de 10 metros desta, viu surgir, à sua frente, o veículo automóvel com a matrícula RM, que vinha em sentido contrário, em grande velocidade; a Autora, ao ver parcialmente ocupada pelo RM a hemi-faixa por onde ela circulava com TL, ainda travou e guinou o seu veículo automóvel totalmente para a direita, evitando o embate com o RM; Não fosse a condução do condutor do RM, desatenta, em excesso de velocidade e a circular na faixa por onde seguia a Autora, a condutora do TL não precisava de se desviar, totalmente, para a sua direita, para evitar o embate entre os veículos, nem tinha ido embater no portão e num dos pilares da moradia sita na Rua do ..., nº ...; em consequência deste acidente os Autores sofreram danos patrimoniais relativos à reparação do veículo e danos não patrimoniais.

A Ré contestou, impugnando os factos alegados pelos Autores, alegando ao invés que o acidente ocorreu por culpa única e exclusiva da Autora.

Concluiu pela improcedência da acção, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do estrito formalismo legal, como se verifica da acta respectiva.

A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a e 647º,1, todos do CPC).

Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1º- Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente, por não provada e absolveu a Ré do pedido. Esta sentença enferma de nulidades, incorre em erro de julgamento da matéria de facto e em erro de interpretação e aplicação do direito, revelando-se injusta e desproporcionada.

NULIDADE DA SENTENÇA por violação do disposto nos arts. 607.º e 615.º, nº 1, al. b), do Cód. Proc. Civil 2º- Os art.º 205.º, n.º 1 da CRP e 154.º do CPC impõem ao juiz o dever de fundamentar a decisão e esta obrigação representa um importante sustentáculo da legalidade, constituindo o direito à fundamentação um instrumento fundamental da garantia contenciosa, pois que é elemento indispensável na interpretação da decisão judicial.

  1. - Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram ao Tribunal a tomar aquela decisão, é enunciar as premissas de facto e de direito. Só o dever de fundamentação permite harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitiram ao Tribunal chegar onde chegou.

  2. - A sentença deve discriminar os factos tidos como provados e não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza), bem como a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito) e expor o processo lógico e racional que seguiu, desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).

  3. - Estatui o n° 4 do art. 607° do CPC que "Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência".

    E dispõe o art.º 615.º, n.º 1, alínea b) do Cód. Processo Civil que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

  4. - Na sentença de que se recorre o M. Juiz a quo não fez o exame crítico das provas de que lhe cumpria conhecer, não explicitou, minuciosamente, quais os vários meios de prova que concorreram para a formação da sua convicção nem o motivo porque desconsiderou, para muitos pontos da matéria de facto, os demais, principalmente a prova documental e até a pericial, nem os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro (em especial as razões porque as declarações dos Autores M. P. e S. V. só são credíveis para alguns pontos).

  5. - A omissão da fundamentação da matéria de facto, o insuficiente exame crítico da prova, a ausência de explicação e motivação da decisão, correspondem à falta de fundamentação total e acarretam a nulidade da sentença proferida no caso sub judice – que não é de mero expediente – por violação dos arts. 607° e 615°, nº 1 alínea b), ambos do CPC.

    NULIDADE DA SENTENÇA por violação do disposto nos arts. 607.º, nº 4 e 615.º, nº 1, al. c), do Cód. Proc. Civil 8º- Dispõe o art. 615º, n° 1, c) do CPC que: “É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível".

  6. - A sentença deve ter coerência lógica – os fundamentos e a decisão não podem ser contraditórios, a decisão proferida não pode seguir caminhos opostos dos fundamentos que aponta. A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível pois é obscuro o que não é claro, aquilo que não se entende. A sentença é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.

  7. - A decisão de dar como não provado que «na reparação do portão e pilares da moradia sita na Rua do ...

    , n.º ...

    , os Autores despenderam a quantia de 1.266,90€» (alínea f) é ininteligível e obscura, na medida em que não se consegue perceber como se pode dar como não provado o valor da reparação paga pelos Autores à senhora testemunha M. C., que é a dona do muro que foi reparado e que assegura ter sido paga essa reparação por banda dos Autores e indica o valor aproximado da mesma - «passou dos 1.000,00€» - sendo, inclusivamente, esse valor provado por um documento - o documento 4 junto com a p.i. onde consta que o valor da reparação do portão e pilares da moradia foi de 1.030,00€ acrescido de IVA à taxa legal em vigor - e dar-se como provado que foram os Autores quem pagou essa reparação, o que acarreta a nulidade da sentença proferida no caso sub judice, por violação dos art.°s 607.° n.º 4 e 615.°, n.º 1 alínea c), ambos do CPC.

  8. - A decisão de dar como provado que «O veículo RM ficou imobilizado na via e sem poder circular» (ponto 9) é contraditória e ininteligível porque foi dado como provado que o veículo que «foi rebocado, nesse mesmo dia, para uma oficina (…)» foi o TL, que é o dos Autores (ponto 10) - e só é rebocado um veículo acidentado que não pode circular … - , o que acarreta a nulidade da sentença proferida no caso sub judice, por violação dos art.°s 607.° n.º 4 e 615.°, n.º 1 alínea c), ambos do CPC.

    NULIDADE DA SENTENÇA por violação do disposto nos arts. 607.º, nº 4 e 615.º, nº 1, al. d), do Cód. Proc. Civil 12º- Dispõe o art. 615º, nº 1, al. d) do CPC que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

  9. - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais matérias não são os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença e sim os problemas concretos a decidir, as questões que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art.º 608.º, n.º 2 do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

  10. - A decisão sub judice de dar como provado que «A Autora, antes do acidente, trabalhava em casa e ocasionalmente, realizava» (ponto 20), mas sem concluir ou explicar o que mais realizava a Autora (e os Autores alegaram, em sede de p.i. que a Autora realizava trabalhava em casa - sendo a única responsável por toda a lide doméstica - e ocasionalmente, realizava limpezas, para fora) não se pronuncia, efectivamente, sobre que outra actividade profissional a Autora efectuava/realizava para além do trabalho doméstico, em casa, é nula por violação dos arts. 607° n.º 4 e 615.°, n.º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT