Acórdão nº 1057/18.3T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório J. P.

e M. M.

instauraram ação declarativa comum contra X & Irmão - Sociedade Agrícola, Lda.

, pedindo o encerramento da fossa a céu aberto de que esta é proprietária e a condenação da ré ao pagamento de uma indemnização aos autores no montante de 10.000,00 € por danos não patrimoniais sofridos e no montante de 800,00 €por danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora vincendos à taxa legal.

Para tanto alegam, em síntese, que a ré tem na sua propriedade uma fossa a céu aberto, fossa essa que empesta completamente o ar dum cheiro fétido e nauseabundo, o que impede os autores de usufruírem da sua casa e do seu jardim. Mais alegam que o ambiente provocado pela dita fossa tornou a água do poço dos autores imprópria para consumo, uso que da mesma faziam. Concluem que esta conduta da ré, violadora do seu direito de propriedade e dos seus direitos de personalidade, lhes causa danos.

A ré contestou, invocando a exceção de ilegitimidade ativa e, em seguida, impugnou a maioria dos factos alegados pelos autores, defendendo, entre o mais, que a dita fossa além de se encontrar licenciada, possui uma rede de tratamento dos dejetos produzidos pelos animais, que impede a libertação de gases e maus cheiros, sendo que o único cheiro sentido é o cheiro sentido de uma exploração deste tipo, exploração essa que conta já com mais de 20 anos. Acrescenta que o próprio autor teve uma exploração de vacas e que existem inúmeras nas redondezas pelo que a existência de insetos é normal na região. Mais alega que os autores não possuem ligação à rede de saneamento público e também possuem uma fossa em casa. Por último, colocam em causa que os autores tenham sofrido quaisquer danos e pugnam pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

Notificados para o efeito, vieram os autores pugnar pela improcedência da exceção de ilegitimidade e que a ação seja julgada de acordo com o pedido formulado.

Teve lugar audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador julgando improcedente a exceção de ilegitimidade ativa. Após, foi fixado o objeto do litígio com enunciação dos temas da prova.

Foram admitidos os meios de prova, determinando-se a realização de perícia, com os resultados juntos ao processo.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos formulados.

Inconformados, os autores apresentaram-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença e sua substituição por outra que julgue procedente a demanda dos autores, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I- Aqueles que invoquem a defesa do direito da propriedade, em função da instalação de uma fossa a céu aberto no prédio contíguo, que vejam a sua pretensão ser totalmente indeferida pelo Tribunal a quo, têm legitimidade recursória.

II- Ao existir consideração fática, dada como provada pelo Tribunal a quo, na medida em que, a exploração bovina de facto produz odores, mas que estes serão “normais”, gera nulidade da sentença, porquanto se estes cheiros existem e a habitação dos Recorrentes se encontra a 20 metros de distância, tal é suscetível de consubstanciar uma nulidade da sentença proferida.

III- Ao ignorar o juízo crítico que se impõe ao julgador, quer quanto à prova, quer, ainda, quanto à fundamentação do direito, a sentença proferida fica ferida de nulidade nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

IV- Ao confundir, e bastar-se, pela existência de um alvará de licenciamento da atividade, limitando, assim, injustificadamente, o direito de propriedade, incorre o Tribunal a quo em nulidade nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

V- A existência de uma fossa instalada a céu aberto, independentemente de ser legal ou não, a 20 metros de uma habitação, provando-se os odores, como constam do libelo probatório provado, leva a uma contradição insanável entre os factos, a fundamentação e a decisão, ocorrendo uma nulidade nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

VI- Ao concluir-se que após a instalação da fossa a céu aberto existiu uma alterabilidade do consumo da água, no sentido de esta ter deixado de ser apta para o consumo, existe uma causa-efeito que incumbia ao Tribunal a quo não ignorar, pois estamos perante direitos absolutos e que influem com direitos e bens essenciais e, ainda, a intenção lucrativa de uma sociedade comercial.

VII- Naturalmente que se a água alterou a sua potabilidade, existe, e teria que existir, uma causa efeito: e essa causa efeito é, sem dúvida, a construção da fossa, conforme ficou mais do que provado mas que, incrivelmente, parece-nos que as vacarias são perfumarias e que, além disso, contribuem para a manutenção do consumo devido das águas.

VIII- Ao ignorar a existência de processos contraordenacionais contra a Recorrida, dados como provados e existentes nos autos, exatamente pelos factos denunciados e que aqui reivindicam a defesa da propriedade, incorre o Tribunal a quo numa nulidade por omissão de pronúncia, grave, tutelada nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

IX- Se o pedido e a causa de pedir influem no sentido de apurar que existe cheiro, e que este colide com o direito de propriedade dos Autores, e, atendendo a que o Tribunal a quo considera indiscutível a existência do cheiro, veja, citando-se, que “[o] cheiro produzido pela ré é o cheiro normal de uma vacaria, questão principal suscitada nos autos”, acaba, naturalmente, por encetar numa contradição porquanto se o cheiro existe, colidindo com o direito de propriedade do autor, que direito se deve impor, quando, assim, existe uma colisão de direitos e o domínio da propriedade habitacional é, claramente, superior.

X- Os documentos existentes nos autos, bem como os depoimentos transcritos supra na íntegra e em anexo, designadamente M. C., A. P., e L. B., aliados a uma leitura atenta de toda a prova documental não impugnada, levam a que exista uma indevida valoração dos factos.

XI- A existência de quatro autos contraordenacionais consubstancia prova plena, cabal, de fé pública, que não poderiam ser ignorados, como foram.

XII- Assim, deveria ser dado como não provado o facto 17., de que a exploração pecuária, propriedade da Ré, possui uma rede de tratamento dos dejetos produzidos pelos animais.

XIII- Acrescentar, ainda, que quanto a este ponto 17., não resulta nos autos que esta rede de tratamento exista, seja idónea ou apta a evitar o que sucede.

XIV- Assim, deveria ser dado como não provado o facto 18., isto é, que a Ré trata os efluentes e outros existentes na referida fossa mediante aplicação de Y, suficientemente para não contender com o direito de propriedade dos Autores.

XV- Com todo o devido respeito, independente da alegada mas não provada utilização de redutores de odores e cheios, estes não podem ser dados como provados no sentido de ser aptos a não contender com o direito de propriedade dos Autores.

XVI- Assim, deveria ter sido dado como não provado o facto 19., ou seja, de acordo com as especificações técnicas, o “Y” reduz odores e cheiros, reduz a produção de gases, não estando, contudo, provado que tal se verifica na esfera jurídica da ora Recorrida.

XVII- Claramente que, por todo o mencionado supra, existe uma possibilidade de redução de odores e cheiros, sucede que não existe dado como provado que essa possibilidade se verifica na esfera jurídica da Ré.

XVIII- E, por sua vez, deveriam ser dados como provados que

  1. O cheiro referido em 7., é um cheiro intenso e nauseabundo que se propaga pelo ar das redondezas.

    XIX- E, por sua vez, deveriam ser dados como provados que b) Com vista à sua utilização da fossa referida em 8., a Ré procede à remoção dos dejetos para uma cisterna móvel para aí despejá-los num depósito (fossa), efetuado através duma bomba e dum tubo de plástico que os despeja diretamente para a abertura situada no cimo do depósito a céu aberto, ficando o ar completamente empestado dum cheiro fétido e nauseabundo.

    XX- E, por sua vez, deveriam ser dados como provados que c) Sucede que a abertura do referido fosso atraiu também ao local inúmeras espécies de insetos e animais.

    XXI- E, sem prescindir, deveriam ser dados como provados que d) O designado fosso fez com que a existência dos referidos animais e insetos se alastrasse para a propriedade dos autores.

    XXII- Além desses, deveriam ser dados como provados que e) Para além da existência de uma inúmera variedade de animais e bicharada, os Autores foram ainda confrontados com a ocupação do seu logradouro e jardim por uma espécie que se desconhece, mas julga-se ser conhecido como “larvas de rabo de rato”.

    XXIII- E, por sua vez, deveriam ser dados como provados que f) O surgimento deste inseto na propriedade dos Autores deu-se após a abertura do fosso na propriedade da Ré, que também esta deverá conter no referido local onde se encontra alocado o referido fosso, espécimes iguais.

    XXIV- E deveria ser dado como provado que g) Tal espécime de “bicho” procedeu à ocupação de todo o espaço exterior da propriedade dos autores, nomeadamente zonas edificadas por muro, jardins, garagem, logradouro e referidos acessos e paredes da habitação dos autores.

    XXV- E, por sua vez, deveriam ser dados como provados que h) Os Autores foram ainda confrontados com a tentativa, por parte de vários insetos, inclusive os supra referidos, de penetração no interior da habitação, pelo que quase diariamente tem de efetuar limpeza das portas e janelas da habitação.

    XXVI- E, por sua vez, deveriam ser dados como provados que i) Além do mais, os autores ficam impedidos de abrir as janelas e portas de casa da habitação, permanecendo diariamente com estas fechadas, de forma a prevenir a entrada de qualquer espécime na habitação.

    XXVII- E, por sua vez, deveriam ser dados como provados que j) A água do poço dos Autores encontra-se infestada pela referida espécie de...

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