Acórdão nº 164/21.0T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de F. M., representada pelos seus herdeiros S. M. e marido N. N., M. M., divorciado e J. S., viúva, intentou contra J. R. e mulher A. F. e José e mulher M. F., ação declarativa para o exercício do direito de preferência, pedindo que os réus sejam condenados a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o prédio rústico descrito nos artigos 5.º, 8.º e 9.º da petição, que seja reconhecido à herança autora o direito de preferência na compra do prédio identificado no artigo 2.º da petição e que os 1.ºs réus sejam condenados a abrir mão do referido prédio a favor da autora, entregando-o no estado em que se encontrava à data da escritura de compra e venda, atribuindo-se à herança autora o correspondente direito de propriedade e aos réus o direito ao levantamento do preço depositado, ordenando-se o cancelamento de quaisquer eventuais registos conservatoriais feitos com base na predita escritura, ou quaisquer outros que, entretanto, tenham sido efetuados.

Dentro dos 15 dias seguintes, os autores procederam ao comprovativo do depósito do preço, correspondente ao preço constante do título de transmissão, efetuado através do respetivo depósito autónomo.

Os réus contestaram excecionando a falta de personalidade judiciária da herança, a impossibilidade de execução do pedido de entrega e a falta de depósito do preço. Contestaram também por impugnação.

Pronunciaram-se sobre o depósito efetuado alegando que o mesmo não cumpre os requisitos legais, por ter sido efetuado pelo mandatário como pagamento de impostos e não estar depositado o preço pela autora à ordem do tribunal.

Na oportunidade que lhes foi concedida, os autores pronunciaram-se sobre a matéria de exceção.

Foi proferido despacho saneador no qual se julgaram improcedentes as exceções de falta de personalidade judiciária e de caducidade por falta de depósito do preço. Foi designado dia para a realização da audiência de julgamento.

Os réus interpuseram recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: 1. A Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de F. M., NIF. ........., representada pelos herdeiros S. M., M. M. e J. S. demandou os réus J. R. e A. F. e José e M. F., pedindo a condenação destes a reconhecerem “à herança autora o direito de preferência na compra do prédio identificado na mesma petição inicial, em especial no seu artigo 2º” com a consequência de ser atribuído “à mesma herança autora o correspondente direito de propriedade”, articulando (artigo 4º, 5º, 6º, 18º, 19 e 20º) factos conducentes a convencer da titularidade do direito de preferência na referida herança, que é afirmada como sendo “parte legitima” (artigo 20º).

  1. Contestaram os réus, alegando, entre o mais, que a herança não tinha qualquer direito de preferência porque a lei não lho reconhece, mas apenas aos herdeiros respetivos, e que, permanecendo a herança em causa ilíquida e indivisa, não tem a mesma personalidade jurídica nem judiciária, não podendo ser admitida a intervir como parte em qualquer processo judicial, e bem assim que a falta de personalidade judiciária da herança não é suprível sequer pela ficção de que pode entender-se substituída pelos herdeiros, uma vez que estes invocaram – e invocaram apenas – e intervirem em representação da herança autora, e não para exercerem qualquer direito próprio (cfr. entre muitos o Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Janeiro de 2008, proc. 7414/2007-2, disponível em www.dgsi.pt).

  2. Para além disso, os réus alegaram ainda que o valor do negócio não era de 9500€ mas sim de 25000€, porque era esse o preço convencionado para a transação e, já após a apresentação da contestação, notificados do depósito do preço, alegaram que esse depósito efetuado pela autora é irregular, porque não foi feito à ordem do juiz do processo e foi feito, segundo nele se declara, para pagamento de impostos.

  3. Em 8 de Junho de 2021, a “Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de F. M., representada pelos seus herdeiros”, pronunciando-se sobre a matéria de exceção da contestação, veio insistir e esclarecer que “a referência no caso à mencionada herança ilíquida e indivisa deve entender-se como mero fundamento de serem as pessoas que se identificam como os filhos e a viúva, os autores e representantes da herança, que, no interesse dela, intentam a ação, no quadro da legitimidade substantiva prevista no artigo 2091º/ CC”, o que significa que ficou claro que a autora era a herança, representada pelos herdeiros, agindo no interesse da herança.

  4. Não obstante o exposto foi produzido despacho saneador que decidiu que: a) improcedia a “exceção dilatória da falta de personalidade judiciária deduzida pelos réus” porque pode entender-se que os herdeiros litigam em nome próprio e não em nome da herança, o que pretensamente se abonaria com dois acórdãos, um da Relação de Coimbra, de 26 de Fevereiro de 2019, outro da Relação de Guimarães de 24 de Setembro de 2019, que sustentam, corretamente aliás, que uma herança indivisa é representada pela sua cabeça de casal, o que, porém, é a questão alheia à posição processual da herança indivisa e sua alegada representação em juízo; b) à ação devia ser atribuído o valor que lhe foi fixado pela autora, na obstante os réus terem contestado esse valor e oferecido um valor superior; c) o depósito do preço estava corretamente efetuado, pelo que nada havia a decidir ou corrigir.

  5. Nenhuma dessas decisões é minimamente aceitável, pelas razões que sucintamente se vão referir: a) a ação é indiscutivelmente proposta pela herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de F. M., limitando-se os herdeiros que a representam a intervir na qualidade de representantes da herança, pelo que o tribunal não pode ficcionar de modo algum que a ação é posta pelos herdeiros, quando eles próprios esclareceram que assim não é, pelo que a decisão, nessa parte viola o principio do pedido traduzido na fórmula “ne eat iudex ultra vel extra petita partium”; b) a herança ilíquida e indivisa não tem personalidade jurídica nem judiciária como resulta do artigo 12º nº1 al. a) do Código de Processo Civil, pelo que “não pode exercer qualquer direito de preferência, nem arrogar-se de qualquer direito de propriedade, como, alias, tem sido unanimemente decidido pela jurisprudência: a herança aceite pelos interessados não goza de personalidade judiciária, não podendo ser admitida a intervir como parte em processo judicial” (cfr. acórdão da Relação do Porto de 25/07/1985, Col. Jurisp. 1985, IV, 243, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/03/1992, BMJ 415, pág. 658, acórdão da Relação de Coimbra, de 27/09/1995, BMJ 449, pág. 450, acórdão da Relação do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT