Acórdão nº 1200/19.5T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Março de 2022
Magistrado Responsável | ALCIDES RODRIGUES |
Data da Resolução | 10 de Março de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório Pelo relator foi proferido nos autos decisão singular de 11/01/2022, nos termos da qual foi decidido que as alegações de recurso foram apresentadas após o termo do respectivo prazo consignado no art. 638º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pelo que foi rejeitado o recurso de apelação da decisão proferida na 1.ª instância.
*Notificada desse despacho, a apelante P. A. veio requerer que sobre a matéria objeto do referido despacho recaia acórdão, com submissão do caso à conferência ao abrigo do disposto no art. 652.º do Código de Processo Civil (ref.ª 39266712), nos seguintes termos que se reproduzem integralmente: «1º Vem o Exmo. Senhor Desembargador Relator considerar intempestivo o recurso apresentado da decisão final, proferida pelo Tribunal a quo, porquanto considera que, apesar da letra da lei vertida no artigo 6.º B da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, introduzida pela Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, o prazo para a sua interposição não se suspende, 2º Alterando, assim, a decisão da Primeira Instância, que admitiu o recurso.
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O Exmo. Senhor Desembargador sustenta a sua decisão numa interpretação, muito para além da letra da lei, que considera apenas o elemento teleológico do normativo em causa. Ora, 4º Não pode a Recorrente aceitar a decisão proferida, razão pela qual recorre à conferencia para que, sobre a mesma, recaia Acórdão. De facto, 5º A Recorrente foi notificada, da referida sentença, por notificação electrónica com data de 18/01/2021.
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Tendo a notificação a data de 18/01/2021, sempre se terá de considerar que a mesma se efectivou no dia 21/01/2021.
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No dia 22/01/2021, entrou em vigor a Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, a qual suspendeu o curso dos prazos judiciais, não sendo defensável interpretação que o Exmo. Senhor Desembargador Relator vem fazer do artigo 6.º B, n.º 5, al. d) do referido Diploma, pois 8º A letra da lei é clara, não concedendo margem para qualquer interpretação extensiva. Vejamos: 9º Pode ler-se, na referida al. d) do n.º 5 do preceito citado, que a suspensão dos prazos, estabelecida no n.º 1, “não obsta a que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão” [destacado nosso].
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A expressão “caso em que” reporta, a não suspensão dos prazos de recurso, às decisões que, apesar da suspensão generalizada dos actos processuais, sejam proferidas após a entrada em vigor da norma suspensiva., 11º Não se aplicando, por isso, às decisões que foram proferidas antes da entrada em vigor da norma suspensiva, como é o caso dos presentes autos.
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Assim o decidiu, v.g., a Relação de Évora em Ac. de 03/05/2021, proferido no processo n.º 476/18.0T9ENT– A. E1 publicado in https://jurisprudencia.pt/acordao/200414/ , onde se pode ler, em súmula que “a previsão da alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, ao aludir "a que seja proferida decisão final", só pode reportar-se a situações em que foi proferida decisão final após a sua entrada em vigor”.
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“Com efeito, a lei é bem expressiva ao aludir “[a] que seja proferida decisão final”, o que nos remete para a prolação das decisões após a vigência da lei: se o legislador pretendesse abarcar todas as decisões proferidas, quer antes quer após a entrada em vigor da lei, afigura-se que teria utilizado um diferente enunciado linguístico” – vide Ac. citado –; 14º “Por isso, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), a alínea d) ao aludir “[a] que seja proferida decisão final”, só pode reportar-se a decisão final proferida após a entrada em vigor da lei” – vide Ac. citado.
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Entendimento contrário ao aqui defendido, considerando a clareza da letra da lei, porá em causa, de forma inadmissível, a segurança jurídica que deve imperar em questões processuais, quebrando uma legítima expectativa das partes (no caso da A. Recorrente), da admissibilidade de recurso, 16º Violando, desta forma, o Estado de Direito, donde emergem o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadão, ínsito no artigo 2.º da CRP.
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Poderemos considerar que a solução do legislador, de discriminar entre decisões proferidas antes e após a suspensão generalizada de prazos e diligencias, não terá sido uma boa solução, mas tal não invalida que tenha sido essa a sua vontade expressa, de forma inequívoca, no preceito legislativo em questão.
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Precludir o direito ao recurso com base em interpretação extensiva de norma excepcional, aprovada em tempo de excepcionalidade, para além de temerário é injusto, desde logo porque o prejuízo que resulta dessa decisão é substancialmente mais relevante do que o que advém da interpretação literal da norma.
Assim, 19º A interpretação da norma em causa, realizada pelo Exmo. Senhor Desembargador Relator, para além de ilegal, por ir muito para além do que a letra da norma excepcional em questão permite, é inconstitucional por violadora dos princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, inerentes ao Estado de Direito que tem acolhimento constitucional no artigo 2.º da CRP.
Termos em que, e nos melhores de direito, deverá ser proferido, por esta Conferencia, Acórdão que admita o recurso de Apelação interposto da decisão final proferida pelo Tribunal a quo».
*Não consta que o apelado tenha apresentado resposta.
*Cumpre decidir em conferência.
*Nos termos do n.º 3 do art. 652º do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, “[s]alvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”.
“A reclamação deduzida é decidida no acórdão que julga o recurso, salvo quando a natureza das questões suscitadas impuser decisão imediata, sendo, neste caso, aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo 657.º” (n.º 4 do art. 652º do CPC).
*II. Delimitação do objeto da reclamação para a conferência.
A questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se deve ser revogado o despacho (singular) do relator de 11/01/2022, com a consequente admissão do recurso de apelação.
*III.
Fundamentos IV. Fundamentação de facto.
As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes factos: 1. - Em 15/01/2021, foi proferida sentença nos presentes autos, a qual julgou improcedente, por não provada, quer a ação interposta pela Autora, quer a reconvenção deduzida pelo Réu, e, em consequência, não declarou dissolvido por divórcio o casamento celebrado entre ambos (ref.ª 34957427).
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- A notificação da referida sentença às partes, na pessoa dos seus mandatários, foi elaborada no Citius em 18/01/2021 (ref.ªs 35124255 e 35124256).
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- O recurso foi apresentado em 06/05/2021 (ref.ª 2580021).
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- Nas contra-alegações, o recorrido J. B. suscitou a extemporaneidade do recurso de apelação interposto (ref.ª 39133712).
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- Por despacho proferido em 1/06/2021, a Mmª Juíza “a quo”, depois de entender que o prazo para a interposição do recurso da decisão proferida nestes autos se suspendeu e que...
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