Acórdão nº 692/20.4T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório X - Máquinas Especiais, Lda instaurou contra (1ª) N. N., S.A. e (2ª) Y- Mediação de Seguros, Lda, no Juízo Local Cível de Viana do Castelo - Juiz 1 - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, peticionando a condenação solidária das Rés a restituir à Autora o valor da reparação da mercadoria, no total de € 3.415,84, a que acrescem os juros devidos desde o incumprimento do contrato de transporte de mercadorias até integral pagamento, que ao momento totalizavam € 191,44, bem como a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 1.750,00.

Para tanto alegou, em resumo, ter sido acordado entre a Autora e a primeira Ré, em 30 de Abril de 2019, um transporte de mercadoria (máquina modelo A 200, nº ...........13 do ano de 2019) para ser entregue na W – Soluções Industriais, S.A., com sede na Zona Industrial …, sendo que, aquando da entrega, o cliente da Autora deparou-se com a máquina danificada.

Entre a primeira ré e a segunda ré foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil, para quem foi transferida a responsabilidade civil emergente dos danos causados a terceiros por sinistro decorrente da atividade de transporte de mercadorias.

A ré é a responsável pelo sucedido e, tendo a aludida situação causado à Autora prejuízos, pretende ser ressarcida dos mesmos. Uma vez que a primeira ré transferiu para a segunda ré a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros no âmbito da sua atividade de transporte, pede a sua condenação solidária.

Peticionou, ainda, uma indemnização por danos não patrimoniais.

*Citadas, ambas as Rés deduziram contestação.

A 2ª ré invocou a exceção de ilegitimidade passiva e conclui pela improcedência do pedido (fls. 72 a 76).

A 1ª ré conclui pela improcedência da ação (fls. 88 a 93), sustentando que a Autora é a única responsável pela forma como a mercadoria foi carregada.

*A Autora pronunciou-se quanto à matéria de exceção invocada pela 2ª ré nos termos constantes de fls. 94 e 95.

*Foi proferido despacho saneador, em que se julgou improcedente a exceção dilatória invocada pela segunda ré, afirmou-se a validade e regularidade da instância, tendo sido identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e admitidos os meios de prova.

*Realizou-se a audiência de julgamento, conforme consta da respetiva acta, no decurso da qual a Autora desistiu do pedido formulado quanto à segunda Ré, desistência que foi judicialmente homologada (fls. 103 a 108).

*Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª 47185300 - fls. 109 a 116), nos termos da qual, julgando a ação totalmente procedente, absolveu a ré N. N., S.A. dos pedidos formulados.

*Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a autora (ref.ª 40100566 – fls. 117 a 147), rematando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «A. O presente Recurso tem como objeto a matéria de facto, incluindo a reapreciação da prova gravada, e de Direito, mais se requerendo que seja declarada a sua nulidade por omissão de pronúncia! B. Conforme melhor se alegará abaixo, resulta suficientemente provado dos autos que: i. No momento da carga, a mercadoria encontrava-se conforme, não tendo sido lavrada qualquer reserva pela Ré a este (ou qualquer outro) propósito; ii. A máquina foi carregada de acordo com as instruções do motorista da Ré; iii. O motorista da Ré concordou com a forma como a máquina foi carregada, dado que não fez, como podia, qualquer reserva quanto à forma como a mesma foi carregada.

iv. A máquina foi cintada pelo motorista da Ré(facto 16), da forma que este entendeu conveniente, tendo o mesmo ficado (erroneamente) convencido que a havia amarrado convenientemente; v. A mercadoria encontrava-se convenientemente embalada; vi. Não se provou o que provocou a queda da mercadoria! C. Foram alegados factos e produzida prova relativamente à conformidade da carga no momento da carga e à ausência de reservas por parte da Ré transportadora, que injustificadamente se encontram omissas da sentença ora recorrida - tais factos, mormente os constantes dos números 10.º, 11.º e88.ºda Petição Inicial, além de não contestados foram objeto de prova, devendo os mesmos ser considerados como provados. Contudo, a sentença recorrida omite qualquer consideração sobre os mesmos, o que a torna, nesta parte nula.

D. A ausência de reservas por parte da transportadora é facto essencial para o apuramento da verdade material, pelo que existindo omissão da sentença recorrida a este propósito, deverá ser declarada a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que devia ter apreciado, nos termos do disposto no art.º 615.º/1, alínea d) do Código de Processo Civil! E. A sentença recorrida não podia deixar de concluir pela conformidade da mercadoria no momento da carga, bem como pela conformidade do cumprimento, pela ora Recorrente, de todos os deveres que lhe cabiam, pois a máquina foi posicionada onde o motorista indicou. A máquina foi cintada pelo motorista, da forma que este entendeu. Caso a Ré, na pessoa do motorista, entendesse que não estavam reunidas as condições para um transporte seguro, deveria ter recusado efetuar o transporte – o que não fez. No mínimo, a Ré teria indicado a inconformidade da carga ou do posicionamento desta – o que não fez –nomeadamente, fazendo reservas na guia de transporte – o que igualmente não fez! F. Resulta da prova produzida nos autos não só que o motorista teve autonomia para acondicionar a mercadoria como melhor entendeu, como nunca levantou qualquer questão ou fez constar qualquer reserva relativamente às características da mercadoria ou do seu acondicionamento! G. A ausência de reservas foi alegado em sede de Petição Inicial – artigos 11.º e 88.º, o que não foi impugnado pela Ré! Ao mesmo tempo, foi junto aos autos com a Petição Inicial a guia de transporte (de resto documento não impugnado!), cujo espaço para Reservas por parte da transportadora se encontra em branco! A ausência de Reservas foi confirmada pelo próprio motorista, testemunha F. B., arrolado pela Ré (ouvido em 01/07/2021, com hora de início de gravação pelas 10:39:44): (00:07:31 da respetiva gravação) Mandatária: Olhe, e o senhor não fez... e o senhor não fez lá... porque é que não escreveu na guia de transporte, enfim, que o senhor que achava que aquilo não ia bem assim? (00:07:42)F. B.: Porque eu também não esperava que a máquina fosse tombar, é a verdade.

(00:25:00) Mandatário: A guia de transporte tem uma zona para se fazer reservas, para se fazer reservas e observações. E eu estou aqui a falar quando estava na X ainda. O senhor não preencheu nada nem disse para preencherem nada quanto à questão da reserva ou observação que tivesse do transporte... Confirma isso? (00:25:21)F. B.: Confirmo, confirmo... mas também não estava à espera que a máquina fosse tombar.

H. Ao mesmo tempo, resulta do depoimento da testemunha A. C., arrolado pela Autora (ouvido em 25/05/2021, com hora de início de gravação pelas 09:52:28), o seguinte: (00:08:37 da respetiva gravação) A. C.: Não, o motorista não questionou nada. O motorista apenas se limitou a verificar a carga e a dizer onde é que queria que a colocasse em cima do camião.

I. Menciona a mesma testemunha que o motorista do camião não chamou a atenção para a falta de estabilidade do conjunto (ouvido em 25/05/2021, com hora de início de gravação pelas 11:03:02): (00:01:25 da respetiva gravação) Mandatário: O motorista fez alguma… algum comentário, queixou-se de alguma forma sobre a máquina, as características da máquina… alguma dificuldade que tivesse…? (00:01:41) A. C.: Não, não.

J. Note-se que o motorista não apresentou qualquer reserva porque, conforme o próprio referiu (ouvido a 01/07/2021, com hora de início de gravação pelas 10:39:44): (00:07:42 da respetiva gravação) F. B.: Porque eu também não esperava que a máquina fosse tombar, é a verdade, não esperava que a máquina fosse tombar.

(00:25:23) F. B.: Mas também não estava à espera que a máquina fosse tombar… é a verdade, não estava à espera disso. Não estava à espera que a máquina fosse tombar! Ou seja, K. O próprio motorista se encontrava convencido de que estava tudo conforme quanto à forma como a carga estava colocada e acondicionada no veículo.

L. Depois, o tribunal a quo deveria igualmente ter dado como provado o alegado no artigo 10.º da Petição Inicial (Tal mercadoria e a respetiva embalagem apresentavam-se sem defeitos aparentes) M. Destarte, deveria ter sido dado como provado que: Não foi feita qualquer reserva ao transporte por parte da Ré; A mercadoria e a respetiva embalagem apresentavam-se sem defeitos aparentes; Ademais, N. Ainda que, de facto, tenha sido a mercadoria carregada e, consequentemente, posicionada no estrado do camião por funcionários da Autora, importa frisar que as indicações para o efeito foram dadas pelo motorista que iria efetuar o transporte -Isto mesmo foi confirmado pelo próprio - testemunha F. B. (ouvido a 01/07/2021, com hora de início de gravação pelas 10:39:44): (00:21:19 da respetiva gravação) Mandatário: Olhe, e então agora vamos à questão do carregamento, nomeadamente porque (…) a máquina foi colocada a meio do camião. Quem é que a colocou a meio do camião? (00:21:41) F. B.: Oh Doutor, foi o senhor lá da empresa.

(00:21:51) Mandatário: E porque é que ele pôs a máquina no meio do camião? (00:21:56) F. B.:Porque eu disse para pôr! Porque eu disse para pôr! Efetivamente, O. É o motorista a pessoa indicada para facultar orientações no que concerne ao acondicionamento da carga no veículo de transporte de mercadorias, por ser este interveniente o único com suficiente conhecimento sobre questões de segurança do transporte e questões relacionadas com a própria mercadoria.

P. Resulta claro dos autos que foi o motorista que forneceu (como...

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