Acórdão nº 4649/21.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Março de 2022
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 10 de Março de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório M. F.
, intentou execução para entrega de coisa contra A. O.
, dando à execução a decisão proferida nos autos de divórcio por mútuo consentimento que correram termos junto da Conservatória do Registo Civil de .. - Processo n.º 808/2017 -, junta por certidão.
Alega, no requerimento executivo, que: «1. Exequente, M. F., e Executado, A. O., casaram em - de Agosto de 1989.
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Casamento esse, que viria a ser dissolvido, em 18 de Julho de 2017, por via de divórcio e separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, decretado pela Conservatória do Registo Civil da .. - Processo n.º 808/2017.
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Divórcio que apenas se mostrou possível pelo facto de Exequente e Executado estarem de acordo quanto à casa de morada de família, tendo o referido acordo sido na mencionada data homologado.
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No mesmo acordaram, e passa-se a citar, "que a requerente mulher utilize e fique a residir gratuitamente na casa de morada de família, sita na Avenida …, .. (...), concelho da .., bem comum do casal, mas que será do requerente marido o encargo com a prestação mensal da mesma, no valor de 185 euros e 50 cêntimos, na pendência do divórcio, até à partilha ou venda da mesma".
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Ora, a ata em que se exara a decisão da Senhora Conservadora do Registo Civil produz os mesmos efeitos que uma sentença judicial quanto à mesma matéria, sendo, por isso, título executivo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 703.º do Código do Processo Civil.
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É certo que a Exequente ficou a residir naquela casa até há bem pouco tempo, 7. Contudo, em momento algum o Executado abandonou a mesma, nela se mantendo a residir até aos dias de hoje, na companhia da filha que tem em comum com a Exequente.
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Isto apesar de não se ter ainda procedido à partilha, nem vendido a casa.
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Foram várias, ao longo dos últimos anos, as tentativas levadas a cabo pela Exequente, no sentido de o Executado abandonar a casa.
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Todas elas em vão, esbarrando na intransigência deste último.
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Permaneceu e permanece, por isso, o Executado na habitação, perfeitamente ciente de que incumpre, dia após dia, o acordo livremente celebrado.
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Toda esta situação levou, naturalmente, a inúmeros atritos e discussões.
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Tendo agastado severamente a Exequente, 14. Que viu como única via possível para a salvaguarda da sua saúde mental abandonar a casa aqui em questão, e procurar nova morada, 15. Com os custos inerentes à mesma.
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Não obstante, e tendo por base o acordo, devidamente homologado, celebrado com o Executado, tem a Exequente direito a residir, de forma exclusiva, na casa sita na Avenida …, .. (...), concelho da ...
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Direito que pretende exercer de forma plena, 18. O que apenas será possível com o abandono daquela, por parte do Executado.
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Assim, deverá o Executado ser citado para proceder à entrega daquele imóvel no prazo de 20 dias, conforme previsto no artigo 859º do C.P.C., com a cominação de, caso não o faça voluntariamente, a execução prosseguir nos termos do artigo 861º do C.P.C».
Em 23-09-2021 foi proferido despacho com o seguinte teor: «Afigura-se ao tribunal que não tem a exequente título executivo, considerando a natureza e teor do documento dado à execução e o que resulta do art. 703º do Cód. Proc. Civil.
Notifique, assim, a exequente para, querendo e em 10 dias, se pronunciar».
Sobre tal despacho veio o exequente pronunciar-se no sentido de que a ata de conferência de divórcio, e respetivos acordos, constitui título executivo suscetível de servir de base à presente execução.
Foi então proferido despacho judicial, em 07-10-2021, indeferindo liminarmente o requerimento executivo, por falta de exequibilidade do título.
Inconformada, a exequente apresentou-se a recorrer, pedindo a revogação da decisão por outra que reconheça a exequibilidade da decisão da Conservadora do Registo Civil, apresentada como título executivo, seguindo-se os legais termos da ação executiva.
Termina as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença, proferida em primeira instância, em que se indefere liminarmente o requerimento executivo sob o pretexto da falta de exequibilidade do título.
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Contudo, a Exequente não se conforma, nem pode conformar com tal decisão.
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Exequente e Executado dissolveram o casamento que os unia por divórcio por mútuo consentimento decretado pela Conservatória do Registo Civil da ...
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No âmbito daquele apresentaram acordo quanto à casa de morada de família, no qual se pode ler “que a requerente mulher utilize e fique a residir gratuitamente na casa de morada de família, sita na Avenida …, .. (...), concelho da .., bem comum do casal, mas que será do requerente marido o encargo com a prestação mensal da mesma, no valor de 185 euros e 50 cêntimos, na pendência do divórcio, até à partilha ou venda da mesma”.
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A Exequente ficou, efetivamente, a residir naquela casa.
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Contudo, em momento algum o Executado abandonou a mesma, lá se mantendo a residir.
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Incumpria, por isso, o Executado, como incumpre, o acordo livre e esclarecidamente celebrado com a Exequente.
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Dada a ata em que se exara a decisão da Senhora Conservadora do Registo Civil à execução, veio o Tribunal a quo pronunciar-se no sentido de que aquela, proferida no âmbito de um procedimento administrativo, não constitui título executivo, ao invés do defendido pela Exequente.
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Já que da mesma não resulta qualquer condenação que possa ser exigida coercivamente ao Executado, uma vez que este não se obrigou a entregar a habitação.
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Entende o Tribunal recorrido que de tal acordo resulta apenas que a Exequente ali pode residir gratuitamente.
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Concluindo que carece a Exequente de título executivo, indeferindo, por isso, liminarmente o requerimento apresentado, com base no artigo 726.º, n.º 2, al. a) do Código Processo Civil.
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Ora, com isto não pode obviamente a Exequente conformar-se.
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Com o devido respeito que nos merece o Tribunal a quo, que é muito, tal interpretação não pode ser acolhida, por ser até contrária à finalidade do instituto do divórcio.
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O casamento implica plena comunhão da vida em comum e o dever de coabitação dos cônjuges, artigos 1577.º e1672.º do Código Civil.
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Ora, o divórcio dissolve o casamento, cessando consequentemente os deveres que dele emanavam para os (ex)cônjuges.
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Como é do senso comum, o divórcio conduz à cessação da coabitação.
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É um efeito imediato.
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Caso contrário, não se decidiria de pronto quem fica a utilizar e a residir na, até então, casa de morada de família.
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No acordo quanto à casa de morada de família que acompanha o pedido de divórcio apresentado, pode ler-se expressamente que “a requerente mulher utilize e fique a residir gratuitamente na casa de morada de família”.
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Se a intenção de ambos fosse a de permanecerem os dois na casa de morada de família tê-lo-iam certamente manifestado no acordo apresentado.
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O direito da Exequente de utilizar e residir na casa de morada de família era necessariamente acompanhado da obrigação de o Executado abandonar aquela.
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Entender tal acordo de...
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