Acórdão nº 1631/13.4TBVCT-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução03 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: R. C., A. M., M. M., e M. C., instauraram a presente acção especial para prestação de contas contra M. G., C. A. e D. C., pedindo a condenação dos R.R. a prestarem contas aos A.A. relativamente ao período em que iniciaram os cuidados e posteriormente foram nomeados, a primeira tutora e os segundos membros do conselho de família, da interdita I. C., devendo os R.R. serem condenados a pagar aos A.A., enquanto herdeiros da dita I. C., a importância que da quantia de € 86.197,49 se outra não vier a ser aprovada, quantia acrescida de juros legais a contar da citação, até integral e efetivo pagamento. O período a que respeita tal valor situa-se entre 22/7/2012 a 17/2/2020 –reportando o saldo a 18/2/2020.

Para tanto, e no que ao caso interessa, alegaram que, a partir de 22 de julho de 2012, I. C. foi entregue aos cuidados da primeira R., M. G.. E que por sentença de 12/3/2014, transitada em julgado e constante dos autos principiais, a referida I. C. foi declarada interdita, em virtude da anomalia psíquica de que padecia. Fixou-se o início da incapacidade da interdita à nascença. E nomeou-se a aqui 1º R., M. G., como sua tutora. Para o conselho de família, foi nomeado o 2º R., C. A., marido da 1ª R., como protutor e a 3ª R., D. C., filha dos 1º e 2º R.R., como vogal.

Justificam assim a legitimidade de todos os R.R..

Mais dizem que “Por douto despacho proferido a 15 de novembro de 2019, devidamente transitado em julgado, na ação de interdição a que estes autos devem ser apensos, foi nomeada C. V., filha do 1º autor R. C. e sobrinha da I. C., como sua acompanhante em substituição da 1ª ré. 27- Assim como foram nomeados a 2ª autora, A. M. e o 1º autor, R. C., como protutora e vogal, respetivamente, em substituição do 2º e 3º réus. (…) 28- Ora, por motivos que se desconhecem e que, crê-se, não se prenderam com a I. C., a Segurança Social revogou o contrato de família de acolhimento que mantinha com a 1ª ré. 29- No entanto e apesar dessa revogação não retirou a I. C. dos cuidados da 1ª ré.” E mais à frente acrescentam, que após a sua como acompanhante da I. C., C. V. passou a interagir com a Segurança social em tudo o que dissesse respeito à I. C..

E mais dizem que “O tutor é responsável pelo prejuízo que por dolo ou culpa causar ao pupilo. – cfr artigo 1945º, n.º 1, do CC.”; “Pertence ao conselho de família vigiar o modo por que são desempenhadas as funções do tutor. – cfr artigo 1954º do CC.”.

*Os R.R. apresentaram contestação arguindo a exceção de falta de legitimidade dos Réus C. A. e D. C. por não terem obrigação de prestar contas. Impugnaram a obrigação de prestar contas fora do período compreendido entre a nomeação como tutora, em 12 de março de 2104, e a sua substituição, em 11 de novembro de 2019.

*O A. R. C. apresentou resposta às exceções invocadas pelos R.R., acrescentando que: “1- Pertence ao conselho de família vigiar o modo por que são desempenhadas as funções do tutor e exercer as demais atribuições que a lei especialmente lhe confere. 2- Nos termos do artigo 1955º do CC, cabe ao conselho de família vigiar a atividade do tutor ou do curador e dar parecer sempre que considerado conveniente e necessário e possam estar em causa os interesses da pessoa incapacitada (saúde, rendimentos, administração de bens, etc…). 3- Ao Primeiro Vogal cabe-lhe especificadamente a tarefa de fiscalizar com permanência o desempenho da tutela ou da curatela e é chamado de protutor pois substitui o tutor nos seus impedimentos, auxilia-o e representa o incapaz se houver conflito de interesses entre aquele e este. (…). 8- Na verdade, no período de vigência do exercício de funções por parte do conselho de família, este é responsável, pelas despesas feitas pela tutora. 9- Na verdade, compete ao conselho de família fiscalizar a atividade feita pela tutora. 10- E se o não o fez, deveria tê-lo feito. 11- No entanto e no caso dos autos, teremos de distinguir duas situações: o facto da ré M. G. ter sida nomeada tutora e igualmente família de acolhimento da interdita. 12- A ré M. G. teve acesso aos dinheiros da interdita quando pagou a cuidar da mesma e isto antes de ter sida nomeada provisoria e depois definitivamente sua tutora. 13- Acesso que continuou após ter sido substituída do seu cargo de tutora e que só cessou quando a nova tutora conseguiu junto da Caixa … tirar o acesso da ré M. G. na conta bancária da interdita em fevereiro de 2020. 14- Pelo que a ré M. G. é responsável pela apresentação de contas em todo período em que teve sob a sua gestão os dinheiros da interdita. 15- Já os membros do Conselho de família são responsáveis somente pelo período de tempo em que exerceram, provisoria e definitivamente, o seu cargo. (…) 37- É, salvo o devido respeito, por demais evidente que as contas a serem apresentadas, são contas relativas as despesas feitas pela ré tutora e cuidadora mas aprovadas e fiscalizadas pelos membros do Conselho de família em cumprimento das suas funções. 38- Nessa medida qualquer despesa no período de vigência das funções do conselho de família foi ou teria de ser por este fiscalizado. 39- Pelo que e salvo o devido respeito os membros do Conselho de família são responsáveis pelas contas a apresentar a partir do momento em que foram provisoriamente nomeados enquanto tal e até 02/12/2019, data de transito em julgado do despacho que os referidos membros foram substituídos por outros.”.

*Foi determinada a notificação do Ministério Público (M.P.), nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 948º, a), do C.P.C..

O M.P. apresentou articulado reiterando a alegação de ilegitimidade dos 2º e 3º R.R. e a obrigatoriedade restringir-se ao período em que a Acompanhante exerceu este cargo, ou seja, desde a sua nomeação até à cessação das suas funções.

*Foi fixado o valor à ação de € 71.976,33.

Foi proferido despacho saneador, tendo-se apreciado a falta de legitimidade dos R.R. C. A. e D. C., concluindo-se pela sua ilegitimidade e pela sua absolvição da instância, bem como se determinou-se que a obrigação de prestar contas por parte da Ré abrangia o período temporal que se iniciou com a sua nomeação e terminou com a sua substituição.

Nesse sentido, da decisão consta o seguinte: “(…) Da falta de legitimidade dos réus C. A. e D. C.

Na contestação apresentada foi suscitada a falta de legitimidade passiva dos réus C. A. e D. C.. Entendem estes que não devem ser partes na acção, pois não têm qualquer obrigação legal de prestar contas, não tendo sido tutores da interdita. A obrigação de prestar contas só existe nos casos expressamente previstos na lei e, no caso da interdição, recai sobre o tutor.

Foi observado o contraditório.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 30º, nº 1, do Código de Processo Civil que o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, sendo que esse interesse se exprime, nos termos do nº 2, do mesmo artigo, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor (nº 3, do artigo 30º, do C.P.C.).

O preceito em causa exige que o interesse seja directo.

O interesse directo é a condição da legitimidade das partes. Como nos ensina o Professor Alberto dos Reis “O que importa, em cada caso concreto, é apurar quem deve propor a acção e contra quem deve ser proposta para que o tribunal haja de conhecer do pedido, isto é, para que o tribunal se pronuncie sobre a relação jurídica substancial, objecto da acção. Sendo assim, facilmente se compreende que a questão da legitimidade das partes sob o ponto de vista substancial é, na essência, uma questão de posição do autor e do réu relativamente à relação jurídica material que constitui o tema do litígio.” (Código de Processo Civil Anotado, Volume I, página 76, 3ª Edição – reimpressão, Coimbra Editora).

“Não basta, pois, um interesse indirecto ou reflexo; não basta que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão ou por via reflexa, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular. Noutros termos, não basta que as partes sejam sujeitos duma relação jurídica conexa com a relação litigiosa; é necessário que sejam os sujeitos da própria relação litigiosa (Código de Processo Civil anotado, volume I, 3ª edição – reimpressão, Professor Alberto dos Reis, página 84).

A legitimidade reconduz-se a uma posição das partes em relação ao objecto do litígio que é a relação jurídica controvertida. Só que o objecto do processo em que se traduz o litígio que o autor trouxe ao conhecimento do tribunal para o resolver e decidir é delineado e delimitado pelo próprio autor, sendo, em princípio dentro desses limites que o tribunal o há-de conhecer e decidir – acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Março de 1981 (BMJ, 305º-338).

O interesse directo de que deriva a legitimidade segundo o preceito consiste em as partes serem os sujeitos da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal. A legitimidade deve ser, pois, referida à relação jurídica objecto do pleito e determina-se averiguando quais são os fundamentos da acção e qual a posição das partes relativamente a esses fundamentos...

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