Acórdão nº 4827/20.9T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO A. L. e A. M., intentaram ação declarativa sob a forma comum contra M. B., peticionando que seja declarado válido e eficaz o exercício da oposição à renovação automática do contrato de arrendamento vigente entre as partes, que a cessação desse contrato seja reportada ao dia 28-02-2021 (ou, em último caso, ao dia 23-05-2021), e que a ré seja condenada a desocupar o locado no prazo de 10 dias úteis após trânsito em julgado, a pagar € 100,00 diários a titulo de juros compulsórios por cada dia de incumprimento e a pagar uma indemnização equivalente a uma renda por cada mês de utilização considerada abusiva, contabilizada desde a data de cessação do contrato de arrendamento até ao trânsito em julgado da sentença.

Alegaram, para tal, que adquiriram um imóvel onerado com um contrato de arrendamento comercial celebrado entre os anteriores proprietários e a aqui ré, por tempo determinado e subordinado às regras do RAU (Decreto-Lei n.º 321-b/90, de 15 de outubro), tendo-lhes sido transmitida a posição jurídica de senhorios. Mais alegaram que o contrato foi celebrado pelo período de um ano, renovável por iguais períodos, mas que essa cláusula é ilegal por violação de normas imperativas e que, face a essa invalidade, é de considerar que o contrato foi celebrado por duração limitada (por reporte ao prazo mínimo previsto na lei). Mais alegaram, ainda, que se opuseram à renovação automática do referido contrato por reporte ao dia 28-02-2021, à luz da sucessão de leis no tempo que entendem ser aplicadas ao referido contrato.

A ré apresentou contestação sustentando que o prazo aposto no contrato, por ser inferior ao prazo legal imposto na data do contrato, lhe confere natureza vinculística, não estando sujeito a prazo. Invocou, também, que o contrato foi celebrado com o anterior senhorio sempre no intuito de ter um contrato com duração ilimitada, o que se evidencia pelas obras de fundo que realizou no imóvel e pelo montante que pagou ao anterior inquilino para que este denunciasse o contrato de arrendamento do imóvel.

*A final foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos.

*Inconformados com a sentença, os autores interpuseram recurso, finalizando com as seguintes conclusões (transcrição): 1. A douta sentença ora em crise, no seu ponto nº 3 da fundamentação de facto dá como provado que “As partes contraentes primitivas quiseram celebrar um contrato de duração ilimitada não pretendendo a R. celebrá-lo senão nessa condição” mas no que concerne às “partes primitivas” do contrato de arrendamento celebrado, a saber, a própria Ré/Recorrida, M. B. e os proprietários da fração à data da sua celebração, a saber: J. B. e F. C. apenas a aqui Ré/Recorrida se manifestou, em depoimento de parte, os motivos que a levaram a celebrar tal contrato de arrendamento.

  1. Os Primeiros Outorgantes daquele contrato de arrendamento não prestaram depoimento nestes autos, porque já falecidos.

  2. Assim e com base unicamente do depoimento de parte da Ré/Recorrida – aliás parte interessada nestes autos – não poderia a Meritíssima Juiz a quo dar como provada, como deu, a vontade dos Primeiros Outorgantes daquele contrato de arrendamento em celebrarem um contrato de duração ilimitada.

  3. Apenas a Ré/Recorrida, em depoimento de parte, veio referir o seu interesse no arrendamento de longa duração, tanto mais que no início do depoimento, à pergunta direta da Meritíssima Juiz, e referindo-se ao momento da assinatura do contrato de arrendamento no Notário: “E os Senhores falaram, discutiram a duração deste contrato?”, a Ré/Recorrida foi perentória ao afirmar que “Não!”.

  4. Por outro lado, sempre que foi mencionada a duração do contrato de arrendamento celebrado a Ré/Recorrida usou sempre a seguinte expressão conforme sublinhado e negrito nossa nas transcrições supra: “para mim era para a vida!”.

  5. A Ré/Recorrida nunca afirmou durante o seu depoimento da forma espontânea como utilizou repetidas vezes a expressão “para mim” que a própria e o seu Senhorio, J. B. a esposa daquele, F. C. tenham acordado que a duração daquele contrato fosse ilimitada.

  6. Se a Ré/Recorrida não tivesse quaisquer dúvidas quanto ao caracter duradouro do contrato não recorreria à expressão “para mim” e teria dito várias vezes de forma perentória e sem qualquer margem para dúvidas, que entre si e os seus Senhorios ficou a cordado que o contrato em causa teria uma duração ilimitada.

  7. O que torna claro e evidente que entre a Ré/Recorrida e os seus outrora Senhorios, J. B. a F. C. nunca foi acordado que a duração daquele contrato fosse ilimitada.

  8. A Ré/Recorrida sabia e não podia desconhecer, aliás por ser proprietária do imóvel confinante ao do locado em discussão nestes autos que, a celebração de um contrato de arrendamento não implica a transferência de propriedade, essa sim (em princípio) para a vida… Aliás a celebração de um contrato de arrendamento é a antítese de uma duração “para a vida” ou vitalícia.

  9. A Ré/Recorrida quer forçar a existência de um contrato de arrendamento de duração ilimitada escudando-se na realização de obras e no pagamento do preço do trespasse mas a realização das obras no locado destinaram-se `a adaptação do mesmo ao objeto do negócio da Ré/Recorrida; 11. Tendo ainda a Ré/Recorrida optado por celebrar novo contrato de arrendamento como os proprietários do locado, assim e pela análise da matéria de facto transcrita, constatamos que, a Ré/Recorrente, no depoimento de parte que prestou, nunca referiu deforma, clara, expressa e perentória ser vontade dos seus primitivos Senhorios a celebração de um contrato de arrendamento de longa duração, a Ré/Recorrente referiu sim, ser esse o seu entendimento quanto à duração do contrato.

  10. Assim sendo, este depoimento de parte da Ré/Recorrida, embora sujeito à livre apreciação da prova pela Meritíssima Juiz a quo, não pode servir para que do mesmo se deduza a vontade subjacente à celebração do contrato pelos outrora Senhorios da Ré e Primeiros Outorgantes naquele contrato; 13. Assim e porque a prova produzida em sede de audiência discussão e julgamento, nunca poderia dar como provada a matéria constante do ponto nº 3 da fundamentação de facto, está incorretamente julgado, nos termos do disposto no artigo 640º nº 1 a), do Código de Processo Civil, a matéria de facto constante do ponto nº 3 da fundamentação de facto sendo que onde se refere: “As partes contraentes primitivas quiseram celebrar um contrato de duração ilimitada não pretendendo a R. celebrá-lo senão nessa condição”, deve passar a constar: A Ré declarou pretender celebrar um contrato de duração ilimitada.

  11. A douta sentença ora em crise viola o disposto no art. 363º, nº 1 e nº 2; 371º nº1 e 394º nº1 do Código Civil.

  12. O contrato de arrendamento objeto de análise nestes autos é, pelo facto de ter sido celebrado através de escritura pública, um documento autêntico nos termos do disposto no artigo 363º, nº 1 e 2 do Código Civil.

  13. O art. 372º nº 1 do Código Civil determina que a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.

  14. A força probatória deste documento autêntico, nos casos em que não seja arguida a respetiva falsidade, como aconteceu no caso em apreço, determina o nº 1 do artigo 371º do Código Civil que aquele faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou, oficial respetivo, assim como, dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.

  15. Assim sendo, nunca poderia o Tribunal a quo ter interpretado a cláusula relativa à duração do contrato, e do qual consta que o mesmo foi celebrado pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos, em sentido contrário àquela redação e da seguinte forma: “Dos factos dados como provados, o tribunal não tem dúvidas de que a vontade real das partes correspondeu à celebração de um contrato sem prazo, isto é, um contrato de natureza vinculístico para efeitos do RAU.”; 19. Pois que, não tendo sido alegada a falsidade de tal documento, apenas poderá valer como exata a declaração das partes no sentido expressono texto docontrato de arrendamento celebrado, ou seja, a vontade de celebração de um contrato limitado no tempo, pelo período de um ano e renovável pelo mesmo período de tempo.

  16. Por outro lado, também não poderia o Tribunal a quo ter-se socorrido das declarações prestadas pela Ré/Recorrida em sede de depoimento de parte para “interpretar” as declarações negociais constantes daquele contrato de arrendamento celebrado através de escritura pública.

  17. É que, nos termos do nº1, do artigo 394º do Código Civil: “É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais...

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