Acórdão nº 1693/21.0T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Março de 2022
Magistrado Responsável | JOSÉ AMARAL |
Data da Resolução | 31 de Março de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO [1] A autora J. C.
intentou, em 25-03-2021, no Tribunal de Comércio de VN de Famalicão, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a ré Sociedade H. G., Ldª.
Formulou o seguinte pedido: “…deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência declarada a deliberação social, ocorrida em 25 de fevereiro de 2021, A – Anulável, nos termos do disposto no artigo 58º n.º 1 alínea a) do C.S.C. por ter sido aprovada, sem consentimento da contitular da quota objeto de amortização.
B – Anulável, nos termos do disposto no artigo 58º n.º 1 alínea a) do C.S.C., por violação do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultantes da lei.
C – Anulável, nos termos do disposto no artigo 58º n.º 1 alínea a) do C.S.C, por inexistência de maioria necessária.
D – Anulável por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58º do C.S.C, na medida em que visa unicamente satisfazer o interesse de uma sócia (A. P.), a qual pretende obter uma vantagem para si em prejuízo da sociedade e da sócia, aqui Autora.
E – Nula, por não constar do Ponto 1 da Ordem de Trabalhos a alteração ao contrato societário, nomeadamente a alteração do n.º 1 do artigo 4º do Pacto Social.
E por esse motivo ser anulado o registo efetuado por depósito pela sociedade aqui Ré, n.º 240/2021-02-26 16:01:43, assim como a apresentação, cujo registo se encontra provisório por dúvidas, com AP. 18/20210226.” Alegou, resumindo, que, a culminar uma actividade comercial tendo por objecto vestuário de criança e artigos têxteis para o lar, ela e seu falecido marido constituíram, em 20-06-2001, a Sociedade ré, com quotas iguais de 2.500,00€ cada.
Em 26-07-2007, mediante aumento de capital e para compensarem o trabalho da filha A. P., esta ficou titular de uma quota de 16.000,00€ e, cada um deles, com outra, de 12.000,00€, tornando-se ela também gerente e vinculando-se a Sociedade com a assinatura obrigatória do marido e a de qualquer delas (mãe ou filha).
Na sequência do óbito, em 16-12-2020, do sócio marido e pai, a sócia filha informou a sócia mãe de que pretendia amortizar a quota que fora titulada por aquele, conforme previsto no pacto social, ao que esta objectou que não se oporia desde que a metade da quota do de cujus (bem como a metade da quota por si própria titulada) permanecesse na sua titularidade, pois que ambas essas quotas, em função de o regime de casamento ser o de comunhão geral de bens, ser bem comum do casal e por ambos os membros titulada, foram tratadas e geridas como uma só.
Sucedeu que, em Assembleia Geral, realizada em 25-02-2021, conforme proposta aí apresentada pela sócia filha, foi deliberado proceder à amortização da quota titulada pelo falecido e à consequente distribuição do respectivo valor por aquela e pela mãe (sócias sobrevivas), apesar da contraproposta desta no sentido de tal quota ser adquirida, apenas, por si (com o já referido argumento) e do seu voto contrário emitido.
Considera a autora que, em razão da sua peculiar ligação à Sociedade e ao falecido sócio seu ex-cônjuge, era indispensável a sua autorização/consentimento para a amortização e a divisão da quota, o que não aconteceu; que a deliberação viola o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de contitularidade das quotas (enquanto cônjuges); que foi tomada sem a maioria necessária (apenas com o voto da filha), pois que a deliberação sempre deveria te sido votada pela mãe, enquanto contitular da quota do falecido (e da sua) – devendo a deliberação ser anulada.
Considera ainda que a deliberação é anulável, por a sócia A. P. ter apenas visado os seus interesses próprios (o seu enriquecimento sem causa) e prejudicar os da Sociedade e da sócia sua mãe, havendo conflito de interesses, ficando ela numa posição maioritária em violação do direito sucessório pois que nenhum testamento lhe conferiu esse estatuto E, por fim, que é também nula por ter sido aprovada uma alteração do pacto social (relativa à administração) sem que tal constasse da Ordem de Trabalhos na convocatória.
Juntou documentos.
Uma vez citada, a ré contestou, por excepção dilatória (alegando que há ilegitimidade passiva, uma vez que devia ter sido demandada a sócia A. P.), por impugnação dos factos (em parte), dos documentos e de direito (refutando os argumentos respectivos), esgrimindo a sua versão sobre os motivos, circunstâncias e objectivos com que a filha dos primitivos sócios entrou na Sociedade e nela adquiriu papel de “capital importância”, tudo traduzido, aliás, no valor da sua quota e no facto de ter sido nomeada também gerente, e concluindo pela improcedência total da acção.
A autora respondeu à referida excepção, sustentando que a mesma não se verifica.
A acção mostra-se registada na Conservatória respectiva.
Após audiência prévia, em 18-11-2021 foi proferido saneador/sentença no qual, além da improcedência da referida excepção de ilegitimidade, se decidiu: “Termos em que decidindo pela procedência parcial da acção, declaro a nulidade da deliberação social na parte em que procedeu à alteração do n.º 1 do artigo 4º do Pacto Social, julgando improcedente o demais peticionado.
Custas por A. e R., fixando-se a responsabilidade da primeira em 4/5 e a da segunda em 1/5 – art. 527º do Código de Processo Civil.
Registe e Notifique.”.
Não se resignou a autora, que concluiu assim as alegações com que justificou o seu apelo: “I- A Recorrente intentou os presentes autos peticionando, em suma, que a deliberação social, ocorrida em 25 de fevereiro de 2021 fosse declarada: “………..” (2) II-O Tribunal a quo, por sentença datada de 18 de Novembro de 2021, decidiu no sentido de julgar a presente acção APENAS parcialmente procedente, “…………..
.” III- Não obstante o elevado respeito, consideração e estima pessoal, que temos pelo Digníssima Magistrada que subscreveu a douta sentença recorrida, com a mesma não podemos concordar, por entendermos que, salvo o devido respeito, nela se fez uma apreciação dos elementos probatórios e uma incorrecta aplicação da lei e do direito.
IV- Apesar da Recorrente respeitar a decisão recorrida, não pode deixar de clamar que a mesma é muito injusta e contrária à verdade dos factos, uma vez que a Recorrente entende que ao manter-se inalterada a decisão proferida, não se está a respeitar a real vontade das partes, nomeadamente a vontade do sócio falecido, e, pior, está-se a permitir que uma sócia, também ela herdeira do sócio de cuiús, não só se aproveite e locuplete à custa do trabalho e património dos seus pais como obtenha uma beneficio, injustificado, em relação aos demais herdeiros do seu pai – o sócio de cuiús.
V-É certo que, em 2007, através da figura do aumento de capital, a Recorrente e o seu falecido marido permitiram que a sua filha A. P. passasse a ser sócia da Recorrida detendo uma quota de 40% do capital social da mesma. Contudo, tal possibilidade apenas foi assegurada àquela porque para a Recorrente e para o seu falecido marido, os mesmos detinham, conjuntamente, uma quota no valor de 60% do referido capital social, sendo assim sócios maioritários.
VI- A Recorrente e o seu falecido marido, porque casados no regime da comunhão geral de bens, não obstante figurar que os mesmos detinham, cada um, uma quota correspondente a 30% do capital social da Recorrida, sempre actuaram na convicção, assim como a sócia A. P., que aqueles eram detentores, conjuntamente, de uma quota no valor de 60% do capital social e como tal detinham a maioria da representação da sociedade Recorrida.
VII- Nunca a Recorrente e o seu falecido marido, sócios fundadores da sociedade Recorrida pretenderam ao permitir que a filha A. P. detivesse uma quota no valor de 40% do capital social se tornasse a sócia maioritária, pois aqueles sempre actuaram na convicção de que eram eles, porque casados no regime da comunhão geral de bens e como tal detentores de uma quota única, os sócios maioritários da referida sociedade.
VIII- Nunca os mesmos pretenderam, e a sócia A. P., bem o sabe e não pode ignorar, que aquela fosse a sócia maioritária da Recorrida, até porque tal facto sempre constituiria uma injustiça para os outros seus filhos dado que a sociedade em causa foi constituída pelos seus pais, graças ao seu trabalho e aos seu dinheiro próprio, pelo que permitir que aquela filha figurasse como sócia maioritária da sociedade Recorrida era uma forma de beneficiar a mesma em prejuízo dos seus irmãos, algo que nunca foi a intenção da Recorrente nem do seu falecido marido, e a sócia A. P., bem o sabe como sempre soube.
IX- Acresce que devido ao esforço e trabalho árduo da Recorrente e do seu falecido marido, a Sociedade Recorrida tornou-se uma sociedade de sucesso e o seu valor real e de mercado aumentou substancialmente, tendo no ano . 2019 facturado 747.872,15 euros, acrescido de IVA à taxa legal, e no ano de 2020 facturou 759.222,02 euros, acrescido de IVA à taxa legal, pelo que à data do óbito do sócio de cuiús a sociedade Recorrida possuía um valor de mercado nunca inferior a 1.000.000,00 euros, ou seja um valor muito superior ao valor do seu capital social de 40.000,00 euros.
X-Com isto, ainda que se entendesse que a quota do sócio de cuiús fosse uma quota unitária e como tal distinta da quota detida pela Recorrente, o que não se admite de todo, o seu valor real não corresponderia NUNCA ao seu valor nominal de 12000€, mas a pelo menos o valor de 300.000,00 euros (30%x 1.000.000,00 euros).
XI- Infelizmente com o crescimento da sociedade Recorrida cresceu também a avidez e a avareza da sócia A. P. que, contrariamente àquela que bem sabia ser a vontade do seu falecido pai, viu no falecimento deste a oportunidade de, em claro prejuízo da sua mãe e restantes herdeiros, obter a maioria da representação da sociedade comercial Recorrida, através da amortização da referida quota pelo seu valor nominal.
XII- A manter-se inalterada a decisão recorrida...
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