Acórdão nº 1293/20.2T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelELISABETE ALVES
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório A. M., casado, natural da freguesia de ..., concelho de Valpaços, residente em Rue …, Suíça, instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BANCO …, S.A., Banco ..., NIPC ………, com sede na Praça … Porto, pedindo a condenação do Réu, Banco ..., a:

  1. Repor na identificada conta com o n.º ..........13 o valor de 100.000,00€, acrescidos dos juros remuneratórios correspondentes às taxas sucessivamente constantes do preçário do banco desde aquela data até efetivo e integral pagamento; b) Pagar juros moratórios à taxa legal respetiva desde a citação até efetivo e integral pagamento.

    Alega, para o efeito, em súmula, que em conjunto com o seu pai O. S., celebrou com o réu, um contrato de abertura de conta coletiva conjunta, associado à conta que identifica, tendo ficado convencionado que qualquer movimento nessa conta obriga às assinaturas dos dois titulares da conta, mas, apesar disso, o réu permitiu uma operação de liquidação na conta, de 98 500,00 euros, operação realizada apenas com o consentimento e autorização do pai do autor, e sem consentimento e autorização do autor.

    Conclui que o réu violou as condições gerais do contrato, pelo que deve ser condenado a repor o valor em causa.

    *Regularmente citado, o Banco ..., S.A. contestou a ação, confirmando a abertura da conta, a respetiva natureza de conta coletiva conjunta e os titulares, como confirmou também que recebeu do cotitular O. S., instruções para constituir em seu nome um Seguro …, tendo debitado a dita conta pelo montante referido pelo autor.

    Admitiu igualmente que a ordem de débito foi transmitida ao Banco apenas por um dos titulares, sem estar assinada pelo autor.

    Invocou, contudo, que o autor e seu pai são os únicos herdeiros de C. S., mãe do autor e esposa do O. S., que tinha sido casada com este no regime da comunhão de adquiridos, sendo que o valor depositado na conta em causa era bem comum do casal, não estando tais bens ainda partilhados, pelo que sempre metade do valor pertencia ao pai do autor, a título de meação, e, ainda, metade da outra metade correspondente à herança.

    Requer, ainda, a intervenção acessória provocada de O. S., como seu auxiliar na defesa.

    *Foi admitida a intervenção acessória de O. S., o qual, após ter sido citado, se limitou a juntar procuração a advogado e comunicou que o dinheiro em causa se mostra relacionado no processo de inventário que corre termos por óbito de sua esposa.

    *Em sede de despacho saneador e entendendo-se que o processo fornecia, naquele momento, todos os elementos necessários, de facto e de direito, foi proferida decisão sobre o mérito da causa, que, julgando procedente a acção, decidiu: «

  2. Condeno o Réu, Banco ..., a repor na identificada conta com o n.º ..........13, o valor de 100 000,00 € (cem mil euros), acrescido dos juros remuneratórios correspondentes às taxas sucessivamente constantes do preçário do banco desde aquela data até efetivo e integral pagamento; bem como a pagar juros moratórios à taxa legal respetiva desde a citação até efetivo e integral pagamento.

  3. Custas a cargo do réu. (…) » *Inconformado com esta decisão, veio o réu «Banco ..., SA» interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que se passam a reproduzir: «1ª O presente recurso tem por objecto demonstrar a existência dos vícios que inquinam a decisão recorrida, obtendo-se a sua revogação e substituição por acórdão que, por inexistência de dano associado causalmente à conduta do Banco, julgue a acção improcedente e não provada ou, em última análise e subsidiariamente, ordene a baixa dos autos à Instância para efeito de ser efectuado julgamento que conheça de matéria de facto alegada pelo Recorrente na sua defesa; 2ª Tendo a sentença recorrida dado como provados os factos constantes das alíneas a) a d) do Ponto nº 2, retro, desta alegação, estes factos, desvalorizados no seu significado jurídico por aquela decisão, deviam, em correcta aplicação do direito, ter levado à improcedência da acção por relevarem do fundo da causa ao contrário do julgamento erradamente feito; É que, 3ª De uma afirmada irregularidade formal do movimento a débito levado a cabo pelo pai do Autor numa conta que tinha a natureza de conjunta, não se pode sem mais concluir pela verificação da responsabilidade civil se aquele movimento, à luz do direito de propriedade do dinheiro depositado, não causou ao Recorrido nenhum prejuízo; De facto, 4ª Sabendo-se que sem dano não há responsabilidade civil, é seguro afirmar que, no caso dos autos, não houve dano consequente à conduta do Banco porque, estando dado por provado que o dinheiro era bem comum do casal do pai do autor e de sua mulher e, pertencendo à herança aberta por óbito desta, está ele corporizado num PPR subscrito por quem tinha poderes como cabeça de casal para o fazer, achando-se até relacionado no respectivo inventário que viúvo e filho do casal têm pendente; 5ª Fixando contra o Banco a obrigação de, à sua custa, restituir à conta um dinheiro que não foi retirado do Banco, nem foi retirado da titularidade de quem tem sobre ele poderes de administração, a sentença recorrida violou, por aplicação indevida, o disposto nos artºs 798º e 483º, último trecho, ambos do Código Civil. Subsidiariamente, 6ª Se na reflexão deste recurso se chegar à conclusão de que não está feita prova sobre a propriedade do dinheiro depositado e sobre a sua relacionação no inventário a que se procede por óbito da mãe do autor, então tem de entender-se também que o Tribunal a quo não podia sentir-se livre para julgar a causa no saneador por a mesma estar dependente da prova sobre a propriedade do dinheiro depositado e transferido por vontade do pai do autor, como cabeça de casal, para a constituição de um PPR; 7ª A vingar tal entendimento, há que concluir que a sentença recorrida tem então de ser revogada, ordenando-se a baixa dos autos à Instância para que, prosseguindo a causa para julgamento, se produza prova sobre os factos alegados pelo Banco nos artºs 6, 10, 11, 17, 18, 19 e 20 da contestação (constituição do PPR, finalidade que presidiu à nova aplicação e propriedade do dinheiro sobre que versou o movimento a débito).

    TERMOS EM QUE, no provimento do presente recurso, deve ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por acórdão que, julgando a acção não provada e improcedente, absolva o Banco ..., do pedido, com todas as legais consequências.

    Subsidiariamente, deve revogar-se a sentença recorrida e ordenar-se a baixa dos autos à Instância para ser realizado julgamento com o objecto constante das Conclusões 6ª e 7ª.

    *Foram apresentadas contra-alegações pelo autor, que pugnando pela improcedência do recurso, assim conclui: «1ª A decisão da matéria de facto constante da Douta Sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não se detectando qualquer insuficiência na matéria de facto ou erro de julgamento ; 2ª A Douta Sentença recorrida reconheceu e qualificou correctamente a relação jurídica como contrato de depósito bancário, aplicando correctamente o respectivo regime legal 3ª A Douta Sentença recorrida procedeu à adequada subsunção dos factos aplicando devidamente o regime da responsabilidade contratual.

    1. Mostram-se destituídas de fundamento as conclusões vertidas pela apelante quer em via principal quer por via subsidiária.

    2. A Douta Sentença recorrida não é merecedora de qualquer censura.»*O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito devolutivo.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.

    os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).

    Face às conclusões da motivação do recurso, as questões a decidir, centram-se no seguinte: - saber se os autos reuniam já, na fase do seu saneamento, os elementos de facto indispensáveis à prolação de decisão; - em caso afirmativo, saber se se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, a ocorrência de dano.

    *III. Fundamentação de facto.

    Na decisão proferida, foram elencados os seguintes factos como provados: 1º No dia - de abril de 2016, o Autor, em conjunto com o seu pai O. S., portador do cartão de cidadão n.º ……, NIF n.º ………, residente na Rua ..., celebrou com o Réu, um contrato de abertura de conta coletiva conjunta.

    1. À abertura do contrato foi associada a conta com o número ..........13, e à conta coletiva conjunta está associado o IBAN PT50 …………… 5.

    2. No contrato de abertura de conta conjunta ficou convencionado pelas partes que qualquer movimentação na conta coletiva conjunta obriga a duas assinaturas, nomeadamente, à assinatura dos dois titulares da conta, o Autor e o seu pai O. S..

    3. A abertura de conta conjunta ocorreu junto da Sucursal do Réu, sita na Praça … Chaves.

    4. No dia 24.04.2016 foi efetuado pelo Autor e o seu pai O. S., um depósito a prazo no valor de 100.000,00€ (cem mil euros).

    5. O Autor tomou conhecimento que ocorreu uma operação de liquidação na...

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