Acórdão nº 3870/20.2T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BARROSO CABANELAS
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: I – Relatório: Banco …, S.A., pessoa coletiva n.º ………, com sede na Quinta …, Edifício …, instaurou a presente ação de impugnação pauliana, sob a forma comum, com pedido de citação urgente, contra D. R., divorciada, contribuinte fiscal n.º ………, titular do CC n.º ……., residente na Rua …, Braga, M. O., casado, contribuinte fiscal n.º ………, titular do CC n.º …….., residente na Rua …, em …, Braga, B. M., solteiro, maior, contribuinte fiscal n.º ………, titular do CC n.º ………, residente na Rua …, em ..., Braga, e L. C., casada, contribuinte fiscal n.º ………, titular do CC n.º ……, residente na Rua …, em …, Braga, peticionando se declare ineficaz em relação ao autor a doação feita pelos 1ª e 2º réus ao 3º e 4ª réus, bem como o direito de usufruto e, bem assim, declarar-se o direito do autor praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizado por lei e de executar o bem imóvel no património do 3º e 4ª réus no que for necessário para satisfazer o seu crédito. Mais requereu a citação urgente dos réus.

Alega, em suma, que é titular de crédito sobre os 1ª ré desde 13/03/2009, sendo que o aludido crédito, na sequência de contrato de datio pro solvendo, foi o veículo a cuja compra se destinou o mútuo na origem do seu crédito vendido, possibilitando abater à dívida a quantia de € 6.415,50, pelo que permaneceu em dívida o valor de € 2.400,44, que a 1ª ré deveria liquidar em 67 prestações, mensais, sucessivas e iguais de € 52,53, sendo que aquela não pagou a prestação vencida em 05/11/2014 nem as subsequentes, razão pela qual o contrato foi resolvido em 26/05/2015, posto o que deu entrada requerimento de injunção contra a primeira ré, que apresentou oposição, vindo, contudo, a confessar a dívida na audiência de discussão e julgamento, pelo que foi proferida sentença que a condenou a pagar ao autor a quantia de € 3.567,97, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Como a ré não pagasse a quantia a que alude a sentença condenatória ali proferida, o autor instaurou ação executiva, que corre termos sob o n.º 2968/17.9T8VNF, no âmbito da qual nada foi recuperado, estando em dívida, por referência a 25/08/2020, a quantia de € 6.870,63.

A verdade, porém, é que em 04/09/2015 a 1ª e 2º réus doaram aos filhos 3º e 4ª réus, por conta da quota disponível, o prédio urbano onde reside a autora, que avaliaram em 93.420,00, reservando para si o usufruto vitalício sobre o referido prédio, estando a doação e o usufruto devidamente registados.

Embora a primeira ré tenha sido notificada para o requerimento de injunção antes ainda da outorga da escritura de doação, a verdade é que o crédito do autor remonta a 13/03/2009, sendo, consequentemente, muito anterior ao ato de disposição patrimonial impugnado que, por ser gratuito, prescinde do dolo.

Mas, alega, ainda que assim não fosse a verdade é que a doação não teve outro fito que não o de impedir a satisfação dos créditos que os credores, de entre os quais o autor, detinham ou detêm sobre a 1ª ré.

Não houve qualquer intuito de doar o prédio por parte dos 1ª e 2 º réus, nem vontade de o adquirir por parte do 3º e 4ª réus, filhos dos primeiros, o que é tão mais claro se pensarmos que à data da outorga da escritura já a 1ª ré fora notificada para o procedimento de injunção, sabendo igualmente que não tinha outro património que não o imóvel doado.

Conclui que houve efetivamente conluio entre os outorgantes, salientando, até que o divórcio entre 1ª e 2º réus é de 26/05/2004 e que o 2º réu casou em 04/05/2009, pelo que nenhum outro sentido pode atribuir-se à doação com a dilação temporal em que ocorreu.

O imóvel doado, que constituía o único património da 1ª ré e que na doação foi avaliado em € 93.420,00, tem o valor patrimonial tributário de € 94.821,30, estando registadas duas hipotecas a favor da Caixa…, uma com o valor máximo assegurados de PTE.: 12.982.500$00 e outra com o valor de € 36.046,08, pelo que o bem – e assumindo-se que os créditos garantidos vêm sendo pagos – seria suficiente para satisfazer o crédito do autor.

Peticiona por isso a procedência da presente ação.

Devidamente notificados, vieram os quatro réus apresentar contestação conjunta, no âmbito da qual invocam, desde logo, a exceção de caducidade do direito de instaurar a presente ação e, por outro lado, note-se, que sem questionar a existência dos créditos que o autor alega deter contra a 1ª ré, excecionam afirmando que o crédito anterior se extinguiu aquando da datio pro solvendo e que o crédito que subsiste só foi confessado em 03/01/2017, pelo que só nessa data terá emergido.

No mais refutam, veementemente, que tenham agido com dolo, afirmando que a outorga da escritura de doação não é mais do que o concretizar de um contrato promessa de partilha, promessa muito anterior à data em que a 1ª ré se constituiu devedora perante o autor.

Concluem, pois, pela insubsistência dos pressupostos de que dependeria a procedência da pretensão da autora mesmo que não estivesse, como entendem estar, caduco o seu direito.

Em resposta, veio o autor pugnar pela improcedência da exceção de caducidade.

Foi prolatado saneador-sentença com o seguinte dispositivo: Pelo exposto acima, julgo a presente ação de impugnação pauliana procedente, por provada, e, em consequência, declaro ineficaz em relação ao autor a doação efetuada por D. R. e M. O. a B. M. e L. C., bem como o direito de usufruto, mais declarando assistir ao autor o direito de praticar os atos de conservação da garantia patrimonial legalmente admissíveis e de executar o Prédio Urbano sito na Rua …, n.º(s) .. e .., na freguesia de ..., no concelho de Braga, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana com o art. … da freguesia de ... e ..., no património de B. M. e L. C., no que for necessário para satisfazer o seu crédito.

Custas a cargo dos réus (art.º 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Valor da ação: € 6.870,63 (artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 1, 304.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Registe e notifique.

Inconformados com a decisão, os réus recorreram, formulando as seguintes conclusões: Em síntese e na substância o presente Recurso tem como finalidade obter a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por douto acórdão que julgue totalmente improcedente a ação de impugnação pauliana impetrada pelo Autor.

É, que, no rigor fáctico e jurídico a Meritíssima Juiz do Tribunal a Quo jamais poderia julgar totalmente procedente a ação de impugnação pauliana impetrada pelo Autor.

Senão vejamos: A ação de impugnação pauliana sub judice, padece de vícios que, ab initio, determinam, sem mais, a total improcedência da mesma.

Da caducidade do direito de ação de impugnação pauliana.

Dispõe o artº 618º do Cód. Civil que: «O direito de impugnação pauliana caduca ao fim de cinco (5) anos, contados do ato impugnável».

O caso em apreço assenta que nem uma luva no espírito e na letra do preceito legal supratranscrito.

Objetivamente, o ato impugnado – doação – foi celebrado em 04/setembro/2015.

Nesta conformidade e à luz daquele preceito legal, o direito de impugnação pauliana caducou no dia 03 de setembro de 2020.

Sucede que, a Ré L. C., apenas foi citada relativamente à ação de impugnação pauliana no dia 11 de setembro de 2020.

Face ao exposto e atento o previsto no artº 618º do Cód. Civil, dúvidas não há nem pode haver que o direito de impugnação pauliana caducou, dado que a Ré foi citada para a respetiva ação decorridos mais de cinco (5) anos após de ter sido celebrado o ato impugnável – doação –.

Da ausência dos pressupostos legalmente exigidos para que opere o mecanismo jurídico da impugnação pauliana.

Pressupostos da impugnação pauliana:

  1. Existência de um crédito.

  2. Anterioridade do crédito relativamente ao ato impugnado.

  3. Se o crédito for posterior, tendo sido o ato dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor.

Regressando ao caso em apreço, resulta claro que o crédito no qual o Autor se respalda para justificar a impugnação pauliana, pura e simplesmente, não existe.

De facto, resulta dos próprios autos que os contratos de crédito celebrados entre a 1ª Ré e o Autor no passado dia 13/03/2009 e 13/09/2019, foram resolvidos e extintas as respetivas dívidas.

Todavia, o Autor, bem sabendo que...

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