Acórdão nº 2308/21.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I. RELATÓRIO.

P. J.

, residente na Praceta …, freguesia de …, Vizela, instaurou a presente ação de insolvência, requerendo que fosse declarado insolvente e que fosse exonerado do passivo restante.

Para tanto alega, em síntese, ter nascido em 08/11/1982; que quando tinha 20 anos de idade, o seu pai faleceu, num acidente por electrocução, o que lhe causou um profundo trauma e alterações comportamentais que afetaram o seu estado psicológico, começando a apresentar sintomatologia psicótica; Em 08/09/2012, sofreu um acidente de viação, do qual resultou um ferido grave e danos materiais; Por sentença proferida em 14/12/2016, no Proc. n.º 1825/12.0TAGMR, do Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 3, transitada em julgado, foi condenado pela prática de um crime de homicídio negligente, um crime de ofensa à integridade física por negligência e por um crime de condução perigosa de veículo rodoviário; Nesse processo, a Companhia X Seguros, S.A., foi condenada a pagar aos diversos lesados e à interveniente Y – Companhia de Seguros, S.A., diversas quantias a título indemnizatório, num total de 388.796,72 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal; Em 27/11/2020, a X Seguros instaurou contra o requerente, ação de processo comum, com vista a exercer o seu direito de regresso, em que foi proferida sentença, transitada em julgado, condenando o requerente a pagar à X a quantia de 401.202,69 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação; Acontece que, entre 2013 e 2017, o requerente tem estado em situação de desemprego, com exceção de um ou outro período de tempo; No início de 2008, em virtude de doença do foro psiquiátrico que o afetou e se agravou, o requerente foi sujeito à medida de tratamento compulsivo, em regime ambulatório, com sucessivas reavaliações; O requerente vive com a mãe e a cargo desta, que é reformada e que recebe uma pensão mensal global de 697,58 euros; Está desempregado, não tem quaisquer rendimentos, nem é proprietário de quaisquer bens móveis ou imóveis, encontrando-se numa situação de insolvência, não dispondo de meios para pagar à X o montante em que foi condenado.

Por sentença proferida em 14/05/2021, entretanto transitada em julgado, declarou-se a insolvência do requerente, P. J.

e, além do mais, nomeou-se administrador de insolvência e dispensou-se a realização da assembleia de credores a que alude o art. 156º do CIRE.

O administrador de insolvência apresentou o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, em que se lê que: “O ora insolvente apresenta problemas económicos e financeiros que inviabiliza o pagamento das suas obrigações assumidas com os credores, não auferindo, na atualidade, quaisquer rendimentos, pelo que, em bom rigor e honrando a verdade, é economicamente dependente de terceiros (progenitora/mãe)”.

Propõe o encerramento do processo, uma vez que, “não foi apurado a existência de quaisquer bens, direitos e/ou valores suscetíveis de serem apreendidos”.

Quanto ao pedido de exoneração do passivo restante, declara nada ter a opor à concessão desse benefício.

Notificada desse relatório, a X Seguros, S.A., veio pronunciar-se quanto ao pedido de exoneração do passivo restante, opondo-se ao deferimento desse benefício, alegando que reclamou o seu crédito sobre o insolvente e que este foi reconhecido pelo AI, tratando-se, aliás, do único crédito reclamado e reconhecido; Trata-se de um crédito indemnizatório por facto ilícito e culposo praticado pelo devedor/insolvente, não estando abrangido pela exoneração do passivo restante, nos termos da al. b), do n.º 2 do art. 245º do CIRE, e que tem por base uma indemnização, que este foi condenado a pagar-lhe, no âmbito de uma ação declarativa, mediante a qual exerceu o seu direito de regresso.

Conclui pedindo que se declare a inutilidade do incidente de exoneração do passivo restante e, subsidiariamente, a entender-se que esse benefício deve ser concedido ao devedor/insolvente, que se consigne que a exoneração liminarmente admitida não deverá abranger o crédito reclamado pela ora credora.

O devedor/insolvente, P. J., respondeu à oposição deduzida pela X Seguros, S.A., concluindo pela improcedência dessa oposição, alegando que, no âmbito do processo penal acima identificado, foi absolvido do crime de condução em estado de embriaguez pelo qual vinha acusado e, bem assim, que todos os ilícitos penais pelos quais foi condenado no âmbito desse processo, foram por factos por ele praticados a título de negligência; Acresce que a facticidade julgada provada nos pontos 1º a 35º da sentença proferida no âmbito da ação intentada pela X contra si, exercendo o direito de regresso, não permite àquela “fazer as afirmações e retirar as conclusões por si pretendidas no requerimento a que agora se responde, nomeadamente, que o crédito que reclama nos presentes autos provêm de “facto ilícito culposo”, uma vez que, nessa ação, a X “teve em vista exercer o seu direito de regresso contra o insolvente, sem ter por base qualquer facto ilícito doloso”; Mais advoga que a previsão da al. b), do n.º 2 do art. 245º do CIRE, nunca poderá ser interpretada no sentido de abranger as relações contratuais entre o insolvente e o credor/requerente.

Por decisão proferida em 06/09/2021, determinou-se o encerramento do processo de insolvência e declarou-se o caráter fortuito da insolvência.

Junto aos autos o certificado do registo criminal atualizado do devedor/insolvente, em 29/10/2021, conheceu-se da pretensão deduzida pela X Seguros, S.A., nos termos que se seguem (em sede de subsunção jurídica da facticidade apurada).

“A dúvida que se coloca é a de saber, tal como defende a única credora do Insolvente, se o único crédito reclamado e reconhecido não se encontra abrangido pela exoneração do passivo restante.

Invoca a Credora Oponente que a sentença proferida no âmbito do processo 5976/20.9T8GMR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 4, considerou que assistia à seguradora o direito de regresso, ao abrigo da alínea c), n.º 1, do artigo 27º do DL 291/2007, de 21 de agosto, conforme certidão de sentença já transitada em julgado, junta com a reclamação de créditos. A conduta do devedor, constitui um facto ilícito doloso, pois conduzia o veículo sob influência de álcool, o que não podia desconhecer e mesmo assim quis conduzi-lo com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, atuação que foi causal do acidente, assim o provocando dolosamente, pelo que o seu crédito não se encontra abrangido pela exoneração do passivo restante, por o crédito desta resultar de uma indemnização devida por factos ilícitos dolosos praticadas pelo devedor, neste caso, pelo Insolvente. Com efeito, o ora Insolvente no dia do acidente e antes da sua ocorrência, voluntariamente e propositadamente ingeriu bebidas alcoólicas, bem sabendo que iria conduzir, mas mesmo assim, decidiu de forma livre e voluntária ingerir bebidas alcoólicas, bem sabendo que lhe era vedado por lei conduzir sob o feito do álcool, pelo que, este consumo de álcool de forma voluntária consubstancia um facto ilícito doloso praticado pelo Insolvente. Invoca ainda a Credora que, na sua Reclamação de Créditos, reclamou o seu crédito na qualidade de indemnização por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, assim, o crédito não se extingue com a concessão da exoneração do passivo restante, além do mais, o único crédito reclamado e reconhecido nos presentes autos é o seu crédito decorrente de indeminização pela prática de facto ilícito e doloso praticado pelo devedor, pelo que inexistindo outros créditos, atento o disposto no artigo 245º, n.º 2 alínea b) do CIRE, deverá o tribunal, salvo melhor opinião em contrário, declarar a inutilidade do incidente de exoneração do passivo restante e, caso assim não se entenda, a entender-se que deva ser concedida ao Insolvente a exoneração do passivo restante, a exoneração liminarmente admitida não deverá abranger o crédito reclamado pela ora Credora.

Em resposta a tal posição, invoca o Insolvente que no seguimento do que já referiu no requerimento apresentado no dia 11.05.2021, remetendo para a douta sentença junta ao requerimento inicial sob o documento número quatro e que foi proferida no âmbito do processo n.º 1825/12.0TAGMR, que correu termos no Juízo Local Criminal de Guimarães, verifica-se que que no seu dispositivo, a páginas 90 e seguintes, que a mesma julgou a “(…) acusação pública parcialmente procedente por provada e, consequentemente (…)” decidiu, na sua alínea a) “Absolver o arguido P. J. da prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n 1, do Código Penal”, sendo que todos os demais factos ilícitos pelos quais a douta sentença decidiu condenar o aqui insolvente e constam das alíneas b), c), d) e f) reportam-se, todos eles, a factos praticados a título de negligência. Além disso, com todo o respeito, a factualidade dada como provada nos pontos 1 a 35 da douta sentença proferida no âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 4, sob o processo n.º 5976/20.9T8GMR – junta ao requerimento inicial de insolvência sob o documento número cinco – não permite ao credor reclamante X SEGUROS, S.A., fazer as afirmações e retirar as conclusões por si pretendidas no requerimento a que agora se responde, nomeadamente, que o crédito que reclama nos presentes autos provém de “facto ilícito doloso”. De facto, na ação de processo comum o credor X SEGUROS, S.A. teve em vista a exercer o seu direito de regresso contra o insolvente, sem ter por base qualquer facto ilícito doloso que, insiste-se, não resulta de qualquer das doutas sentenças atrás referidas. Sem prescindir, por mera cautela, sempre se dirá que nunca a previsão do disposto na al.ª b), do n.º 2, do art.º 245.º, do CIRE...

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