Acórdão nº 3379/20.4T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | RAQUEL BAPTISTA TAVARES |
Data da Resolução | 24 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório X – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A.
, com sede na Avenida …, n.º …, em Lisboa, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra J. L.
, residente na Rua …, Lote …, …, em Braga.
Alega, em síntese, que celebrou com o Réu, em 01/02/1993, contrato de atribuição de cartão de crédito, através do qual este passou a ser titular de cartão de crédito, sendo que o último emitido tinha o número ....................82 e que através do cartão de crédito foi concedido ao Réu, além do mais acesso a produto denominado “Crédito Pessoal”, pelo qual foi creditada, em 16/10/2017, na conta por si indicada a quantia de €6.000,00, que haveria de reembolsar mensalmente, através das prestações acordadas.
Alega ainda que, nos termos acordados, caso o cartão fosse cancelado por facto imputável ao Réu, seria debitada a totalidade do montante de crédito pessoal não reembolsado e que acresceria ao valor de capital em dívida e que o montante indicado como estando em dívida no extrato deveria ser pago no prazo de 20 dias a contar da sua emissão e, caso não fosse integralmente pago, sobre o remanescente, deduzida de juros e respetivos impostos, incidiriam juros pelo período mensal decorrido entre a data da emissão do extrato e a data da emissão do extrato seguinte; sendo que a taxa de juro, de 29,196% foi devidamente acordada e, sempre que sofreu alterações, as mesmas foram comunicadas ao Réu.
Mais alega que o Réu deixou de efetuar os pagamentos da conta-cartão, nos termos contratados, a partir de junho de 2019, com o consequente computo de juros moratórios, à taxa convencionada, e que não procedeu à regularização da divida apesar de interpelado para o efeito, não efetuando qualquer pagamento desde 23/12/2019, pelo que ascende a €26.869,16, sendo €21.390,81 a título de capital e €5.478,35 de juros de mora à taxa convencionada de 29,196%, vencidos até 14/07/2020 (data da propositura da presente ação).
Pede a Autora a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia global de €26.869,16, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde 14/07/2020 e até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa convencionada de 29,196% ao ano sobre o capital de €21.390,81.
Regularmente citado, veio o Réu contestar, alegando, em síntese, que ao longo de 25 anos cumpriu escrupulosamente o contrato celebrado com a Autora, mas em 28/02/2019 sofreu um AVC que o deixou incapacitado para o trabalho, e que, por ter tido um diferendo com a Segurança Social, deixou de receber qualquer apoio deste organismo desde junho de 2019, como fez saber à Autora em 20/10/2019.
Mais alega que já antes e por inúmeras vezes, procurou solucionar a situação, tendo entregue €800,00 (que obteve junto de familiares) no âmbito dessas conversações, ao que se seguiu um outro pagamento de €1.000,00 no dia 23/12/2019.
Alega ainda que o incumprimento se deve a acontecimentos que não tinha como controlar e não desejou de todo e questiona, além do mais, o valor da taxa de juros aplicada, que reputa de abusiva, o que determinará a nulidade das cláusulas em que a mesma está prevista.
Concluiu pugnando pela improcedência do pedido e, caso assim não se entenda, pela declaração de nulidade das cláusulas contratuais que preveem a taxa de juro, por si reputada de abusiva.
Foi realizada tentativa de conciliação, que se frustrou, foi proferido despacho saneador e Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Nestes termos, e face ao exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, condena-se o réu J. L., no pagamento do capital de € 21.390,81, acrescido dos juros de mora calculados sobre tal capital e em respeito com as Instruções do Banco de Portugal e o DL 133/2009, de 02/06, acrescidos da sobretaxa de 3%, desde 18/05/2018 até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais contra si peticionado pela autora.
Custas pela autora e réu na proporção do decaimento, que fixo em 20% para a autora e 80% para o réu (cfr. artigo 527º do CPC).
Registe e notifique”.
O Réu veio requerer a retificação da sentença nos termos do artigo 614º do Código de Processo Civil invocando a existência de lapso na data, devendo da mesma passar a constar como “desde 18/05/2020”.
Pelo tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho: “Sob a ref.ª 40170862 veio o réu requerer a retificação do dispositivo da sentença no que tange à data a partir da qual devem ser contabilizados os juros de mora, afirmando que deverá ser tomada em consideração a data de 18/05/2020 e não 18/05/2018.
A autora nada veio dizer. Cumpre decidir.
Estatui o artigo 249º do Código Civil que “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.” No que concerne à sentença, dispõe o artigo 614º do CPC que “1- Se a sentença (…) contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, poder ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.(…). 3- Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.” Ora, compulsada a factualidade dada por assente sob o ponto 33) dos factos provados, e o antepenúltimo parágrafo da penúltima folha da sentença facilmente se constata existir, efetivamente, lapso de escrita, pois que da conjugação de ambos consta a fixação do capital em dívida em 18/05/2020, pelo que só a partir de tal data podem ser contabilizados os juros de mora.
Como tal, defere-se a requerida retificação e, onde se lê, no último parágrafo da penúltima página e no dispositivo, “desde 18/05/2018”, deve passar a ler-se “desde 18/05/2020”, devendo a retificação ser inserida no local próprio e com expressa alusão ao presente despacho.
Sem custas. Notifique”.
Inconformada, apelou a Autora da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. O presente recurso incide sobre a douta sentença de fls. que julgou a presente ação parcialmente procedente, e para além da condenação do Apelado no pagamento do capital de € 21.390,81, o absolveu dos juros peticionados pela Apelante, condenando-o apenas no pagamento de juros de mora calculados sobre tal capital e em respeito com as Instruções do Banco de Portugal e o DL 133/2009, de 02/06, acrescidos da sobretaxa de 3%, desde 18/05/2020 até efetivo e integral pagamento e absolvendo do demais peticionado.
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Cuidar-se-á de demonstrar que, os factos alegados e a prova produzida, seja por confissão e testemunhal, seja por documentos, não resulta aquilo que pelo Tribunal a quo veio a ser entendido, pelo que não só houve erro de julgamento, na apreciação da prova, como não é feita a melhor aplicação do Direito aos factos dos autos.
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O presente recurso visa por isso a alteração dos factos provados pelo Tribunal a quo, impugnando assim a decisão proferida quanto à matéria de facto e de direito.
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Conforme decorre da douta sentença, é facto provado, entre outros, que: 2) No exercício da sua atividade, a pedido e no interesse do réu, a autora emitiu e entregou a este, em 01.02.1993, o cartão de crédito Y n.º .............70, tendo tal cartão sido posteriormente substituído por outros, o último dos quais com o n.º ....................82. (cfr. documentos de fls. 8 a 18) 4) O réu aceitou as “condições de utilização” do referido cartão, alteradas durante a vigência do contrato. (cfr. documentos de fls. 8-18) 5) Nos termos do referido contrato, impendia sobre a autora a obrigação de proceder ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pelo réu a terceiros, os quais seriam, como foram, posteriormente debitados no extrato de conta do réu para que este procedesse ao respetivo pagamento. (cfr. documentos de fls. 8-18) 6) A autora obrigou-se ainda a disponibilizar mensalmente ao Réu um extrato da sua conta- cartão, contendo: i) as referências e os valores das transações efetuadas como cartão de crédito, pagas pela Autora em nome do Réu ii) as prestações e os encargos e seguros referentes aos produtos financeiros associados, designadamente “Créditos Pessoais”, quando aplicáveis; iii) os valores que pelo Réu seriam devidos à Autora pela prestação de serviços; iv) os valores respeitantes a correções ou movimentos de estorno quando devidos; v) os valores respeitantes a anuidades, juros, impostos e encargos devidos a serviços solicitados pelo Réu à Autora, quando aplicáveis; vi) os pagamentos efetuados pelo Réu à Autora. (cfr. documentos de fls. 8-18) 7) O montante total em divida indicado num dado extrato deveria ser pago pelo réu, no prazo de 20 dias após a data da sua emissão. Caso o réu não procedesse ao pagamento pela totalidade, sobre a parte remanescente, deduzida de eventuais juros e respetivos impostos, incidiriam juros pelo período mensal decorrido desde a data de emissão daquele extrato até à data de emissão do extrato seguinte, os quais, 8) Seriam remunerados a uma taxa de juro mensal, que poderia ser revista pela autora, sendo tais alterações comunicadas ao Réu por duas formas - através de mensagem inscrita no extrato de conta e/ou através das Condições Gerais, Direitos e Deveres do Titular do contrato de cartão de crédito, que lhe eram remetidas sempre que era (re)emitido novo cartão e sempre que tais condições sofriam alterações -cifrando-se tal taxa atualmente em 29,196%. (cfr. documentos de fls. 8-18 e de fls. 20-55) 9) O réu comprometeu-se a proceder ao pagamento integral do referido saldo nos vinte dias posteriores à emissão daquele extrato. Em alternativa, 10) O réu poderia optar pelo pagamento fracionado, no valor mínimo de 3% do valor total em dívida até à data limite de pagamento indicada no extrato de conta. (cfr. documentos de fls. 8-18) 11) A emissão e titularidade do cartão de crédito permitiu igualmente que o réu acedesse a...
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