Acórdão nº 4871/21.9T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO.

Nos presentes autos de inquérito judicial à sociedade é requerente M. S. e requeridos X, Lda, J. C. e L. S.

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Alega a primeira que foi casada com o 3º requerido, casamento ocorrido em 8/8/95 e sob o regime de bens de comunhão de adquiridos, do qual se divorciou por mútuo consentimento em 5/1/2007. São sócios da 1ª requerida os 2º e 3º. A quota do 3º requerido na sociedade, adquirida em 11/8/98, é um bem comum. A requerente pediu e foi deferido o arrolamento da quota correspondente a 50% do valor do capital social. Aguarda a sua partilha em sede de inventário, onde foi considerada bem comum. A requerente tem vindo a solicitar informações sobre a vida da sociedade as quais lhe são negadas. Concretiza o que tem pedido, as interpelações feitas, e o que pretende. Termina pedindo que seja julgado procedente o presente pedido de Inquérito Judicial à X, LDA., devendo prosseguir os autos os demais termos com vista à apresentação de todas as informações, dados e documentos discriminados ao longo do seu articulado, mormente, de todos os elementos contabilísticos e documentos que servem de base à contabilidade, de forma autêntica e completa, desde a constituição da sociedade até à presente data.

Juntou documentos.

Os requeridos não apresentaram contestação.

Notificada a requerente para se pronunciar quanto à sua ilegitimidade ativa, veio pugnar pela legitimidade.

*De seguida, pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão que se destaca a negrito: “(…) Dispõe o artigo 216º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais que o sócio a quem tenha sido recusada a informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.

Ora, a sociedade comercial em questão é uma sociedade por quotas, tendo os seus sócios que constar da respetiva certidão comercial. Compulsada a mesma, a fls 16 e ss, resulta serem sócios L. S. e J. C..

Assim, a requerente não é efetivamente sócia da sociedade requerida.

Tem sim, direito à meação da referida quota, tendo mesmo requerido o seu arrolamento. Mas este facto dá-lhe direito a exercer os direitos de sócio? A jurisprudência tem entendido que não.

Veja-se o Acórdão do STJ de 28-11-2000 in BMJ, 501º-300: “(..) V-Por outras palavras, na comunhão matrimonial de bens entra apenas o valor patrimonial da quota, não adquirindo o cônjuge do sócio a qualidade de sócio com todo o correspondente complexo de direitos e deveres pessoais dos sócios. VI- O direito à informação- que pode efectivar-se na prática pela instauração de uma acção especial de inquérito judicial- é um direito extrapatrimonial do sócio e, como tal, não é comunicável ao seu cônjuge. VII- Assim, e atenta a natureza eminentemente pessoal do direito à informação dos sócios de uma sociedade por quotas, não tem legitimidade para intentar uma acção especial de inquérito contra aquela sociedade o cônjuge de um dos sócios, casado em regime de comunhão de adquiridos, acção essa instaurada na pendência de um processo de divórcio pendente à data da sua instauração”.

Veja-se também o Acórdão RP de 13-3-2000 in www.dgsi.pt: “Não tendo a requerente, enquanto cônjuge eventualmente meeira de um sócio ou como fiel depositária da quota social arrolada, a qualidade de sócia nem sendo legalmente titular da relação jurídica por ela configurada na petição inicial, ela carece de legitimidade processual para intentar inquérito judicial”.

E o mais recente Acórdão do TRP de 22-10-2019, in ww.dgsi.pt : “O cônjuge do sócio de uma sociedade não tem o direito a obter informações societárias nem legitimidade para instaurar o correspondente inquérito judicial à sociedade com vista a obter tais informações, mesmo que a participação social do seu cônjuge seja um bem comum do casal por força do regime matrimonial de comunhão de bens. Bem como o Ac do TRP de 25-1-1999 também disponível em www.dgsi.pt.

Desta forma, declaro verificada a exceção dilatória de falta de legitimidade da requerente para pedir o inquérito judicial à sociedade requerida por não ter a qualidade de sócia da sociedade, não podendo exercer os direitos que competem aos sócios, e a consequente absolvição dos requeridos da instância e extinção dos autos nos termos do disposto nos artigos 278º, nº1, al d) e 30º, nº1 a 3 do CPC.

Custas pela requerente- artigo 527º, nº1 do CPC.

Registe e Notifique.

Proceda ao arquivamento dos autos.”*Inconformada, a requerente apresentou recurso, terminando as alegações com as seguintes -CONCLUSÕES-(que se reproduzem) “A - A Recorrente intentou uma ação de inquérito judicial à sociedade cuja causa de pedir culminava na procedência da ação “devendo prosseguir os autos os demais termos com vista à apresentação de todas as informações, dados e documentos discriminados ao longo do presente articulado, mormente, de todos os elementos contabilísticos e documentos que servem de base à contabilidade, de forma autêntica e completa, desde a constituição da sociedade até à presente data, para e com os necessários e advindos efeitos legais”.

B - Neste sentido, a douta sentença, ínsita do Despacho com Ref. 176049441, declarou “verificada a exceção dilatória de falta de legitimidade da requerente para pedir o inquérito judicial à sociedade requerida por não ter a qualidade de sócia da sociedade, não podendo exercer os direitos que competem aos sócios, e a consequente absolvição dos requeridos da instância e extinção dos autos nos termos do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, al.

d) e 30.º, n.º 1 a 3 do CPC”.

C - Assim, surge enquanto questão fundamental do presente recurso a legitimidade da Recorrente, importa recordar a estatuição do art. 8.º, n.º 2 do C.S.C., atinente à Participação dos cônjuges em sociedades, na qual se prevê que “quando uma participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade”.

D - Daí decorre que, não obstante o formalismo legal de se considerar enquanto sócio, para efeitos de relações societárias, o cônjuge que celebra o contrato de sociedade, a participação social pertence à massa de bens comuns do casal, reconhecendo-se, por isso, que “em situações pontuais, a necessidade de tutela dos direitos do ex-cônjuge meeiro, nomeadamente em situações de divórcio do cônjuge sócio”, conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Processo n.º325/18.9T8VNG.P1, de 22.10.2019.

E - Ora, uma vez dissolvido o casamento extingue-se a existência de um património coletivo, passando a existir uma situação idêntica à indivisão, o que torna, in casu, indispensável a tutela dos direitos e interesses da ex-cônjuge, aqui Recorrente, face à prossecução da atividade da dita sociedade, dada a inegável tramitação do processo de inventário e consequente divisão de bens comuns, entende-se que se deve aplicar o regime da contitularidade da quota, nos termos dos arts. 222.º e ss. do C.S.C.

, conforme palavras do Dr. José Miguel Duarte, in Revista Ordem dos Advogados, Ano 65, Vol. II – set. 2005, transcritas no artigo 11.º da allegatio do presente recurso, por forma a salvaguardar a legitimidade excecional da Requerente para o exercício dos seus direitos societários, de modo a tutelar os seus legítimos interesses.

F - Impera salientar que, já tendo sido decretado o divórcio, encontra-se pendente o inventário e partilha, no âmbito do Processo n.º 2306/21.6T8VNF, no Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão, Tribunal Judicial da Comarca de Braga, o qual assume a quota da sociedade como um bem comum a partilhar, Cfr.

DOC.

  1. G - Razão pela qual parece-nos evidente que a Recorrente tem perfeita legitimidade, a qual deve ser reconhecida, e que bem se compreende, pois, a má gestão ou gerência da sociedade pode levar a negócios ruinosos e causar danos muitas vezes irreparáveis na sociedade, podendo levar a que a quota (também) da Recorrente nada valha ou diminua consideravelmente o seu valor, pelo que esta tem de ter legitimidade e interesse em agir.

H - Mas, ainda, no que concerne especificamente ao direito de informação e toda a legitimidade da Recorrente para dar impulso processual à presente demanda, permitimo-nos respeitosamente, mencionar a tese de Mestrado, “Atutela dos direitos do cônjuge meeiro do sócio no contexto de divórcio quanto à participação social nas sociedades por quotas, em especial o direito à informação”, na qualidade de parecer técnico-jurídico, Cfr.

DOC.

2, mormente “consideramos que dada a essencialidade deste direito, o seu exercício pelo cônjuge meeiro do sócio deverá ser sempre admitido, pois, só assim, estamos verdadeiramente a tutelar o seu direito de meação.

Se este cônjuge utilizar informações obtidas de modo a prejudicar a sociedade ou os outros sócios, será responsabilizado, nos termos gerais (art.

214.º, n.º 6 CSC)”.

Pede que o recurso seja julgado procedente e seja considerada como parte legítima, devendo os autos prosseguir os seus termos até final.

*Os requeridos apresentaram contra-alegações que terminam com as seguintes -CONCLUSÕES- (que se reproduzem) “A. A recorrente pretende juntar um despacho, não transitado em julgado, referente ao processo de inventário do casal, onde não consta, propositadamente, qualquer data, uma vez que o mesmo foi proferido antes da propositura da acção, concretamente em 22/06/21, e que nenhuma relevância tem para o que aqui se discute.

  1. Acresce que a recorrente nem sequer alegou no recurso a razão pela qual não o juntou antes ou que importância é que o mesmo tem para o desfecho deste processo.

  2. Além disso pretende juntar também uma dissertação de mestrado e não um parecer.

  3. Logo, a junção deste documento é legalmente inadmissível – art.º 423º, 425º e 651ºCPC.

  4. A recorrente discorda da decisão porque entende que se deve aplicar o regime da contitularidade da quota, citando, para...

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