Acórdão nº 5232/19.5T8VNF-G.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Maio de 2022

Data05 Maio 2022

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.

*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1.

A. C.

(aqui Recorrente), residente na Rua …, concelho de Barcelos, intentou um processo especial de revitalização, onde veio a desistir das negociações nele encetadas, e onde o Administrador Judicial Provisório se pronunciou pela sua insolvência; e, sendo os autos distribuídos como de insolvência, neles tendo o A. C. deduzido oposição, e aí sido realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 19 de Junho de 2002 (já transitada em julgado), declarando a sua insolvência, e fixando em trinta dias o prazo para a reclamação de créditos.

1.1.2.

O Administrador da Insolvência juntou a lista definitiva de créditos, (reconhecidos e não reconhecidos), nos termos do art. 129.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (1), nela reconhecendo a D. A. (que o não reclamara) um crédito global de € 216.000,00 (sendo € 180.000,00 a título de capital, e € 36.000,00 a título de juros), tendo como declarado fundamento «Empréstimos», e qualificando-o como comum.

1.1.3.

O Insolvente (A. C.) veio impugnar a dita lista, nos termos do art. 130.º, do CIRE, pedindo nomeadamente que não se reconhecesse o crédito de D. A..

Alegou para o efeito, em síntese, ser o mesmo inexistente, já que apenas solicitara, em 2004, a D. A. um empréstimo de € 40.000,00.

Mais alegou que, vindo ele próprio a ser posteriormente executado por J. A., Limitada, na acção executiva n.º 1049/12.6TBBCL (que correu termos pelo ora extinto 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, hoje Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, Juiz 1), emitiu D. A. uma declaração de dívida sua, para poder ali reclamar o respectivo crédito, tendo-o porém feito por indevidos € 180.000,00 (e não pelos € 40.000,00 que lhe devia então).

Alegou ainda que o invocado mútuo de € 180.000,00 sempre seria nulo, quer por falta de imperativa forma legal, quer por simulação absoluta.

1.1.4.

R. J.

, residente na Rua …, em …, concelho de Barcelos, e L. R.

, residente na Rua …, concelho de Guimarães - a primeira por si, e ambos na qualidade de herdeiros habilitados de D. A. -, vieram responder à impugnação apresentada pelo Insolvente (A. C.) ao reconhecimento do seu crédito de € 216.000,00.

Alegaram para o efeito, em síntese, ter sido a confissão de dívida de € 180.000,00 assinada pelo ora Insolvente (A. C.) em Dezembro de 2010, por ser essa a quantia que então lhes devia, mercê de sucessivos empréstimos de que beneficiou, tendo nela sido fixado o prazo limite de pagamento de 31 de Dezembro de 2011.

Mais alegaram que, face ao seu incumprimento, D. A. e mulher, R. J., moveram, em 30 de Abril de 2012, contra o ora Insolvente (A. C.) uma acção executiva, com o n.º 1380/12.0TBBCL (que correu termos pelo extinto 4.º Juízo Cível de Barcelos); e onde aquele, citado, não deduziu qualquer oposição.

Alegaram ainda que, tendo naqueles autos feito penhorar um imóvel, verificaram depois possuir o mesmo uma penhora prévia, realizada no processo executivo n.º 1049/12.6TBBCL (do extinto 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, hoje Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, Juiz 1), que lhe era movido por J. A., Limitada; e, por isso, reclamaram por apenso ao mesmo o seu crédito, então de € 185.049,87.

Por fim, alegaram que, tendo inicialmente a ali Exequente (J. A., Limitada) impugnado essa sua reclamação de créditos - o que o aqui Insolvente (A. C.) não fez -, veio a desistir da mesma, em requerimento subscrito por ela própria, por eles próprios e pelo ora Insolvente (A. C.); e, por isso, foi proferida sentença, em 14 de Junho de 2016, já transitada em julgado, onde o dito crédito foi verificado e reconhecido.

Defenderam, assim, impor-se nos presentes autos o caso julgado ali formado.

1.1.5.

Sob prévio despacho do Tribunal a quo, veio o Insolvente (A. C.) pronunciar-se sobre a referida excepção de caso julgado, reiterando a sua anterior posição.

Alegou para o efeito, em síntese, nunca ter beneficiado do alegado empréstimo de € 180.000,00, assim se explicando, quer que esteja indocumentado, quer que os alegados credores se tivessem mantido tanto tempo à espera da devolução de uma tão elevada quantia em dinheiro.

Mais alegou que só não deduziu oposição na acção executiva que aqueles depois lhe moveram (acção executiva n.º 1380/12.0TBBCL, do ora extinto 4.º Juízo Cível de Barcelos), e na reclamação de crédito que os mesmos apresentaram de seguida na acção executiva que lhe foi movida por J. A., Limitada (acção executiva n.º 1049/12.6TBBCL, do extinto 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, hoje Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, Juiz 1) por assim ter acordado previamente com eles.

1.1.6.

Sob prévio despacho do Tribunal a quo, o Administrador da Insolvência informou que, não obstante o crédito de D. A. não tivesse sido reclamado, o reconheceu por ser «do conhecimento do administrador de insolvência, porquanto o mesmo havia sido reclamado no âmbito do Processo Especial de Acordo de Pagamento que correu termos sob o processo nº 6326/19.2TBVNF, no Juízo de Comércio de V. N. Famalicão, Juiz 2», lendo-se nomeadamente na reclamação aí apresentada por D. A. e mulher, R. J.: «(…) 5º…Em 14.06.2016, foi proferida sentença no apenso-A de reclamação de créditos do referido Proc. N.º 1049/12.6TBBCL, agora a correr termos pela 2ª Secção de Execução-J1 da Instância Central de Vila Nova de Famalicão da Comarca de Braga, pela qual foi reconhecido aos ora requerentes o crédito que haviam reclamado - Doc.2-.

  1. …Tal sentença há muito transitou em julgado, constituindo, assim, caso julgado.

    (…)» 1.1.7.

    Designada uma audiência de tentativa de conciliação, não foi possível obter a mesma quanto ao crédito reconhecido a D. A..

    1.1.8.

    Foi proferida decisão, julgando improcedente a impugnação do Insolvente (A. C.) quanto ao crédito reconhecido a D. A., lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Isto posto, face ao quadro factual supra elencado, não restam dúvidas que em ambas as acções a questão central consiste em saber se deverá ser reconhecido ao credor o crédito alegado.

    As partes não são inteiramente coincidentes, mas verifica-se que a questão decidida (definitivamente) na outra acção é exactamente a mesma que se invoca nos presentes autos, ou seja, estamos perante verificação e graduação dos mesmos créditos.

    Estamos perante uma graduação especial de créditos, onde releva apenas a identidade dos sujeitos da relação material.

    Por consequência, a primeira sentença proferida e transitada em julgado impõe-se nestes autos.

    O caso julgado vincula o aqui insolvente que, como tal, nela intervieram, inicial ou sucessivamente. Precisa-se, porém, que “a identidade dos sujeitos relevante para o caso julgado não é tanto a simples identidade física, como entidade jurídica”, conforme decorre do art. 581º, nº 2 do C.P.C. (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 721-2).

    “Esta regra coaduna-se perfeitamente com as exigências do contraditório, segundo o qual as pessoas que não podem defender os seus interesses num processo, por não terem interesse directo em demandar ou contradizer, ou por não serem os titulares da relação material controvertida, não podem ser abrangidos pelo caso julgado formando neste processo”. Evita-se, assim, que “terceiros sejam prejudicados na consistência jurídica ou no conteúdo do seu direito, sem eles terem oportunidade de se defender” (J. P. Remédios Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, Dezembro de 2009, p. 667-8, com bold apócrifo.” Pelo exposto, declaro verificar-se a referida excepção dilatória de ofensa ao caso julgado material, julgando-se improcedente a impugnação apresentada pelo insolvente quanto ao crédito reconhecido a D. A.

    .

    (…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o Insolvente (A. C.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que lhe fosse dado provimento e se revogasse o despacho proferido, prosseguindo os autos (quanto ao crédito em causa) para julgamento.

    Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões): I.

    O recorrente apresenta recurso do despacho proferido em 29 de dezembro de 2021, que, em síntese, decidiu pelo reconhecimento do caso julgado II.

    O caso julgado pode ser material ou formal conforme resulta dos arts. 619.º e 620.º do Código de Processo Civil.

    III.

    O caso julgado material, que é aquele que aqui interessa, é normalmente considerado numa dupla perspetiva: como exceção de caso julgado e como autoridade de caso julgado.

    IV.

    Enquanto exceção, o caso julgado, tem uma função negativa, a qual pressupõe a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e tem por fim evitar que o tribunal, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie ou reafirme o anteriormente decidido, já enquanto autoridade de caso julgado, o mesmo tem uma função positiva que corresponde à imposição da primeira decisão à segunda decisão de mérito, isto é, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ela ser apreciada numa ação subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.

    V.

    Como escreve Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, pág. 354) «a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado um obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de...

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